Regulação de sinistros de grandes riscos trará mais insegurança ao setor?
4 de junho de 2025, 7h14
Dentre os temas tratados pela Lei nº 15.040/2024, que alteraram substancialmente a forma de operação do mercado de seguros e resseguros brasileiro, destacam-se os relacionados aos procedimentos e prazos da regulação e da liquidação de sinistros, que, inclusive, passam a constituir procedimentos distintos, com objetivos e prazos próprios.

No que diz respeito ao processo de regulação, o artigo 86 da lei estabelece o prazo máximo de 30 dias para que a seguradora se manifeste sobre a cobertura do sinistro, sob pena de decair do direito de recusá-la, o qual será contado da apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, acompanhado de todos os documentos exigidos pela apólice.
O prazo em questão pode ser suspenso uma vez caso a seguradora solicite documentos complementares ao segurado nos sinistros relacionados a seguros de veículos automotores e em todos os demais seguros em que a importância segurada não exceda o correspondente a 500 salários-mínimos. Em outras situações, a suspensão pode ocorrer por, no máximo, duas vezes.
A lei dispôs, ademais, que a autoridade fiscalizadora poderá fixar prazo superior ao disposto acima para tipos de seguro em que a verificação da existência de cobertura implique em maior complexidade na apuração, respeitado, no entanto, o limite máximo de 120 dias.
E daí surgem duas grandes preocupações do mercado, sobretudo no que se refere às carteiras de grandes riscos.
A primeira, relacionada ao prazo decadencial previsto na lei para que a seguradora se manifeste sobre a cobertura do sinistro, sob pena de, superados os prazos estabelecidos em lei, não mais poder negar cobertura para o sinistro. A recusa de cobertura, ainda, deve ser expressa e motivada, não podendo a seguradora inovar posteriormente o fundamento, salvo quando, depois da conclusão da regulação, vier a tomar conhecimento de fatos que anteriormente desconhecia, o que, inclusive, parece violar as disposições do artigo 5º, LV, da Constituição.

A segunda, relacionada à possibilidade de suspensão desses prazos, em razão da solicitação de documentação complementar, a depender da matéria, por até, no máximo, duas vezes.
Tais prazos, aliados à complexidade de determinados riscos e à previsão de suspensão máxima do prazo legal por até duas vezes, podem vir a comprometer a segurança técnico-jurídica das decisões a serem tomadas, inclusive em prejuízo dos próprios segurados e, sem sombra de dúvidas, fomentar a judicialização de situações que ainda não estejam maduras para conclusão.
E, para minimizar os efeitos gravosos desse prazo decadencial, será necessário que as seguradoras revisitem seus clausulados e, sobretudo, o rol de documentos que devem ser apresentados no caso de sinistro, direcionando-o melhor para o tipo de risco assegurado e/ou ao projeto objeto da garantia, além de antever situações que possam vir a comprometer a garantia ou dificultar as apurações em sede de regulação, tais como a existência de processos judiciais ou procedimentos arbitrais no âmbito dos quais haja discussão de haveres e deveres entre segurados e tomadores, cujo resultado, portanto, pode vir a impactar a apólice.
Já em outras modalidades, como nos seguros de responsabilidade civil, E&O e D&O, as seguradoras devem estabelecer em seus clausulados a obrigatoriedade dos segurados em comunicar, em determinado prazo, a ciência a respeito de eventual reclamação, sob pena de perda de direitos – o que parece ser proporcional à posição igualitária das partes do contrato de seguro, frente às atuais disposições da nova lei.
Mais insegurança jurídica
Não se ignora, ainda assim, o fato de que as seguradoras, dado o rigor legal e os efeitos gravosos dos prazos e disposições acima, possam vir a se socorrer com maior frequência do judiciário para melhor resguardo dos seus direitos, seja com vistas a produzir provas, suspender a exigibilidade das apólices no caso de existirem questões que prejudiquem as apurações em curso, dentre outros – um exemplo claro de fomento à judicialização antes mesmo de se definir pela cobertura ou negativa de determinado sinistro.
E apesar do aparente protecionismo da lei, o que se pode gerar, nesse cenário, é uma maior insegurança jurídica às partes. Relembra-se, sobre isso, que o contrato de seguro deve ser pautado não só na boa-fé, mas na observância estrita de todos os seus deveres anexos e colaterais de conduta. Do contrário, a agilidade proposta pela lei pode vir a se perder em milhares de ações.
E, em prol do desenvolvimento do mercado, de produtos e de cada vez mais oportunidades de negócio para todos, espera-se e recomenda-se um ambiente cada vez mais informativo e colaborativo, em que segurados não se desonerem do seu dever de informação e as seguradoras do seu dever primordial de subscrever, monitorar e de indenizar, sempre que cumpridos todos os deveres e obrigações de parte a parte.
Caberá à Superintendência de Seguros Privados (Susep), ademais, a revisão da regulamentação atual, sobretudo daquela destinada a grandes riscos, assim como a criação de normas que tragam ao setor um pouco mais de clareza, liberdade contratual e segurança.
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