A lei é feminina: grupos reflexivos para homens agressores
4 de junho de 2025, 11h15
A violência contra a mulher tem sido objeto de luta em todo o mundo e inspirado movimentos sociais e políticos na implementação de políticas públicas para a redução e controle da violência contra a mulher. Todavia, em que pese a adoção de leis mais rígidas, o que se constata pelas estatísticas é que mulheres continuam sendo violentadas e morrendo todos os dias pelo simples fato de serem mulheres.
O questionamento que se faz é: o que leva homens a agredirem as mulheres que geralmente são, ou foram, suas namoradas, esposas ou companheiras?
Não existe uma resposta para essa indignação, de modo que o artigo visa introduzir uma reflexão sobre a influência do patriarcado na produção da violência de gênero, buscando traçar possíveis caminhos para mitigação do ciclo da violência contra a mulher.
As desigualdades produzidas cultural e socialmente referentes aos papéis de homens e mulheres na sociedade acabam por construir terrenos férteis para que processos de violência se desenvolvam.
Bordieu destaca três correntes para explicar a violência perpetrada contra a mulher: a primeira denominada “dominação masculina”, a segunda “dominação patriarcal” e a terceira “dominação-vitimização” (Bordieu, 2012, p. 18).
Em breve síntese, pode-se absorver que a dominação masculina nada mais é do que a subjugação de homens e mulheres a padrões de comportamento construídos que acabam por fomentar o ciclo de violência, e que, na visão de Bordieu, só poderá ser efetivamente suprida com a construção de políticas públicas que envolvam a sociedade e o próprio Estado.
Violência doméstica
No âmbito específico da violência doméstica, destaca-se e se torna referência a Lei 11.340, promulgada em 2006 (Lei Maria da Penha), como consequência da condenação sofrida pelo Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que atribuiu o nome à lei.

É evidente que a Lei Maria da Penha representou um avanço no combate à violência contra a mulher, visto que excluiu os crimes praticados no âmbito de violência doméstica do rol de crimes de menor potencial ofensivo e a vedação da aplicação da Lei 9099/95, permitindo uma série de medidas cautelares de proteção à vítima em situação de violência.
Porém, as estatísticas demonstram que a Lei Maria da Penha, por si só, não exterminou ou minimizou os índices de violência contra as mulheres, sendo cada vez maior o número de vítimas o que, muitas vezes, culmina com a morte dessas.
Nesse ponto, convém assinalar a alteração na Lei Maria da Penha que, por meio da Lei 13.984/20, no artigo 22, acrescentou como medidas de urgência a obrigação de o agressor comparecer nos programas de recuperação e reeducação, bem como acompanhamento psicossocial por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio, as quais podem ser aplicadas isoladas ou conjugadas outras medidas.
O implemento de normas que insiram o agressor na compreensão de seus atos é, sem dúvidas, um avanço, mas é igualmente relevante, se não imprescindível, a adoção de políticas públicas de informação nos espaços educacionais, no sentido de debater sobre as situações de violência, meios preventivos e repressivos, mas também, e sobretudo, no intuito de despertar a reflexão para uma mudança de paradigma da cultura do homem sobre a mulher na sociedade.
Antes da promulgação da Lei 13984/2020, que estabeleceu como medidas protetivas de urgência a frequência do autor de violência doméstica a centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial, alguns juizados de violência contra a mulher já utilizavam os grupos reflexivos como medida de prevenção à violência de gênero.
Os programas de atendimento aos homens autores de violência domésticas, tanto a nível nacional quanto internacional não eram bem aceitos por profissionais que intervém junto à vitimas de violência.
Entendia que os agressores deveriam ser punidos e não ajudados. Segundo Manita (2008, p.22), “acreditava-se ainda que desenvolver programas de intervenção para agressores significava desculpabilizar o seu comportamento ou desvalorizar a vertente criminal dos atos de violência doméstica”.
Com os movimentos feministas na década de 70, surge nos Estados Unidos o primeiro Programa de Intervenção Para Homens Agressores – criado em Boston, que tinha como finalidade oferecer trabalho para homens agressores como forma de deter a violência.
Em Minnesota foi criado o Projeto para Intervenção no Abuso Doméstico (Daip) da Universidade de Duluth, sendo chamado de “modelo Duluth”.
Esse modelo teve caráter educativo com objetivo de transmitir uma mensagem antissexista entre os agressores, como forma de garantir a segurança da vítima (Creazzo, 2009, p.26).
A conferência das Nações Unidas, como a de Cairo (1994) e a de Beijing (1995) levou ao enfrentamento e prevenção da violência doméstica a partir das estratégias voltadas para os homens. (Beiras, 2019).
De acordo com Beiras, os estudos através de modelos quantitativos e qualitativos sobre as características dos programas com agressores nos casos de violência contra a mulher, passam a assumir as formas de: “reabilitação”, “reeducação”, “educativos”, “psicoeducativos”, “terapêuticos” e “reflexivos”.
Atualmente, a intervenção com os agressores passou a ser considerada elemento essencial à prevenção da violência contra a mulher, sendo prevista nas legislações e planos nacionais de países como o Brasil e Portugal — sendo recomendada pelas Organizações das Nações Unidas — ONU. (Barin, 2016, p.100)
No Brasil, as experiências com homens autores de violência já existia antes da promulgação da Lei Maria da Penha. Na década de 90, Rio de Janeiro e São Paulo foram os pioneiros na implementação de trabalhos com homens autores de violência de gênero. Beiras entende que “as intervenções com homens agressores constituem estratégia importante e necessária para o enfrentamento da violência doméstica e de gênero, consistindo em preocupação importante tanto na saúde como na segurança pública. (Beiras, 2019, p. 264).
Prática
Na prática verifica-se que a introdução dos programas com agressores, encaminhado pelo Poder Judiciário é escassa e insipiente.
São necessárias políticas públicas para implementação desses programas. Maria Paula Dalari Bucci, define que “políticas públicas é o programa de ação governamental que resulta em um conjunto de processos juridicamente regulados — processo eleitoral, de planejamento, de governo, orçamentário, legislativo, administrativo, judicial — visando buscar meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. (Bucci, 2006, p.39).
Nesse contexto, salienta-se a importância da implementação de políticas públicas para o direcionamento dos agressores para esses programas e a prevenção da violência contra a mulher.
Numa análise criminológico-crítica não existe no Direito Penal uma política de punição como prevenção e responsabilização, não tendo a preocupação com a recuperação do autor do delito, sendo o encarceramento a solução.
A Lei Maria da Penha possui caráter protetivo da vítima de violência, mas também possui caráter repressivo, para reeducar o agressor e romper com o ciclo de violência, denominado processo protetivo.
A proposta apresentada para o problema seria a implementação de políticas públicas voltada para os agressores autores de violência contra a mulher, visando a sua ressocialização e evitando a reincidência, como forma de prevenção e diminuição da violência contra a mulher.
Precisamos refletir qual seria a finalidade da pena aplicada aos casos de violência contra a mulher idealizada pela Lei 11.304/2006 (Lei Maria da Penha). Encarcerar é a solução? A punição por si só contribui para a repetição da violência?
Os grupos reflexivos para homens autores de violência de gênero tem a finalidade de trazer a incômoda reflexão e responsabilização dos motivos que levaram à situação de violência, levando a transformação daquela realidade e rompendo o ciclo de violência.
Vivemos em sua sociedade machista marcada por relações patriarcais, agravadas pelos movimentos feministas com impacto e consequências nas relações de gêneros.
Assim, os grupos reflexivos para homens autores de violência contra a mulher possibilita a reconstrução dessas identidades masculinas, trazendo outras lentes além do Direito Penal, possibilitando uma mudança de comportamento e tratamento psicológico de homens agressores, como solução para o rompimento do ciclo de violência contra a mulher.
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