Programa de integridade nas estatais: por que ainda é tão difícil colocá-lo em prática?
3 de junho de 2025, 6h34
A adoção de um programa de integridade nas empresas estatais é um imperativo legal e estratégico, alinhado às exigências da Lei nº 13.303/2016 e aos princípios da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção). Atualmente, os requisitos mínimos de um programa de integridade estão dispostos no Decreto nº 11.129/2022.
Apesar da relevância e da imposição legal, a implementação de um programa de integridade no âmbito das estatais ainda enfrenta desafios significativos que comprometem sua efetividade e exigem esforços contínuos para superação.
Dentre os principais obstáculos, destacamos três motivos fundamentais: a resistência institucional, a ausência de capacitação específica sobre o tema integridade e pouca comunicação sobre o programa, suas regras e as instâncias competentes, conforme veremos adiante.
Barreira invisível da resistência institucional à mudança
A mudança cultural é um dos principais desafios na implementação de um programa de integridade. Em muitas empresas estatais, assim como na administração pública como um todo, há um histórico de processos burocráticos ineficientes enraizados, resistência à transparência e à prestação de contas, além de uma cultura organizacional que, muitas vezes, minimiza a importância da ética e da conformidade.
A chegada de novos controles, políticas e regras de governança costuma encontrar resistência em diferentes níveis hierárquicos, especialmente quando há a equivocada percepção de que essas mudanças podem engessar processos internos ou aumentar a exposição à responsabilização individual.
Para mitigar esse obstáculo, é essencial que a alta administração demonstre um comprometimento efetivo e contínuo, promovendo ações que reforcem a importância da cultura de integridade.
A comunicação clara sobre os benefícios das práticas de integridade, aliada a incentivos para o engajamento dos empregados e colaboradores, é fundamental para quebrar resistências e consolidar um ambiente corporativo transparente e com alinhamento ético.
Ausência de capacitação específica e o risco do desconhecimento
A capacitação de profissionais responsáveis pela condução do programa de integridade nas empresas estatais ainda é um ponto crítico: a ausência de treinamento especializado, tanto para membros da alta administração quanto para gestores e colaboradores operacionais, compromete a correta aplicação dos mecanismos de integridade, muito embora a Lei das Estatais imponha treinamento anual sobre a Lei Anticorrupção.
Sem uma base teórica sólida, surgem dificuldades como a interpretação incorreta das leis e dos normativos, erros na realização de due diligence de terceiros e adoção de controles internos ineficazes. Além disso, a falta de conhecimento técnico pode levar à subestimação dos riscos de integridade, resultando em programas meramente formais, sem impacto real na mitigação de condutas ilícitas.
Para enfrentar esse desafio, as estatais devem investir continuamente em treinamentos técnicos e ações de capacitação, garantindo que os responsáveis pelo programa de integridade possuam conhecimento técnico e atualização necessários para gerir os riscos corporativos de integridade de forma eficiente.

O programa de integridade constitui um sistema polissêmico e multidisciplinar, cuja efetividade depende da atuação coordenada de diversas áreas transversais da empresa. Essa característica, embora essencial para sua abrangência, impõe um desafio relevante à operacionalização das práticas de conduta ética, prevenção de fraude e combate à corrupção: a insuficiência de estrutura e de pessoal capacitado em todas as áreas envolvidas.
Na prática, muitas iniciativas previstas acabam não sendo implementadas ou assumidas por falta de corresponsáveis, o que compromete a consolidação da cultura de integridade na estatal.
Nesse cenário de ausência de capacitação e transversalidade do programa de integridade, imagine uma área de compras que deve realizar uma due diligence em um licitante/fornecedor, mas não possui nem treinamento adequado, nem pessoal disponível. O que acontece? As políticas de integridade perdem efetividade, o risco não é tratado/mitigado e, provavelmente, haverá contratação com um fornecedor que não atende os padrões esperados e exigidos pela empresa.
Tudo é comunicação
Já parou para pensar quantas pessoas da sua empresa realmente sabem o que é o programa de integridade e a sua importância como documento estratégico?
Para que seja disseminado e altere a cultura organizacional, é imprescindível a realização de treinamentos e comunicações sobre o programa de integridade, seus pilares, documentos constitutivos e áreas responsáveis, pois não basta elaborar documentos como código de conduta, políticas anticorrupção ou canais de denúncia: é preciso garantir que empregados e lideranças conheçam seus conteúdos, compreendam sua aplicabilidade no cotidiano e saibam quem são as áreas responsáveis pela governança da integridade. Campanhas internas, trilhas de capacitação, diálogos com a alta gestão e reforço periódico das mensagens-chave da empresa estatal são fundamentais para transformar o programa em prática viva, efetiva e incorporada à cultura organizacional.
A recorrência de condutas equivocadas por desconhecimento das normas e instrumentos do programa de integridade evidencia a urgência de se investir em ações contínuas de treinamento e comunicação institucional.
A importância dessas ferramentas, treinamento e comunicação, fica evidente com a seguinte situação hipotética: um gerente que aprova condutas questionáveis por desconhecer o código de ética da empresa – documento que nunca leu, tampouco recebeu orientação sobre.
Quando há uma irregularidade e sua consequente apuração, a resposta tende a ser sempre a mesma: “ninguém me disse que isso era errado ou que não podia ser feito”, por isso que é tão relevante promover ações contínuas de treinamento sobre o código de ética e do plexo normativo do sistema de integridade da empresa estatal.
Considerações finais
A implementação de um programa de integridade em empresas estatais é um processo complexo, que exige comprometimento da alta administração, capacitação contínua dos profissionais, destinação de recursos adequados e aprimoramento constante dos mecanismos de controle. Superar os desafios estruturais e culturais é essencial para garantir que o programa seja não apenas um requisito formal, mas um instrumento real de integridade, governança e mitigação de riscos.
A adoção de indicadores/iniciativas para demonstrar os benefícios reputacionais, comportamentais e éticos do programa de integridade pode contribuir para a priorização de sua implementação dentro das diretrizes, inclusive orçamentárias, da empresa, motivo pelo qual é fundamental que a governança corporativa das estatais reconheça o programa de integridade, e toda estrutura que o alicerça, como um investimento estratégico.
O fortalecimento da cultura de integridade nas empresas estatais não apenas protege a organização de sanções e danos reputacionais, mas também contribui para um ambiente de negócios mais ético e sustentável e isso só será possível quando o programa de integridade deixar de ser apenas da “área de compliance” e passar a ser de toda a estatal.
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