Trump quer usar lei aplicada contra nazistas para 'desnaturalizar' imigrantes nos EUA
6 de julho de 2025, 11h00
Em um esforço desesperado para cumprir as metas de deportação, como prometido em campanha eleitoral, o presidente Donald Trump pretende recorrer a uma lei dos tempos da Guerra Fria, usada para deportar nazistas, a fim de revogar a cidadania obtida por imigrantes através do processo normal de naturalização.
Na prática, o presidente deseja reativar um texto do final da década de 1940 para anular naturalizações já concedidas pelo Estado norte-americano, com base em suposto passado criminal.
Trump quer “desnaturalizar” imigrantes que, na visão do Estado, fraudaram esse processo – isto é, só se tornaram cidadãos americanos porque mentiram ou falsificaram documentos em seus pedidos de naturalização e em entrevistas, para esconder fatos ilícitos de seu passado.

Deportação de imigrantes nos EUA
Para isso, instruiu o Departamento de Justiça (DOJ) para intensificar a investigação de suspeitos. O DOJ, que tem usado essa ferramenta esporadicamente para farejar ex-nazistas, distribuiu um memorando interno em que instrui seus procuradores a fazer um esforço extra em seu trabalho de “desnaturalização” de imigrantes-cidadãos.
Trump tem tomado medidas contra imigrantes sob o argumento de que seriam criminosos. Já afirmou várias vezes que eles estariam “envenenando o sangue” do país e que teriam “genes ruins”, entre outras declarações inspiradas no nazismo.
Pretexto de “segurança nacional”
O objetivo é atingir uma faixa muito mais ampla de indivíduos — qualquer um que possa “representar um perigo potencial para a segurança nacional”, diz o memorando. Milhões de cidadãos naturalizados podem ser investigados, para se somar aos esforços do governo Trump para cumprir sua cota de deportações.
Em seu primeiro mandato, Trump tentou algo semelhante, mas em pequena escala: abriu um escritório dentro do Departamento de Justiça, dedicado exclusivamente à busca de cidadãos que poderiam ser “desnaturalizados”. O escritório conseguiu a deportação de 102 imigrantes. Seu sucessor, Joe Biden, desativou o escritório.
Para o atual mandato, Trump quer expandir substancialmente esse esforço. Para isso, está atribuindo a outros órgãos públicos, como o FBI, o U.S. Marshals e o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA, para trabalhar em conjunto com o DOJ.
Mais que isso, encarregou toda a Divisão Civil do DOJ – não só um escritório – de se empenhar nesse projeto. E atribuiu a todas as unidades da Procuradoria-Geral nos estados a tarefa de “garimpar” cidadãos que fraudaram de alguma forma o processo de naturalização.
Além deles, cidadãos naturalizados acusados de terem cometido crimes violentos, sérios abusos de direitos humanos, tráfico humano, crimes sexuais ou são membros de gangues o de cartéis das drogas devem ser identificados e deportados.
Esses órgãos também terão a tarefa de investigar retroativamente estudantes naturalizados ou com residência (green card) das universidades, percebidos como oponentes políticos do governo Trump (tais como líderes de manifestações a favor da Palestina – ou contra Israel).
Base legal
A lei que Trump invoca para revogar cidadanias foi criada durante a era do Macartismo (1940-1950) – a época em que se intensificou no país a caça a comunistas e, subsequente processo de deportação. Ela foi liderada pelo então senador Joseph McCarthy, que tinha a missão de investigar uma suposta infiltração comunista no governo e em quaisquer outras instituições dos EUA.
Com o passar dos anos, essa lei foi mais usada para o país se livrar de criminosos de guerra. Em 1979, o Departamento de Justiça estabeleceu uma divisão de investigações especiais, que passou a usar a lei para deportar centenas de pessoas acusadas de colaborar com nazistas.
Por alguns anos, essa divisão foi chefiada por Eli Rosenbaum, que usou a lei para revogar a cidadania e deportar 100 cidadãos acusados de colaborar com nazistas. Ele ganhou a reputação de “caçador de nazistas mais prolífico”.
Em 2022, ele retornou ao Departamento de Justiça para investigar e deportar pessoas que cometeram crimes de guerra na Ucrânia. Mas o DOJ expandiu o foco da lei várias vezes. No governo democrata de Barack Obama, por exemplo, uma iniciativa chamada de “Operation Janus” visou pessoas que roubaram identidades para obter cidadania.
Porém, Trump quer mais. Além de sua “ordem executiva” que pretende negar cidadania a bebês nascidos nos Estados Unidos, mas que são filhos de imigrantes ilegais ou de estrangeiros que estiverem no país com vistos de turista, de trabalho ou de estudante, ele gostaria de cassar a cidadania de “gente ruim” – uma vontade que ele admitiu publicamente.
Na categoria de “gente ruim”, ele inclui imigrantes naturalizados e até mesmo cidadãos nascidos no país. O primeiro da lista, entre os naturalizados, seria o “ex-primeiro-amigo” do governo Trump, Elon Musk, que chefiou o DOGE (Departamento de Eficiência Governamental), mas caiu em desgraça depois que se desentendeu com Trump – e declarou que um processo de impeachment deveria ser aberto contra ele.
Também estaria na lista o candidato democrata à Prefeitura de Nova York, Zohran Mandani, que é socialista. Mandani, que nasceu em Uganda e se naturalizou em 2018, deveria ser “desnaturalizado” por suas posições políticas, como a de defender a Palestina e, segundo se alega, “glorificar publicamente pessoas conectadas aos Hamas”. Trump declarou que ele é “comunista”.
Efeito colateral
O memorando do DOJ instrui os procuradores de todo o país a dar prioridade à investigação de casos passíveis de deportação. E é tão amplo, que levanta a suspeita de que os procuradores podem invocar acusações vagas e infundadas para deportar mais pessoas do país.
A ameaça é tão genérica, que pode produzir um efeito colateral indesejado: o de disseminar medo na população de imigrantes naturalizados e de outros tantos cidadãos que podem ser classificados, mesmo que erroneamente, como ameaça à segurança nacional. E, por isso, sentem receio de se opor ao governo Trump.
Mais de 7,9 milhões de pessoas obtiveram cidadania americana, através do processo de naturalização, na última década. No ano passado, foram 818.500, de acordo com o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA. Com informações adicionais da CNN, NBC e The Indian Express.
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