Tributação de softwares: o que mudou e o que ainda pode mudar após as decisões do STF?
5 de julho de 2025, 6h33

O cenário da tributação de softwares no Brasil passou por uma transformação significativa após as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal. O que antes era um campo de batalha entre estados e municípios pela arrecadação de ICMS e ISS, agora se desdobra em novas complexidades na esfera federal. Este artigo explora as mudanças decorrentes das decisões do STF e responde às principais dúvidas sobre o tema.
O que se decidiu e como isso afeta empresas e consumidores?
Em fevereiro de 2021, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5.659 e 1.945, o STF estabeleceu que as operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de software, independentemente de serem padronizados (de prateleira) ou customizados, são consideradas uma prestação de serviço. Com isso, a Corte definiu que o imposto incidente sobre essas operações é o Imposto Sobre Serviços (ISS), de competência municipal, afastando a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual.
Para as empresas de tecnologia, essa decisão trouxe, a princípio, uma maior segurança jurídica no que tange ao conflito de competência entre estados e municípios. A definição clara do ISS como tributo incidente encerrou uma longa disputa que gerava incertezas e custos para o setor. No entanto, a clareza no âmbito estadual/municipal abriu portas para novas discussões na esfera federal.
Para os consumidores, a mudança pode ter um impacto indireto nos preços. A alíquota do ISS, que varia de 2% a 5%, é geralmente menor que a do ICMS. Essa redução na carga tributária para as empresas pode, em tese, levar a uma diminuição no preço final dos softwares, embora essa não seja uma consequência direta e garantida, pois depende da estratégia de precificação de cada empresa.
Como fica a divisão entre ICMS e ISS nas operações de softwares?
A decisão do STF foi categórica: as operações com software, incluindo licenciamento, cessão de uso e o modelo de Software as a Service (SaaS), são tributadas exclusivamente pelo ISS. O ICMS não incide mais sobre essas transações.
O principal argumento da Corte foi que a elaboração e a disponibilização de um software, mesmo que padronizado, envolvem um “esforço intelectual” e uma “obrigação de fazer”, características de uma prestação de serviço. Além disso, o STF destacou que no licenciamento de software não há transferência de titularidade do bem, um dos pressupostos para a incidência do ICMS.
Com isso, a antiga distinção entre software “de prateleira” (considerado por muitos como mercadoria e, portanto, sujeito ao ICMS) e software “por encomenda” (visto como serviço e sujeito ao ISS) foi superada. Independentemente da forma de comercialização ou do grau de personalização, a tributação será sempre pelo ISS.
Empresas que recolheram o tributo de forma diferente podem buscar restituição? Como fazer isso com segurança?
Sim, as empresas que recolheram o ICMS sobre operações com software podem, em tese, buscar a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos. No entanto, o processo não é simples e exige cautela.

O STF modulou os efeitos da sua decisão, determinando que ela só produzirá efeitos a partir da data da publicação da ata de julgamento (março de 2021). Isso significa que, em regra, não é possível reaver o ICMS pago antes dessa data, a não ser que a empresa já tivesse uma ação judicial em andamento questionando a cobrança. Além disso, a modulação protege os contribuintes, impedindo que os municípios cobrem o ISS retroativamente.
Para buscar a restituição com segurança, é fundamental que a empresa contrate uma assessoria especializada: a análise do caso concreto e a condução do processo de restituição exigem conhecimento técnico aprofundado. Reúna toda a documentação fiscal, é preciso comprovar o pagamento indevido do ICMS por meio de notas fiscais e outros documentos. Esteja ciente dos riscos, pois as secretarias estaduais de fazenda podem criar obstáculos e questionar o pedido de restituição.
Novo cenário de incertezas: esfera federal
Apesar de ter pacificado a questão do ICMS versus ISS, a decisão do STF gerou um novo capítulo de incertezas no âmbito federal. A Receita Federal, interpretando a decisão do STF de que software é serviço, passou a emitir Soluções de Consulta com entendimentos que alteram a tributação de tributos como PIS, Cofins, IRPJ, CSLL e Cide.
Por exemplo, a Solução de Consulta Cosit nº 36/2023 mudou o percentual de presunção do lucro para empresas do lucro presumido que licenciam software, de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL) para 32% (ambos), por considerar a atividade como prestação de serviço. Além disso, há uma grande inconsistência na classificação das remessas ao exterior para pagamento de licenças de software, que ora são tratadas como royalties, ora como serviço, o que impacta a incidência de IRRF, PIS/Cofins-Importação e Cide.
A decisão do STF foi um marco importante para a tributação do setor de tecnologia no Brasil, pondo fim à guerra fiscal entre estados e municípios sobre o software. No entanto, a calmaria em uma frente de batalha deu lugar a uma nova tempestade na esfera federal. A falta de um posicionamento claro e uniforme da Receita Federal sobre os impactos da decisão do STF nos tributos federais cria um ambiente de insegurança jurídica que ainda demandará muita atenção e, possivelmente, novas disputas judiciais.
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