Opinião

Reforma tributária pode causar explosão de litígios, diz relatório do STJ

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  • é especialista em Direito Constitucional e Tributário Empresarial e Recuperação de Empresas Penal e Econômico Contábil e Financeiro Perícia Avaliação e Arbitragem Contabilidade Tributária Contabilidade Forense e Investigação de Fraudes contador perito contábil judicial no TJ-PR TJ-RS e JF-PR e parecerista.

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  • é graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná (Emap) pós-graduando em Advocacia Empresarial pela PUC Minas autor de artigos científicos ex-assessor de juiz no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e administrador judicial.

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5 de julho de 2025, 7h01

O Superior Tribunal de Justiça, por meio da 1ª Seção, aprovou em abril de 2025 um relatório denso e esclarecedor sobre os prováveis efeitos da reforma tributária no sistema judicial brasileiro [1]. O documento, fruto do grupo de trabalho instituído pela Portaria STJ/GPnº 458/2024, revela um cenário que vai na contramão da promessa de simplificação: os novos tributos sobre o consumo — o  Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — podem causar uma explosão de litígios, triplicando a atual carga processual tributária.

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A principal fonte dessa preocupação é o desenho constitucional e legal da reforma, pois apesar de unificar as bases de incidência e criar uma estrutura normativa comum, manteve a separação entre os entes federativos na cobrança, fiscalização e na representação judicial dos créditos tributários. Isso significa, na prática, que o mesmo fato gerador pode resultar em três lançamentos distintos e, na ausência de pagamento, três execuções fiscais diferentes: uma movida pela União (CBS), outra pelo Estado e uma terceira pelo município (IBS em suas frações estadual e municipal).

O contribuinte que desejar contestar a cobrança também terá que ajuizar ações separadas, enfrentando múltiplos processos sobre o mesmo fato, mas em foros diferentes. A consequência esperada é o aumento exponencial de demandas, especialmente em ações antiexacionais, que exigem discussões mais complexas sobre validade, legalidade e interpretação normativa, e estando já o Judiciário sobrecarregado, dificilmente suportará esse volume sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.

O relatório do STJ, publicado oficialmente no portal da corte baseado em dados da DataJud e projeções estatísticas, não apenas descreve esse cenário com precisão, mas também propõe soluções estruturadas e práticas, sendo uma das principais sugestões a atribuição da competência exclusiva à Justiça Federal para julgar tanto a CBS quanto o IBS. A proposta parte do reconhecimento de que, embora o IBS seja de competência compartilhada entre estados e municípios, sua legislação é nacional, o que justifica o deslocamento da competência para uma instância única, mais preparada e com jurisprudência consolidada.

Outra ideia relevante do relatório é a criação de faixas de valor para definir quem ajuíza e onde: municípios cobrariam débitos de pequeno porte, estados os médios, e a União os de maior valor. Essa “alçada federativa”, se bem desenhada, permitiria reduzir a multiplicação de processos e racionalizar a atuação judicial, defendendo também o texto a exigência de instância administrativa prévia obrigatória, de forma a reduzir a judicialização precoce e permitir que a administração tributária unifique entendimentos antes que as controvérsias cheguem aos tribunais.

O grande problema dessas “soluções” é que, ao menos no atual cenário constitucional brasileiro, entrariam em choque com previsões constitucionais consolidadas, como o princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV) e o princípio processual do juiz natural de acordo com a repartição de competências firmada na própria Constituição (artigos 92 e seguintes).

Caminhos complementares

O relatório também analisa a possibilidade — ainda em discussão no âmbito do Executivo — da criação de ações diretas de legalidade (ADL) e ilegalidade (Adil), de competência do STJ, que teriam o potencial de uniformizar interpretações logo no início da vigência dos novos tributos, reduzindo decisões conflitantes em primeira instância. Apesar de reconhecer os benefícios de celeridade e previsibilidade, o STJ pondera os riscos constitucionais de tal modelo: o enfraquecimento do contraditório, da ampla defesa e da maturação das decisões nas instâncias ordinárias.

Spacca

Entre as propostas recusadas pelo grupo de trabalho está a criação de um novo tribunal federal com composição mista (juízes federais e estaduais), considerado um projeto inviável, caro e institucionalmente problemático. Também se rejeita a ideia de colegiados virtuais mistos, por esbarrarem em obstáculos legais e por aumentarem a complexidade processual sem ganhos efetivos.

Apesar das contribuições valiosas do relatório, é possível vislumbrar caminhos complementares. Um deles seria o desenvolvimento de mecanismos de atuação conjunta entre procuradorias, autorizando a representação unificada de créditos federais, estaduais e municipais, ao menos em determinadas hipóteses. Isso permitiria que o contribuinte enfrentasse uma única ação, em vez de três, reduzindo a litigância e os custos judiciais.

Também seria interessante discutir, durante o período de transição, um regime de consultas vinculantes obrigatórias emitidas por órgãos centrais — como a Receita Federal e o Comitê Gestor do IBS — para prevenir conflitos interpretativos e oferecer segurança jurídica desde os primeiros anos de vigência do novo sistema.

Uma terceira alternativa, e muito mais viável do que a realização de emendas constitucionais, é a criação de convênios entre a União, os estados e os municípios a fim de se permitir – e controlar – a cobrança de tributos com posterior repartição dos resultados de acordo com a competência de cada ente.

Por isso, diante da magnitude da mudança, impõe-se um programa nacional de capacitação de juízes, procuradores e servidores que atuarão com os novos tributos. Não se trata apenas de alterar regras tributárias, mas de reorganizar a própria dinâmica da relação entre fisco e contribuinte, com impactos diretos na estrutura e no fluxo do Judiciário.

Por fim, o relatório aprovado pelo STJ não é um exercício acadêmico — é um chamado claro às instituições para que se antecipem ao problema antes que ele se consolide como tragédia judicial. O Brasil não precisa de uma nova onda de litigiosidade fiscal, mas sim de um sistema que funcione com clareza, agilidade e justiça, acreditando que a reforma tributária ainda pode cumprir esse papel — mas isso só será possível se vier acompanhada de uma reforma contenciosa à altura do desafio.

 


[1] STJ. Aprovado o relatório do grupo de trabalho sobre os impactos processuais da reforma tributária pela 1ª Seção. Disponível aqui

Autores

  • é contador, perito contábil judicial no TJ-PR, TJ-RS e JF-PR, parecerista e especialista em Direito Constitucional e Tributário, Empresarial e recuperação de empresas, Penal e Econômico, Contábil e Financeiro, perícia, avaliação e arbitragem, Contabilidade Tributária, Contabilidade Forense e investigação de fraudes.

  • é graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná, especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná (Emap), pós-graduando em Advocacia Empresarial pela PUC Minas, ex-assessor de juiz no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, advogado e administrador judicial.

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