A partir de meados de agosto de 2025, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.324, a conta de energia elétrica dos brasileiros poderá aumentar, em média, 20,20%, a depender do que for decidido. Em um cenário desfavorável aos consumidores, o impacto inflacionário é ainda mais alarmante, representando a pouco mais de 1/4 da meta de inflação para 2025.

Ajuizada pela Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), a ADI 7.324 volta-se contra dispositivos da Lei 14.385/2022 [1] que conferiram à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) competência para devolver aos consumidores, pela via de descontos nas tarifas de energia, valores correspondentes a tributos indevidamente cobrados a maior.
A edição da lei combatida na ADI foi influenciada pela chamada “tese do século”, definida no âmbito do Tema 69 do STF, que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e, com isso, evidenciou que os consumidores estavam indevidamente pagando tributação mais elevada em conjunto com as contas de energia.
Na prática, por meio de referida ADI, a associação representante das distribuidoras de energia pretende garantir que estas se apropriem dos valores recebidos em ações de repetição de indébito por elas ajuizadas com vistas a reaver os tributos cobrados a mais indevidamente, a despeito de serem os consumidores que efetivamente arcam com o ônus tributário.
Equilíbrio financeiro do contrato administrativo
Recordemos que as distribuidoras de energia são concessionárias de serviços públicos, e, por essa razão, têm o dever de zelar pela modicidade tarifária e pelo equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, o que justifica que ajuízem as ações de repetição de indébito para reaverem os tributos indevidamente cobrados. Justamente em prol desses princípios é que foi editada a Lei 14.385, alvo da ADI, que em seu cerne visa a garantir que as distribuidoras não tenham um enriquecimento indevido em decorrência de discussões tributárias.
Em setembro de 2024, o STF formou maioria a favor da constitucionalidade formal e material da Lei 14.385 por entender que ela trata de política tarifária e, acertadamente, garante o equilíbrio econômico-financeiro das concessões. Nesse sentido, a lei espelha previsão do pré-existente artigo 9º, § 3º, da Lei 8.987/1995, segundo o qual alterações tributárias que se verifiquem após a licitação para a conquista do contrato de distribuição de energia elétrica implicarão revisão das tarifas — para mais ou para menos.

Agora, a sessão de julgamento que se seguirá terá por principal objetivo a definição dos critérios de prescrição para o reequilíbrio tarifário em razão da repetição do indébito de tributos pelas concessionárias.
O tema, que já foi aventado na sessão anterior, ainda resta controvertido, e com entendimentos variados, em favor da prescrição decenal, quinquenal e mesmo da inaplicabilidade do instituto ao caso. Longe de ser mera questão jurídica, o tema da prescrição é de extrema relevância porque, a depender do posicionamento do STF, os impactos econômicos serão ainda mais sensíveis, sobretudo no bolso do consumidor.
Impacto na conta de energia
A prescrição quinquenal, defendida pelos ministros Luiz Fux e André Mendonça, e condizente com o interesse das distribuidoras de energia, representa a alternativa com a pior repercussão econômica para os consumidores, porque, na prática, permitirá que apenas tributos cobrados a mais nos últimos cinco anos sejam devolvidos aos consumidores. Nesse cenário, a Abrace Energia, associação que representa os consumidores de energia, estimou um impacto médio de 20,2% nas contas de energia elétrica, dado que os consumidores terão que devolver às concessionárias valores que, por determinação da Aneel, já haviam sido descontados das tarifas.
A adoção da prescrição de cinco anos foi justificada por uma lógica paradoxal: reconheceu-se que a Lei impugnada versa sobre política tarifária, afastando-se a temática de direito tributário, mas se considerou que o prazo prescricional deve ser o da lei tributária, por se situar em uma disciplina “limítrofe”.
A prescrição decenal, por sua vez, foi sustentada pelo ministro relator Alexandre de Moraes, seguido pelos ministros Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Nunes Marques. O entendimento é fundamentado no caráter subsidiário da regra prevista no artigo 205 do Código Civil [2], já que inexiste prazo específico previsto para o exercício de pretensões tarifárias entre concessionárias e consumidores. Prevalecendo esta tese, a estimativa de impacto médio nas tarifas de energia varia de 5% a 8,2%, a depender do termo inicial de contagem da prescrição, outro tema pendente de decisão.
Contagem de prazo prescricional
À parte dos posicionamentos sobre os prazos prescricionais, melhor se alinhar ao próprio conceito de prescrição a inaplicabilidade do instituto ao caso. É basilar que só se fala em contagem de prazo prescricional para o exercício de pretensões em caso de lesão a direitos. Contudo, no caso em discussão, não há que se falar em lesão ensejada pela edição da Lei 14.385.
De um lado, jamais houve ofensa a um suposto direito garantido às distribuidoras de se apropriar dos tributos reavidos em ações de repetição de indébito, justamente porque são os consumidores que arcam com o valor. De outro lado, não chegou a ocorrer lesão aos direitos dos consumidores, porque a Aneel, antes até da edição da Lei 14.385, prontamente atuou para devolver aos consumidores os valores que lhes pertencem pela via de descontos tarifários concedidos desde 2022, como forma de compensar a indevida inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins embutidos nas tarifas de energia.
A inaplicabilidade da prescrição foi aludida no voto do ministro Flávio Dino, que se alinha não somente à lógica jurídica, como também aos interesses dos consumidores. Nessa vertente, não decorreria aumento tarifário e suas consequentes externalidades econômicas negativas, sobretudo na inflação, dado que não haveria uma limitação temporal (de dez ou de cinco anos) para o cálculo dos valores a serem devolvidos aos consumidores.
Na prática, equivale a dizer que as distribuidoras devem restituir aos consumidores todos os valores que reouveram, permitindo-se apenas o desconto dos custos efetivos que elas tiveram no manejo das ações de repetição de indébito e que não estão cobertos pela própria tarifa, que já inclui, em sua composição, previsão de montante destinado a despesas judiciais.
Em um contexto de iniciativas estatais voltadas à desoneração dos custos com a energia elétrica, a exemplo das novas regras aplicáveis à Tarifa Social de Energia Elétrica, veiculadas pela Medida Provisória 1300/2025 [3], bem como para a obtenção da meta inflacionária, com o aumento dos juros [4], o pronunciamento do STF na ADI 7.324 assume um papel estratégico. A decisão da Corte poderá se alinhar ou destoar das diretrizes de políticas públicas, com o potencial de impactar diretamente milhões de consumidores. Resta aguardar o desfecho da ação e suas repercussões de amplo alcance na população.
[1] Art. 1º A Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3º ……………………………………………………………………………………………..
XXII – promover, de ofício, a destinação integral, em proveito dos usuários de serviços públicos afetados na respectiva área de concessão ou permissão, dos valores objeto de repetição de indébito pelas distribuidoras de energia elétrica em razão de recolhimento a maior, por ocasião de alterações normativas ou de decisões administrativas ou judiciais que impliquem redução de quaisquer tributos, ressalvados os incidentes sobre a renda e o lucro.
…………………………………………………………………………………………………………
§ 8º Para a destinação de que trata o inciso XXII do caput deste artigo, a Aneel deverá estabelecer critérios equitativos, considerar os procedimentos tarifários e as disposições contratuais aplicáveis e observar:
I – as normas e os procedimentos tributários aplicáveis à espécie;
II – as peculiaridades operacionais e processuais relativas a eventuais decisões judiciais ou proferidas por autoridade tributária competente;
III – a destinação integral dos valores do indébito, após apresentação ao órgão fazendário competente de requerimento do crédito a que faz jus, nos termos da legislação de cada ente tributário;
IV – os valores repassados pelas distribuidoras de energia elétrica diretamente aos consumidores em virtude de decisões administrativas ou judiciais; e
V – o equilíbrio econômico-financeiro da concessão.” (NR)
“Art. 3º-B A Aneel deverá promover, nos processos tarifários, a destinação integral, em proveito dos usuários de serviços públicos afetados na respectiva área de concessão ou permissão, dos valores objeto de repetição de indébito pelas distribuidoras de energia elétrica relacionados às ações judiciais transitadas em julgado que versam sobre a exclusão do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) da base de cálculo da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
§ 1º Para a destinação de que trata o caput deste artigo, deverão ser considerados nos processos tarifários:
I – o valor total do crédito utilizado em compensação perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, acrescido de juros conforme o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995;
II – a integralidade dos valores dos créditos requeridos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil a serem compensados até o processo tarifário subsequente, conforme projeção a ser realizada pela Aneel;
III – os tributos incidentes sobre os valores repetidos de que trata o caput deste artigo;
IV – os valores repassados pelas distribuidoras de energia elétrica diretamente aos consumidores em virtude de decisões administrativas ou judiciais; e
V – a capacidade máxima de compensação dos créditos da distribuidora de energia elétrica.
§ 2º A destinação de que trata o caput deste artigo dar-se-á nos processos tarifários anuais, a partir do primeiro processo tarifário subsequente ao requerimento à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil.
§ 3º Ressalvada a forma de destinação de que trata o inciso II do § 1º deste artigo, a Aneel poderá determinar a antecipação da destinação do crédito ao requerimento à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, desde que:
I – haja anuência da distribuidora de energia elétrica quanto ao valor a ser antecipado;
II – seja a distribuidora de energia elétrica restituída da remuneração referente ao valor antecipado.
§ 4º A remuneração da antecipação de que trata o § 3º deste artigo será definida pela Aneel.
§ 5º O disposto no § 3º deste artigo é aplicado ao crédito ainda não requerido à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, desde que haja anuência da distribuidora de energia elétrica.
§ 6º A Aneel promoverá revisão tarifária extraordinária com vistas a efetuar exclusivamente a destinação de que trata o caput referente às decisões judiciais anteriores à entrada em vigor deste artigo.
§ 7º O disposto no § 6º deste artigo aplica-se às distribuidoras de energia elétrica cujos últimos processos tarifários tenham sido homologados a partir de janeiro de 2022.”
[2] Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
[3]Art. 6º A Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1º A Tarifa Social de Energia Elétrica, criada pela Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, para os consumidores enquadrados na Subclasse Residencial Baixa Renda, caracterizada por descontos incidentes sobre a tarifa aplicável à classe residencial das distribuidoras de energia elétrica, será calculada conforme indicado a seguir:
I – para a parcela do consumo de energia elétrica inferior ou igual a 80 kWh/mês (oitenta quilowatt-hora/mês), o desconto será de 100% (cem por cento); e
II – para a parcela do consumo de energia elétrica superior a 80 kWh/mês (oitenta quilowatt-hora/mês), o desconto será de 0% (zero por cento).”
[4] À época da elaboração deste artigo, em sua última deliberação de junho de 2025, o Comitê de Política Monetária elevou a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 15,00% a.a. A esse respeito, confira-se a meta oficial para a Selic, disponível