Opinião

Pacificação sobre indisponibilidade de bens nas ações de improbidade administrativa pelo STJ

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3 de julho de 2025, 7h04

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O pedido de indisponibilidade de bens, cabível nas ações de improbidade administrativa, detém grande relevância jurídica, uma vez que pode assegurar a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.

Na prática, funciona como um pedido de tutela provisória, ou seja, visa resguardar o direito material a ser tutelado ao final do processo.

Originalmente, a Lei n° 8.429/1992 previa a possibilidade de indisponibilidade de bens em seu artigo 7°, parágrafo único, o qual condicionava apenas a constatação de ato de improbidade que pudesse causar lesão ao patrimônio público ou ensejasse enriquecimento ilícito.

A legislação não fazia menção aos requisitos formais previstos no Código de Processo Civil, quais sejam, a probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, bastando unicamente a existência de indícios de que o suposto ato ímprobo causasse lesão ao patrimônio público ou ensejasse enriquecimento ilícito do indiciado, a qual presumia o perigo de dano para o deferimento da medida liminar.

Deste modo, diante da inexistente definição de parâmetros no ordenamento jurídico, a doutrina e, especialmente, o Superior Tribunal de Justiça foram responsáveis pela uniformização da jurisprudência pela edição de duas teses, a saber:

“Tema 701/STJ: É possível a decretação da ‘indisponibilidade de bens do promovido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro.

Tema 1.055/STJ: É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.”

No entanto, com o advento da Lei n° 14.230/2021, a qual promoveu uma profunda reforma na Lei n° 8.429/92, o STJ iniciou uma nova fase, qual seja, pacificar entraves interpretativos acerca da Lei de Improbidade.

Spacca

Acerca da indisponibilidade de bens, o novo regramento estabeleceu limites para o deferimento nas ações de improbidade administrativa, incluindo a exigência expressa de demonstração de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 16, § 3° da LIA.

Do mesmo modo, também estabeleceu que a indisponibilidade não incidirá sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial (artigo 16, § 10, da LIA).

Nota-se que a lei modificadora afasta os entendimentos jurisprudenciais formulados pelo STJ, passando-se a exigir os mesmos requisitos elencados no artigo 300 do Código de Processo Civil.

Diante das novas disposições, no entanto, restou-se dúvidas sobre a possibilidade de retroatividade da norma, oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal, em sede do Tema 1.199 [1] de repercussão geral, mesmo sem mencionar expressamente as recentes diretrizes para o pedido de indisponibilidade de bens, definiu que os aspectos materiais da nova lei devem retroagir em oposição aos aspectos meramente processuais que somente poderiam ser arguidos a partir da sua vigência.

À vista disso, a 1ª Seção do STJ decidiu afetar os Recursos Especiais 2.074.601, 2.089.767, 2.076.137, 2.076.911 e 2.078.360 para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, de forma a definir se o novo regramento da indisponibilidade de bens estabelecido pela Lei nº 14.230/2021 incidiria aos processos em curso, iniciados sob a vigência da Lei 8.429/1992.

No julgamento realizado em fevereiro de 2025, o ministro Afrânio Vilela enfatizou que a tutela provisória de indisponibilidade de bens, por ser passível de revogação ou modificação a qualquer momento, está sujeita à aplicação da Lei nº 14.230/2021. Segundo ele, a norma alcança tanto os pedidos de revisão de medidas já concedidas quanto os recursos ainda pendentes de julgamento.

Nas palavras do ministro “levando em consideração as premissas fixadas nesses julgados e o disposto no art. 1º, § 4º, da Lei 8.429/1992 (‘Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador’), não há como afastar a incidência das disposições da Lei 14.230/2021 no exame da tutela provisória de indisponibilidade de bens nos processos que já estavam em curso”.

Tema 1.257

Assim, a modificação legislativa derrubou as Teses nº 701 e 1.055, sendo firmado pelo STJ o Tema 1.257:

“As disposições da Lei 14.230/2021 são aplicáveis aos processos em curso, para regular o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens, de modo que as medidas já deferidas poderão ser reapreciadas para fins de adequação à atual redação dada à Lei 8.429/1992.”

Não obstante as críticas quanto a modificação de bases estruturais até então aplicadas no Judiciário, a tese já vem sendo replicada nos tribunais brasileiros, a exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em julgamento realizado recentemente pelo desembargador Spoladore Dominguez da 13ª Câmara de Direito Público:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO RECORRIDA QUE MANTEVE A INDISPONIBILIDADE DE BENS DOS RÉUS. V. ACÓRDÃO DESSA COLENDA 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO PARA MANTER A IN DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À TURMA JULGADORA PARA REALIZAÇÃO DE EVENTUAL ADEQUAÇÃO (art. 1.040, inciso II, do CPC). IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DE BENS – Devolução dos autos à turma julgadora para eventual adequação ou manutenção do Acórdão, em função do julgamento do REsp nº 2.074.601/MG (Tema 1257/STJ) – Decisão que deferiu a medida de indisponibilidade de bens em face do agravante – Medida cautelar – Necessidade de demonstração concreta da imprescindibilidade da medida – Pedido que foi formulado sob a alegação de que o periculum in mora decorre de presunção legal – Impossibilidade, nestas condições, de determinação da medida de indisponibilidade de bens – Ademais, montante da indisponibilidade, mesmo que mantida, deveria se limitar à vantagem indevida discutida – Decisão agravada reformada. Adequado o julgado, com o provimento do recurso” [2].

Com isso, a definição do tema terá impacto significativo nos processos de todo o Brasil contra os agentes que respondem por improbidade administrativa, haja vista que o definido garante um tratamento mais rigoroso e proporcional, de forma a prevenir as restrições patrimoniais, conferindo maior proteção ao jurisdicionado sem comprometer a efetividade da persecução do interesse público.

 


[1] Tema 1.199: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.”

[2] TJ-SP;  Agravo de Instrumento 2223125-18.2019.8.26.0000; relator (a): Spoladore Dominguez; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro de Guarujá – Vara da Fazenda Pública; data do julgamento: 14/05/2025; data de registro: 14/5/2025

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