Redução de partidos no Brasil pode atenuar crise de representatividade
2 de julho de 2025, 14h55
O Brasil promoveu reformas nos últimos anos para combater a fragmentação partidária, um fenômeno apontado como gerador de crises por dificultar a governabilidade. Por meio de medidas como a cláusula de barreira e a criação das federações, o país foi de 35 legendas em 2016, quando atingiu o recorde, para 29 atualmente, e a tendência é que o número siga caindo. Uma série de outros fatores, porém, pode enfraquecer os benefícios desse enxugamento para o sistema político nacional.
Essa foi a avaliação dos participantes do debate “Sistema político, crise dos incumbentes e fragmentação partidária”, um dos temas do primeiro dia do XIII Fórum de Lisboa, nesta quarta-feira (2/7), na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). A TV ConJur transmite o evento ao vivo.

Debate sobre fragmentação partidária durante o XIII Fórum de Lisboa
A mesa que tratou do assunto teve a moderação de Carlos Blanco de Morais, professor catedrático da FDUL e coordenador científico do Lisbon Public Law Research Centre. Também participaram o senador Ciro Nogueira (PP-PI); o presidente da Apex Brasil, Jorge Viana; o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia; o professor Vitalino Canas, presidente do Fórum de Integração Brasil Europa; e o advogado Fernando Menezes de Almeida, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Os debatedores que têm ou já tiveram cargos eletivos — Ciro Nogueira, Jorge Viana e Rodrigo Maia — concordaram que houve avanços recentes no sistema político brasileiro. Para eles, a redução do número de partidos com representação no Congresso deve facilitar a identificação do eleitor com as siglas de sua preferência, o que pode elevar a qualidade do debate político no país.
“Nós vamos, na minha opinião, sair desse processo político com, no máximo, oito partidos com representação significativa no Congresso Nacional. Eu acho muito importante, porque vai criar um sentimento de que a população precisa fazer parte da vida partidária, dos quadros partidários, e isso é muito importante para que essas pessoas se sintam representadas”, opinou Nogueira.
“Nós tínhamos mais de 30 partidos, alguns anos atrás, inscritos, podendo disputar. Nós tivemos a Emenda 97, em 2017 (que proibiu as coligações). Tivemos também a lei das federações, de 2021. É um avanço, temos de registrar”, disse Viana. Para ele, porém, o Brasil ainda tem um total de agremiações acima do necessário para o bom funcionamento do sistema. “Nenhum lugar do mundo, com a democracia estável, tem isso.”
Segundo Rodrigo Maia, as redes sociais têm estimulado a reorganização do equilíbrio partidário no país. Na avaliação dele, legendas antigas perderam força nos últimos anos e foram substituídas por agremiações lideradas por políticos empoderados pelos meios digitais, um processo que se iniciou na direita, com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Com o nosso constrangimento de ser de direita, acabamos dando a oportunidade para que uma pessoa que não era de fora da política, mas que não representava os grandes partidos, chegasse à Presidência, pela competência que teve nas redes sociais. E a direita se reorganizou hoje, basicamente, no núcleo do PL com o PP.”
Na visão de Maia, a esquerda terá de passar por um processo semelhante quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixar de ser a figura central. “Eu acho que o PT não sobrevive sem o presidente Lula. Da mesma forma que o PSDB e o PFL não sobreviveram sem a liderança do presidente Ferrando Henrique (Cardoso) ou de um novo líder que tivesse vencido as eleições. Eu acho que esse vai ser o grande desafio da esquerda nos próximos anos.”
Crise da democracia representativa
O mediador, Carlos Blanco de Morais, apresentou durante o debate um diagnóstico sobre as causas da crise da democracia representativa no Brasil e no mundo. Segundo ele, a fragmentação partidária é apenas um dos fatores, mas outros merecem atenção:
— Riscos de captura do poder político pelo poder econômico;
— Emergência de formas embrionárias de autoritarismo nas democracias;
— Substituição da mediação da imprensa tradicional pela explosão das redes sociais; e
— Crises na separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário.
Na avaliação de Blanco, todos esses cenários devem ser levados em conta para medir a qualidade da democracia no país. “Havendo uma crise na democracia representativa, que é objetiva, até que ponto esta mesma crise se ressente de uma crise no sistema de partidos políticos? Segundo, pode o fenômeno da chamada desestruturação do sistema partidário afetar o próprio sistema político e a governabilidade dos Estados?”, questionou.
Para Fernando Menezes de Almeida, é preciso evitar não apenas a fragmentação partidária, mas também a “organização atomizada” de deputados e senadores em bancadas temáticas, que não necessariamente respeitam os limites dos partidos e que se rearranjam em combinações variadas, conforme o tema que estiver em discussão.
Esse cenário, segundo ele, pode levar a uma espécie de “parlamentarismo anárquico”, o que também pode ser um obstáculo para a governabilidade. Almeida afirmou, porém, que não vê com pessimismo o cenário do Brasil. “O regime brasileiro é, independentemente de rótulo, o regime traçado pela Constituição de 88.”
Vitalino Canas concordou que há motivo para otimismo. Segundo ele, é necessário fazer uma separação entre o “alarme democrático”, que é a necessidade de estar atento e buscar soluções para fenômenos preocupantes, e o “alarmismo democrático” — a ideia de que tudo está correndo mal e não há solução.
“As democracias, apesar de tudo, estão gerando soluções para alguns dos problemas. É certo que existe um problema de governabilidade, que surge em países onde tradicionalmente esse problema não existia. Mas a democracia está, apesar de tudo, encontrando soluções para esses problemas.”
Clique aqui para assistir ao painel ou veja abaixo:
Veja a seguir imagens do primeiro dia do evento:
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