Opinião

Jurimetria com dados parciais de 2025 no STJ revela estratégias cruciais para defesa penal

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  • é sócio do escritório Metzker Advocacia advogado criminalista professor e palestrante pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS e MBA em Gestão Empreendedorismo e Marketing pela mesma instituição diretor cultural e acadêmico da Abracrim-ES.

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2 de julho de 2025, 6h04

A atuação estratégica nos tribunais superiores exige muito mais do que retórica e convicção. Em tempos de racionalização processual, filtros recursais e jurisprudência defensiva, a advocacia criminal precisa se valer de ferramentas objetivas para decidir onde e como investir sua energia processual. A jurimetria surge, nesse contexto, como instrumento técnico de primeira ordem, oferecendo não apenas um retrato das decisões judiciais, mas, sobretudo, subsídios para escolhas táticas mais eficazes.

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Ministro explicou que o caso não preenchia os requisitos legais para decretar a prisão preventiva de réu com Transtorno do Espectro Autista

Se no passado a escolha entre Habeas Corpus e recurso especial dependia quase exclusivamente de critérios subjetivos ou da urgência do caso, hoje é possível mapear com precisão as chances reais de êxito em cada uma dessas vias. Essa avaliação, antes intuitiva, agora pode ser ancorada em dados concretos de desempenho judicial, rompendo com práticas automatizadas e decisões baseadas em rotina.

Os dados apresentados são fruto de pesquisa empírica realizada no âmbito do meu mestrado, cuja versão integral estará disponível na dissertação. A partir da análise de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça entre janeiro e abril de 2025, incluindo REsp e AREsp, foram identificadas mais de 8 mil decisões favoráveis à defesa. Trata-se de um recorte representativo, capaz de indicar tendências estruturais relevantes para a advocacia criminal contemporânea.

Supremacia do Habeas Corpus e seus limites táticos

A distribuição por classe processual deixa clara a predominância do habeas corpus na rotina decisória do STJ:

– 67% em Habeas Corpus;
– 14% em agravo em recurso especial (AREsp);
– 12% em recurso especial (REsp);
– 7% em recurso em habeas corpus (RHC).

A dominação do habeas corpus é incontestável, mas a eficiência desse instrumento exige qualificação. A taxa de concessão nos HC distribuídos em 2025 é de 15,6%. Em RHC, a taxa é quase metade: 8,35%. A média combinada fica em 14,49%. Contudo, se considerados apenas os julgamentos terminativos, essa taxa recua para 13%.

Esses números indicam que, embora o HC mantenha protagonismo quantitativo, sua eficácia relativa vem sofrendo retração. Isso decorre, em parte, de um uso excessivamente abrangente da via mandamental, sem o devido rigor na delimitação da tese jurídica e da urgência da medida. O resultado é a formação de um padrão de decisões que, embora ainda favorável em termos absolutos, apresenta uma taxa de sucesso inferior ao que o volume de impetrações poderia sugerir.

O HC continua sendo o principal caminho para a defesa no STJ, mas não se trata de uma via mágica. A impetração exige estratégia refinada, delimitação precisa da ilegalidade e leitura realista do ambiente jurisprudencial. Impetrar sem esse preparo é desperdiçar energia e contribuir para a banalização de um instrumento constitucionalmente excepcional.

Recursos especiais: desempenho elevado, mas poucos sobem

Nos recursos, os dados revelam um paradoxo. Quando os recursos especiais são efetivamente conhecidos, apresentam taxa de provimento superior à dos habeas corpus. Entre decisões terminativas:

  • REsp + AREsp: provimento favorável à defesa em 10,7% dos casos;
  • REsp (isoladamente): taxa de provimento de 20,3%;

Quando se trata de REsp e AREsp distribuídos em 2025, a taxa despenca para 2,05%.

A interpretação desses dados exige atenção. O REsp, quando ultrapassa as barreiras da admissibilidade, mostra-se altamente eficaz, com desempenho superior ao habeas corpus em termos percentuais. No entanto, a maioria dos recursos especiais não chega a essa fase. O funil da admissibilidade, especialmente com a interposição massiva de AREsp, torna a taxa geral de sucesso ínfima.

Isso reforça a necessidade de selecionar com precisão os casos passíveis de recurso especial, com foco na demonstração clara dos requisitos e do desacerto decisório. A insistência recursal sem base técnica sólida apenas reforça os filtros existentes.

AREsp: filtro estatístico ou armadilha processual?

O AREsp, concebido para destravar o acesso ao STJ, opera na prática como um mecanismo que concentra volume e reduz impacto. Ao contrário do REsp admitido, que apresenta chance real de sucesso, o AREsp atua como verdadeiro funil estatístico: representa grande parte dos recursos interpostos, mas com baixíssimo índice de admissibilidade e provimento.

Essa distorção impacta diretamente a estratégia defensiva. Insistir no AREsp sem base sólida para admissibilidade e provimento pode significar apenas inflar a estatística, sem resultados concretos. O uso excessivo e mal calibrado desse instrumento compromete a eficiência do sistema recursal e desvaloriza os casos que realmente apresentam potencial de revisão.

Portanto, é preciso compreender o AREsp como uma via excepcional e de acesso restrito, não como expediente automático. O advogado criminalista que deseja utilizar esse instrumento com eficácia deve investir na qualificação do recurso, na seleção rigorosa dos fundamentos e na demonstração objetiva do desacerto decisório. Caso contrário, o AREsp deixa de ser ponte e passa a ser obstáculo.

Da jurimetria à tática processual

A leitura estratégica dos números é inescapável. O recurso especial é potente, mas seletivo. Quando admitido, seu desempenho supera o do habeas corpus. Já o agravo em recurso especial exige cautela: sua ampla utilização não corresponde a uma efetividade proporcional. A diferença entre os números de distribuição e os números de provimento revela uma dissonância estrutural que deve orientar as decisões da defesa.

O Habeas Corpus segue sendo o instrumento dominante, mas não pode ser utilizado com automatismo. A jurimetria penal exige repensar padrões de impetração e insistência recursal, oferecendo um mapa mais preciso para decisões táticas. Em lugar de repetir fórmulas, é preciso ler os dados e adaptar a estratégia à realidade de cada caso e ao perfil da jurisprudência.

Conhecer os números é mais que relevante: é vital. A estratégia começa nos dados, mas termina na técnica. O êxito da defesa, em 2025, depende menos da sorte e mais da capacidade de ler, interpretar e agir com base em evidências e dados.

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