Opinião

Impactos da deflação no reajuste anual dos benefícios de previdência privada

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2 de julho de 2025, 18h27

Os valores de aposentadoria recebidos pelo beneficiário de plano de previdência privada fechada são reajustados anualmente, com o objetivo de preservar o poder de compra dos beneficiários.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em um cenário de inflação, o reajuste garante que o valor do benefício acompanhe a alta dos preços, mantendo a estabilidade econômica do aposentado. Por outro lado, quando o índice anual registra deflação, o valor do benefício não é reajustado nem reduzido, assegurando que o aposentado mantenha o valor nominal já estabelecido, em respeito ao princípio constitucional de preservação do valor dos benefícios.

O debate sobre o tema se inicia quando, no decorrer de um mesmo período anual, alguns meses apresentam inflação enquanto outros registram deflação, levantando-se a dúvida se os meses deflacionários devem ser considerados no cálculo do reajuste anual.

Essa questão foi objeto de análise judicial, tendo o Poder Judiciário entendido que o reajuste deve considerar a variação acumulada do índice para correção do benefício, sem que isso implique ofensa à irredutibilidade do valor dos benefícios, conforme se infere do julgamento do Recurso de Apelação nº 1017872-57.2023.8.26.0114.

No referido processo, um sindicato ajuizou ação coletiva contra a entidade de previdência complementar e diversas patrocinadoras do plano, requerendo que o reajuste dos benefícios de seus substituídos considerasse apenas as variações positivas registradas no ano de referência, desconsiderando os meses em que houve deflação. Além de reconhecer a ilegitimidade passiva das patrocinadoras, o TJ-SP julgou improcedentes os pedidos iniciais.

Manter o poder de compra

Tal posicionamento decorre da compreensão de que a correção monetária tem por objetivo manter o poder de compra da moeda, sem aumentar nem reduzir o seu valor real. A ideia é ajustar o valor do benefício conforme a variação de preços na economia, de modo a preservar ao longo do tempo o poder aquisitivo original. Reajustar o benefício considerando apenas os índices positivos do ano contrariaria essa lógica.

Spacca

Além disso, é importante observar que tal pleito comprometeria o equilíbrio financeiro dos planos de previdência e resultaria em um cálculo distorcido da variação acumulada no período, uma vez que os investimentos realizados pela entidade previdenciária para arcar com o pagamento dos benefícios reajustados estão lastreados em títulos cujo retorno também é afetado por meses de deflação.

Caso sejam desconsiderados os meses com variação negativa, o reajuste seria maior do que o retorno dos investimentos. Como consequência, não haveria recursos suficientes para garantir o pagamento, o que geraria um déficit considerável e um desequilíbrio no plano, impactando significativamente todo o fundo.

Portanto, excluir as variações negativas do cálculo do reajuste anual é extremamente prejudicial ao equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência, comprometendo sua sustentabilidade.

Vale ressaltar que o reajuste tem caráter de recomposição do valor do benefício, não se confundindo com um aumento real.

Cálculo de reajuste

Desse modo, tanto as variações mensais positivas quanto as negativas apuradas ao longo do ano devem ser utilizadas no cálculo do reajuste anual dos benefícios, pois somente assim a correção monetária do período será efetivamente refletida e o poder de compra do aposentado será preservado, em conformidade com a variação inflacionária anual.

A única exceção ocorre quando a deflação acumulada no período supera a inflação, situação em que não se pode reduzir o valor nominal do benefício. Nessa hipótese, não é aplicado nenhum reajuste naquele ano.

A interpretação está em consonância com o disposto no artigo 202 da Constituição, que estabelece as diretrizes gerais para os regimes de previdência privada, bem como com a Lei Complementar nº 109/2001, que regulamenta o setor. Ambos os dispositivos destacam a necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de previdência, assegurando a sustentabilidade dos fundos e a proteção dos direitos dos participantes.

Nesse contexto, é essencial que os participantes, os administradores dos planos fechados de previdência privada e as patrocinadoras estejam atentos aos índices acumulados do período para garantir a sustentabilidade dos fundos e a proteção dos direitos dos beneficiários, em consonância com os princípios constitucionais e legais que regem a previdência privada.

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