Opinião

Autonomia dos honorários advocatícios em liquidação de sentença

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  • é mestranda em Direito Processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Mediadora extrajudicial certificada pelo Instituto de Ensino Centro de Mediadores. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Associada efetiva da Abep. Advogada.

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1 de julho de 2025, 19h40

É possível o arbitramento de honorários advocatícios em liquidação de sentença? E, em caso positivo, esses honorários possuem natureza autônoma ou seria apenas o caso de majoração da verba anteriormente arbitrada; isto é, na ação de conhecimento em que foi proferida sentença ilíquida? É o que se busca responder com o presente ensaio.

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Em nota, entidades repudiam possibilidade de mudança na regra de fixação de honorários

O artigo 85 do Código de Processo Civil estabelece que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Na sequência, o parágrafo 1º determina as hipóteses nas quais os honorários advocatícios serão devidos: “na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”. Nota-se, portanto, que o legislador deixou de incluir a liquidação de sentença em meio às possibilidades listadas no dispositivo.

Conforme consta nos artigos 322 e 324 do CPC/2015, a petição inicial deverá abranger o pedido, que deve ser certo e determinado — ou seja, deve conter com objetividade o que se pede, inclusive no que diz respeito aos valores. A lei permite que se formule pedido genérico somente quando houver indeterminação quanto ao valor ou quanto ao objeto devido. De toda forma, a decisão deve, sempre que possível, precisar o quantum (artigo 492, caput), somente sendo admissível a iliquidez no caso de impossibilidade de definir o montante ao final da ação de conhecimento ou se necessária produção probatória de difícil realização. Nessas hipóteses, haverá necessidade de liquidação da sentença [1].

A ação de liquidação de sentença — ou fase de liquidação, como se convencionou chamar — é aquela em que, após proferida sentença ilíquida (e antes de iniciado o cumprimento de sentença), haverá instrução probatória com objetivo de determinar o valor da obrigação genérica estabelecida no título executivo judicial [2].

É justamente em razão da posição intermediária da liquidação — situada entre a sentença e a execução —, que há controvérsias quanto à sua natureza jurídica. Parte da doutrina atribui à liquidação caráter integrativo, como etapa de complementação ao conteúdo da decisão anterior, funcionando, por assim dizer, como continuidade da ação de conhecimento [3].

Não concordamos com esse posicionamento. A liquidação de sentença tem caráter autônomo, que coexiste com a ação de conhecimento originária e com a ação de execução — cumprimento de sentença —, dentro do mesmo processo sincrético.

A noção de ação não consiste necessariamente na criação de um novo processo — a exemplo do que ocorre na reconvenção, que é proposta em processo já existente —, mas na busca pela tutela de determinado bem jurídico relevante. É por essa razão que a liquidação, que visa a definir o quantum debeatur, distingue-se da ação que deu origem ao processo, que serve para definir o an debeatur, e da execução, na qual a parte se vale de atos constritivos para satisfazer o seu direito, estabelecido no título executivo judicial. Apesar da decisão final da liquidação ser tratada como interlocutória, seu conteúdo é de sentença, já que resolve a lide de liquidação, o mérito da ação (de liquidação) [4].

Mero lapso

A partir desses esclarecimentos, podemos ingressar no tema central do presente artigo. Embora o legislador tenha silenciado especificamente quanto à ação de liquidação de sentença, a enumeração quase exaustiva das hipóteses de cabimento dos honorários advocatícios, no § 1º do artigo 85 do CPC, revela a clara intenção de que, em todas elas, haja condenação ao pagamento de verba honorária.

É possível concluir, portanto, que a omissão relativa à liquidação constitui mero lapso legislativo [5]. Mais do que suprir esse descuido, importa reconhecer a própria finalidade do § 1º do artigo 85 do CPC: assegurar a justa remuneração por todo o trabalho desenvolvido pelo advogado da parte vencedora [6], inclusive na ação de liquidação, subsequente à ação de conhecimento.

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A liquidação de sentença demanda tanto trabalho quanto a ação de conhecimento. Na liquidação por arbitramento, por exemplo, caberá às partes a apresentação de pareceres ou documentos elucidativos a pedido do juiz (artigo 510). Na liquidação pelo procedimento comum (antiga liquidação por artigos), especialmente, haverá necessidade de alegação e prova de fato novo. Isso significa uma “nova cognição, agora não mais destinada a formar a convicção judicial a respeito da existência da obrigação, mas voltada à necessidade de precisar-lhe o montante (ou a extensão)” [7] (artigo 509, II). A parte poderá, inclusive, apresentar contestação no prazo de 15 dias, mediante intimação judicial de seu procurador (artigo 511).

A ação de liquidação de sentença poderá ser até mesmo mais trabalhosa do que a ação de conhecimento. Pense-se na hipótese do réu revel que, ausente durante todo o processo de conhecimento, passa a oferecer resistência na liquidação – razão pela qual se entendia, ainda sob a égide do CPC/1973, pelo cabimento dos honorários na liquidação por artigos e por arbitramento [8].

Fixação das verbas

Na jurisprudência, tem prevalecido o entendimento de que é cabível o arbitramento de honorários advocatícios na fase de liquidação de sentença quando presente a litigiosidade [9]. A controvérsia recai sobre a forma de fixação desses honorários.

O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.602.674, entendeu pela “independência e autonomia” entre as verbas fixadas na fase cognitiva e de liquidação, mantendo “o dever de pagamento dos honorários arbitrados na sentença, reconhecendo-se o direito à fixação de honorários nesta segunda fase processual” [10], a liquidação de sentença.

Por outro lado, no AgInt no REsp 1.900.842, compreendeu-se a liquidação como etapa integrante da fase de cumprimento de sentença — expressamente prevista no §1º do artigo 85 do CPC —, admitindo-se a fixação excepcional dos honorários em casos em que há litigiosidade, mas apenas sob a forma de majoração da verba já arbitrada anteriormente [11]. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ainda não ter firmado entendimento pacífico sobre a autonomia dos honorários advocatícios fixados em sede de liquidação de sentença, tribunais estaduais vêm reconhecendo essa possibilidade [12].

Considerando-se a liquidação de sentença como sendo ação autônoma — com produção de provas, apresentação de defesa e decisão com caráter de sentença — a natureza dos honorários advocatícios deveria, da mesma forma, ser autônoma.

Além disso, é possível observar que o legislador prevê apenas uma hipótese em que as verbas honorárias são majoradas: nos recursos, regra prevista no § 11 do artigo 85 — e os recursos, diga-se de passagem, têm natureza diversa da liquidação de sentença, que é ação. Com isso, a fixação das verbas honorárias não se limitaria à majoração daquelas já existentes, mas constituiria em honorários autônomos e compatíveis com o trabalho despendido pelo advogado, naquela oportunidade.

 


[1] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 22. ed. Londrina: Thoth, 2025. v. III. p. 101-102.

[2] “A fase de liquidação é um conjunto de atividades a serem realizadas depois de proferida a sentença genérica e antes de ser instaurada a fase de cumprimento de sentença. Tanto quanto esta, tais atividades fazem parte do processo sincrético em que se houver produzido o título executivo, mas não estão incluídas na fase de cognição nem na de execução; elas dão corpo uma fase intermediária entre essas duas.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, v. IV, p. 694-695).

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, v. IV, p. 699.

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de Sentença. 6 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. E-book.

[5] DINAMARCO, Cândido Rangel.  Instituição de Direito Processual Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, v. IV, p. 699-721.

[6] ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 6 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. Livro eletrônico.

[7] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação de Sentença. 6 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. E-book.

[8] NETO, Olavo de Oliveira. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, v. 19, p. 230 – 246, Jan – jun. 2007.

[9] STJ, AgInt no REsp n. 2.016.278/SP, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 28/2/2023.

[10] STJ, REsp n. 1.602.674/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 13/9/2016, DJe de 21/9/2016.

[11] STJ, AgInt no REsp n. 1.900.842/RS, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 11/10/2021.

[12] Por exemplo: TJ-RJ, AI n. 0017482-19.2024.8.19.0000, relator des(a). Cristina Tereza Gaulia, Quarta Câmara de Direito Privado, julgado em 21/5/2024, data de publicação em 22/05/2024; TJ-SP, AI n. 2058334-27.2022.8.26.0000, relator des(a). José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, 37ª Câmara de Direito Privado, julgado em 28/4/2022, data de publicação em 3/5/2022.

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