A responsabilidade dos diretores e administradores em sociedades anônimas de acordo com a TRT6
25 de janeiro de 2025, 15h18
A responsabilidade civil dos diretores estatutários nas companhias é um tema de crescente discussão no Direito Empresarial brasileiro, especialmente diante da frequente utilização do instituto do redirecionamento de execuções contra os administradores. Tal prática levanta questões fundamentais acerca do limite entre a gestão empresarial de risco e a imputabilidade pessoal por atos da pessoa jurídica.
A tendência vem sendo aplicada não só pelo Judiciário, mas também por órgãos reguladores, como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que recentemente condenou um ex-executivo e absolveu o ex-presidente da Vale por tragédia de Brumadinho [1].
O ordenamento jurídico brasileiro, notadamente por meio da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.), estabelece que os diretores estatutários respondem pelos atos praticados no exercício de suas funções caso ajam com dolo, culpa ou em desconformidade com a lei ou o estatuto social.
Essa previsão legal, presente no artigo 158 [2] da referida lei visa a proteger os interesses da companhia e de seus acionistas, enquanto assegura um grau de liberdade para que os gestores possam tomar decisões alinhadas aos objetivos empresariais.
O entendimento jurisprudencial do TRT
No último dia 21 de janeiro de 2025, foi publicado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 0001046-94.2024.5.06.0000. Na publicação, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região o acórdão nos autos do processo de Incidente definiu as seguintes teses jurídicas, com efeito vinculante (artigos 985, do CPC, e 150, do Regimento Interno):
a) Nas execuções trabalhistas movidas em desfavor de sociedade anônima deve ser adotada a Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica;
b) É cabível o redirecionamento da execução contra os diretores e administradores estatutários de sociedade anônima quando o período de gestão for contemporâneo ao pacto laboral do credor;
(…).
A alínea ‘b’ é bastante preocupante e pouco conhecida pelos atuais administradores e/ou potenciais elegíveis a cargo dessa natureza. Tal entendimento consolida um novo risco aos administradores, devendo tal fator ser considerado no momento de aceitação ao cargo de gestão. Não é de hoje que se vê decisões judiciais que imputam aos sócios das sociedades empresárias a responsabilidade por dívidas de natureza trabalhista, aplicando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no intuito de atingir o patrimônio pessoal dos sócios, como forma de que os débitos sejam quitados.

Em alguns casos, há flagrante abuso da personalidade jurídica, utilizada pelos sócios como forma de benefício próprio, na medida em que utilizam da separação patrimonial, que é um princípio fundamental para o funcionamento do mercado, como forma de cometerem atos ilícitos.
O que dispõe a legislação brasileira?
Para situações como essa, o Código Civil brasileiro oferece solução clara: de acordo com o artigo 50 [3], o abuso da personalidade jurídica caracteriza-se pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. O desvio de finalidade estará presente quando a pessoa jurídica é utilizada pelo sócio com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. A confusão patrimonial, por sua vez, concretiza-se mediante a inexistência de distinção entre os bens da sociedade e aqueles pertencentes aos sócios.
As hipóteses previstas no artigo 50 do Código Civil são taxativas e, com exceção de uma ou outra previsão diversa, como aquela contida na legislação consumerista, elas servirão como orientação para que o julgador possa avaliar a conveniência e necessidade de ultrapassar a figura da pessoa jurídica, imputando aos seus sócios a responsabilidade originalmente da própria sociedade.
Os desafios conceituais do acórdão
Outra consideração importante está na distinção entre a figura do sócio ou acionista e do administrador. Enquanto o sócio ou acionistas são proprietários das participações societárias da sociedade, os administradores são aqueles que representam os interesses dos sócios e da sociedade, orientando as suas atividades e decisões diárias. Vale dizer, nem todo sócio é administrador, e nem todo administrador é sócio. São figuras diferentes, também em relação à direitos e obrigações.
Chama a atenção, no entanto, o recente posicionamento balizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, que no julgamento do IRDR nº 0001046-94.2024.5.06.0000, definiu que os administradores e diretores estatutários de sociedades anônimas serão responsáveis por débitos trabalhistas, quando o período de gestão for contemporâneo ao pacto laboral do credor.
Trata-se de uma completa inversão do sistema de limitação e separação patrimonial das sociedades e da própria sistemática de responsabilidade dos administradores.
Como já pontuado, os administradores, de acordo com a Lei de Sociedades Anônimas, serão responsáveis por prejuízos causados no exercício das suas funções quando agirem com dolo, culpa ou em desconformidade com a lei ou o estatuto social. Além da inexistência de fundamento legal que possa fundamentar o redirecionamento de execuções trabalhistas aos administradores, sem que preenchidos os critérios acima elencados, observa-se que a posição do tribunal orienta-se por um critério de adaptação.
Nesse sentido, diferentemente de uma sociedade limitada, na qual o quadro de sócios pode ser facilmente identificado através da análise do seu contrato social, nas sociedades anônimas, o estatuto social não indica de maneira expressa quem são os seus acionistas, informação constante no Livro de Ações, arquivado na sede da companhia. A escolha do tipo societário das companhias implica em estrutura diversa de governança, de modo que privilegia a circulação das participações sociais, fomentando investimentos, além de comportar um número muito maior de acionistas, podendo, em algumas sociedades, chegar aos milhares.
Observa-se que a solução do redirecionamento das execuções orienta-se pelo critério da facilidade. Mais fácil imputar uma responsabilidade ao administrador, do que identificar todos os acionistas e atribuir alguma responsabilidade àquele que verdadeiramente pode ter contribuído para o prejuízo.
Fato é que a atividade do administrador de sociedades requer cada vez mais cautela. No entanto, decisões que imputam responsabilidades sem que haja a efetiva contribuição do administrador para o prejuízo, apenas desincentivam que este cargo seja aceito por bons profissionais.
Por consequência, ou o administrador conta com uma apólice securitária que possa lhe “proteger” em situações em que a ele são imputadas responsabilidades da sociedade — por isso a crescente utilização do seguro D&O —, ou deve conviver com o receio de ser responsabilidade por uma dívida da sociedade que administra, vendo o seu patrimônio ser atingindo por conta de um passivo de terceiro.
Conforme atestou Bruno Salama há alguns anos, já é antiga a percepção entre nós que o regime da responsabilidade nas empresas esteja em crise [4]. Sem a completa compreensão da importância da separação patrimonial e da limitação da responsabilidade nas sociedades empresárias, não conseguiremos os avanços que tanto almejamos. A limitação de responsabilidade relaciona-se ao incentivo do empreendedorismo e da livre iniciativa. Como bem salienta Stephen Presser [5], “a intenção dos proponentes americanos originais da política legislativa de responsabilidade limitada era que a forma societária fosse usada no interesse tanto da expansão econômica quanto da democracia”.
[1] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/12/19/cvm-condena-ex-executivo-e-absolve-ex-presidente-da-vale-por-tragedia-de-brumadinho.ghtml Acesso em 23 de janeiro de 2024. Peter Poppinga, ex-diretor-executivo de ferrosos e carvão da Vale terá de pagar multa de R$ 27 milhões por falta do “dever de diligência” no rompimento da barragem B1, da Mina Córrego do Feijão. O então presidente da companhia, Fabio Schvartsman, foi absolvido por unanimidade da mesma acusação. O placar final foi de 3 a 1 pela condenação de Poppinga e 4 a 0 para absolver Schvartsman.
[2] Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto. § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral. § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.
[3] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
[4] SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade limitada no Brasil: história, direito e economia. Malheiros Editores, 2014, p. 29.
[5] PRESSER, Stephen B. Thwarting the Killing of the Corporation: Limited Liability, Democracy, and Economics. Nw. UL Rev., v. 87, 1992, p. 177.
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