Segunda Leitura

Os dez mandamentos do candidato à magistratura

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  • é juiz federal em Florianópolis mestre em Ciência Jurídica especialista em Direito Público possui 20 anos de experiência em concursos da magistratura. Foi aprovado em três concursos para a magistratura (TRF-4 TJ-RS T-JMS). É professor em Escolas da Magistratura e cursos preparatórios.

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12 de janeiro de 2025, 8h00

A coluna do último domingo foi dedicada ao Enam e teve ótima repercussão entre os leitores, que pediram mais. Pensando nisso, e considerando que o próximo domingo marca a aplicação das provas do XXI Concurso para Juiz Federal do TRF-3, a coluna de hoje também será dedicada ao tema do ingresso na magistratura.

O texto é fruto do aprendizado obtido em duas décadas de contato com os concursos da magistratura, como candidato e professor.

1 – Reafirme o seu propósito regularmente

A energia produtiva é facilmente dissipada quando não se tem clareza de objetivos. Dentro da sua mente, os espaços que não estiverem preenchidos pela determinação de propósito tendem a ser ocupados por outras forças, que vão enfatizar as dificuldades e oferecer prazeres imediatos, desviando você do caminho.

Para evitar essa armadilha, faça com que o seu objetivo esteja mais claro do que qualquer outro pensamento. Então, quando o fantasma da desistência bater à sua porta (e baterá, inúmeras vezes), ele encontrará uma pessoa segura de seu propósito, construindo o próprio destino.

2 – Livre-se das crenças limitantes

Frequentemente, candidatos relatam o “medo de ter mirado alto demais”, como se a magistratura fosse um objetivo muito distante, impossível de ser alcançado, porque reservado para pessoas especialmente iluminadas e bem relacionadas.

Aos olhos da população, o concurso e a carreira de juiz são cercados de certo mistério, isso é verdade. Mas esse fenômeno cultural não altera o fato de que quase todos os integrantes da magistratura já foram jovens estudantes cheios de incertezas.

Se você tem o sonho de ser juiz, defenda-o. Não faltará quem duvide da sua capacidade e persistência: ignore solenemente. Uma boa proteção contra os pessimistas é a discrição. Evolua silenciosamente. Cuide do seu projeto com zelo e deposite toda a confiança no resultado, sem jamais duvidar.

3 – Diminua a ansiedade enxergando o longo prazo

Veja o seu momento atual como parte de um processo. Visualize o futuro que você está construindo e a pessoa que você será daqui a dez anos. Imagine o que você estará fazendo e que tipo de experiências estará vivendo. Percorra em detalhes o filme mental que conduz você até lá. Imagine-se enfrentando as provas que ainda estão por vir, fazendo as viagens necessárias, checando os editais e os gabaritos, evoluindo para a segunda fase e para a prova oral. Permita-se antever o dia da sua posse e a imagem de orgulho e alegria no rosto dos seus familiares e amigos. Respire fundo e encontre nestas cenas a tranquilidade necessária para prosseguir com os estudos.

Vivencie cada etapa da trajetória sabendo que o decurso do tempo também faz parte da formação de um magistrado, pois traz maturidade. Lembre-se: assim como o remorso é o sofrimento por um evento passado, a ansiedade é o sofrimento por um evento futuro. Ela prejudica a qualidade dos estudos e deteriora a vida pessoal, levando o candidato à desistência pelo esgotamento mental.

4 – Construa um cronograma viável

Considerando a extensão do conteúdo, é necessário montar um plano de estudos, tarefa que pode se revelar complexa para alguém com pouca experiência. Na fase inicial, adote o seguinte lema: “é melhor o feito do que o perfeito”. Comece antes, aprimore depois.

A elaboração do cronograma é personalíssima, pois a rotina de cada um é singular. O número de horas não é um indicativo seguro da qualidade do projeto, mas é um dado que ajuda no planejamento. De um modo geral, os cronogramas começam a ganhar corpo quando descrevem rotinas superiores a 10h ou 12h semanais de estudos. Planejamentos superiores a 24h ou 30h sugerem que o candidato atravessa uma fase produtiva e equilibrada. Já os cronogramas com mais de 44h servem para os períodos que antecedem as provas e devem ser empregados com atenção para que a exigência extrema não comprometa aspectos da saúde física ou emocional, pondo tudo a perder.

Charles Giacomini, juiz federal

Dicas para a elaboração: primeiro bloqueie a agenda para todos os compromissos incontornáveis, como trabalho, repouso, alimentação, eventos, treinos etc. Não economize nesses bloqueios se a atividade for realmente prioritária. Quando você terminar essa parte, tudo o que sobrou é horário disponível. Distribua, então, a sua carga horária básica. Seja realista. Depois disso, aperte um pouco mais: identifique pequenos espaços que pareciam ocupados (trânsito, serviços domésticos, caminhadas) e procure inserir neles atividades complementares, como conteúdos em áudio, pequenas revisões ou resolução de questões. Por fim, quando se aproximar o edital, corte momentos de lazer e intensifique as revisões e os simulados.

5 – Esteja totalmente presente em cada sessão de estudos

Se você já tem clareza de objetivos e sente que nada poderá desvirtuar a sua determinação, só precisa ter um pouco de paciência. Concentre-se no momento presente e confie no resultado.

O agricultor, quando semeia, sabe que a planta só brotará depois de algum tempo, e sabe também que cada semente tem o seu próprio tempo para romper a terra. Ao eleger a carreira da magistratura como projeto de vida, você escolheu semear uma planta que exige muita dedicação e que se mantém oculta por vários anos antes de desabrochar.

Leituras aceleradas e videoaulas reproduzidas em velocidade 2x podem até ser úteis para candidatos mais avançados em épocas pré-prova, mas isso não costuma ser sustentável como rotina de estudo. Normalmente, os mergulhos mais calmos e consistentes favorecem a sistematização da matéria e permitem a produção de um material para a revisão, trazendo a sensação de segurança ao seu projeto.

6 – Salve a síntese do que estudou

O estudo para concurso pode ser definido como um estudo extensivo, porque é realizado com objetivos de médio e longo prazo. O candidato será cobrado sobre temas que estudou muito tempo antes. É um desafio imenso.

Imagine a cena clássica: lendo um livro, você se impressiona com a relevância da informação contida em um determinado parágrafo, tendo-a como transformadora daquele tema. Em seguida, ao virar a página, você encontra antigas anotações suas, denunciando que o trecho fora estudado muitos anos antes. Para um candidato de concurso, isso é desastroso.

A sessão de estudos deve ser planejada com o tempo necessário para a elaboração das respectivas sínteses, que podem ser no formato de cadernos, apresentações, fichas, flashcards, como preferir. O importante é cultivar com muito zelo esse material, que, se bem organizado, será a sua mais valiosa fonte de revisões na véspera das provas.

7 – Respeite as revisões

A importância da revisão é subestimada pela maioria dos candidatos. Mas a verdade é uma só: não há aprovação sem revisão. Você deveria ficar feliz ao ler isso, pois está diante de uma informação que proporciona uma rara oportunidade de se destacar na competição.

Quase todos os estudantes acreditam que revisar é uma tarefa chata. Alguns até reconhecem a sua importância, mas negligenciam; outros pensam que é perda de tempo. Mas a revisão gera um duplo impulso: além de aumentar concretamente a fixação da matéria, evita a apavorante sensação de estar enchendo uma piscina furada, assim trazendo autoconfiança.

As revisões devem ocorrer, preferencialmente, todos os dias, ainda que por cinco ou dez minutos. Uma matéria deve passar pela primeira revisão poucas horas depois de ter sido estudada, pois isso evita os estragos da curva do esquecimento. São atributos favoráveis ao material de revisão: letras grandes, abreviações, esquemas, cores e ilustrações.

8 – Não reclame

Ao longo da caminhada, todo candidato se depara com situações que podem ser descritas como injustas. Isso pode decorrer de várias razões: uma regra do edital, o gabarito da questão, o julgamento do recurso ou mesmo o critério utilizado pelo fiscal de sala durante a prova.

Pense duas vezes antes de desperdiçar energia brigando com os obstáculos da vida. Desvie-se deles. Na grande maioria das vezes, você estará diante de situações que fogem ao seu controle. Adapte-se. Excepcionalmente, se você encontrar alguma situação mais grave, poderá adotar providências formais, naturalmente. Mas, como regra, não haverá nada a ser feito. Habitue-se ao fato de que, eventualmente, você vai ser colocado à prova e terá que conviver com situações que considera injustas.

9 – Apenas persevere

O estudo contínuo dos temas do edital, acompanhado das técnicas de revisão, conduz ao inevitável: a aprovação. O domínio do conteúdo técnico é fundamental, mas ele tende a ocorrer naturalmente com o tempo. A verdadeira prova é de resistência e o maior desafio é emocional: não passa quem desiste.

A imensa maioria das aprovações decorre essencialmente da ação contínua rumo a um objetivo estabelecido muitos anos antes. Lembre-se: você é o resultado de todas as escolhas que praticou ao longo da vida até o dia de hoje; daqui a dez anos, você será exatamente o resultado das escolhas e atitudes que praticar agora.

10 – Utilidade pública: vacine-se desde logo contra a “juizite”

A juizite é uma patologia (fictícia, é claro) que atinge pequena parte dos integrantes da magistratura. A doença se manifesta especialmente nos primeiros anos de carreira, mas pode atingir indivíduos de todas as idades ou instâncias. Uma vez instalada no organismo, ela desencadeia surtos de arrogância e prepotência, espalhando-se rapidamente por todo o tecido relacional do magistrado.

O diagnóstico surge a partir do apego exagerado à identidade funcional, que é portada ostensivamente. No estágio secundário, o doente confere importância extraordinária aos pronomes de tratamento. Na fase terminal, demonstra incapacidade de reconhecer a si próprio e começa a perguntar às pessoas: “você sabe com quem está falando?”

A vacina contra a juizite é obtida em bibliotecas ou livrarias especializadas. É reutilizável, o que permite que seja encontrada também em sebos variados.

Um elixir preventivo muito eficiente pode ser elaborado com cem páginas mensais de literatura clássica ou formação humanística, sob uso contínuo. Na fase pré-concurso, recomenda-se uma maior concentração de ensaios de Filosofia, Sociologia e Psicologia. Depois da posse, o juiz deve manter o consumo diário de algumas folhas de ética orgânica, sugerindo-se que cultive pessoalmente seus recursos humanos [1].

 


[1] Em tempos de IA, humano mesmo é ter humor.

Autores

  • é juiz federal em Florianópolis, mestre em Ciência Jurídica, especialista em Direito Público e professor em Escolas da Magistratura e cursos preparatórios. Foi aprovado em três concursos para a magistratura (TRF-4, TJ-RS, TJ-MS).

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