O Grinch mora em casa: quando a guerra judicial dos pais rouba o Natal dos filhos
12 de janeiro de 2025, 6h03
O Grinch, uma criatura verde e rabugenta que vive isolada no alto de uma montanha, acredita que pode roubar o Natal dos habitantes de Quemlândia ao eliminar presentes e enfeites, convencido de que, assim, apagará sua alegria. Contudo, ao final, ele descobre que o verdadeiro espírito natalino está na união e no amor compartilhado, e não nos símbolos materiais. Essa estória, além de lúdica, funciona como uma metáfora para os impactos do egoísmo e dos conflitos nas relações humanas.
Sobre o termo em si — Grinch — significa a pessoa má ou antipática que se alimenta, por assim dizer, do desgosto e tristeza dos outros.
Infelizmente, muitos pais e mães acabam assumindo o papel de Grinch na vida de seus filhos, transformando o período natalino em um cenário de disputas. Em vez de celebrarem a união e a felicidade, envolvem-se em conflitos sobre a divisão do tempo de convivência nas férias escolares, autorizações para viagens ou com quem os pequenos passarão o Natal e o Ano Novo. A ausência de diálogo e maturidade obscurece o verdadeiro propósito dessas festividades, que deveriam proporcionar bem-estar e momentos de alegria às novas gerações. As disputas judiciais, por vezes, insanas, revelam a incompetência e inabilidade para o trato das questões privadas de forma autônoma.
Infelizmente, isso ainda decorre de um modelo ultrapassado de divisões de papéis, que sempre enalteceu a ideia de posse e coisificação das crianças, até então invisíveis para a lei. Os interesses a serem atendidos eram os dos pais, e não os dos filhos, que estariam sujeitos à vontade e determinação daqueles, não importando o seu bem-estar e saúde mental.
A mudança de perspectiva para a criança, que passa a ser reconhecida como sujeito de direito prioritário no seio da família, requer esforço dos pais e proteção integral.
Batalhas judiciais por interesses próprios
Embora o artigo 227 da Constituição e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garantam às crianças o direito à convivência familiar e atuem com correta finalidade pedagógica, as pessoas ainda se mantêm longe desse propósito. A realidade, muitas vezes, desvia-se desse ideal. Conflitos entre genitores, marcados por egoísmo, revanchismo e interesses próprios, acabam transformando esse direito em um campo de batalhas judiciais.
Esse comportamento manifesta-se de diversas formas, como a negação de autorizações, tentativas de alienação parental e o uso do Judiciário como ferramenta de controle. Nessas situações, os filhos tornam-se vítimas de uma disputa que não escolheram e perdem a oportunidade de vivenciar a magia do Natal ou outras celebrações significativas, eclipsadas pelos conflitos familiares.

A aplicação da lei, por mais clara que seja, tem suas limitações ao cumprimento do seu propósito. Quando os adultos estão alinhados quanto ao cuidado dos filhos, as decisões são objetivas. Contudo, em contextos de disputa, as escolhas judiciais tornam-se complexas, exigindo análises criteriosas sobre quem melhor pode atender às necessidades psicológicas dos envolvidos, frequentemente com critérios subjetivos e difíceis de mensurar (Goldstein, Freud e Solnit, 1987).
Assim, embora a judicialização seja necessária em algumas situações, está longe de ser uma solução completa. Decisões judiciais podem organizar horários, locais e condições de convivência e até mesmo manter afastamentos, mas não têm o poder de sanar os traumas causados pela falta de diálogo e pela hostilidade entre os pais. A solução real passa por atitudes maduras e empáticas, que priorizem o bem-estar dos filhos acima das disputas pessoais.
Atenção a crianças e adolescentes
Nesse contexto, é crucial tratar as crianças e adolescentes com clareza e respeito, pois eles compreendem mais do que os adultos imaginam. Ignorar suas percepções ou excluí-los de conversas que os afetam pode gerar sentimentos de insegurança e abandono (Dolto, 2011). Garantir que sejam ouvidos é mais do que uma exigência legal, como estabelece o artigo 18-B do ECA, introduzido pela Lei 13.431/2017. É um dever ético fundamental para promover sua autonomia e bem-estar emocional.
Essa mudança exige mais do que intervenções judiciais. Programas de mediação familiar, oficinas de parentalidade e suporte psicológico são ferramentas essenciais para capacitar os pais a lidarem com conflitos de maneira responsável. Como aponta Sheehan (2018), resolver essas questões requer um esforço além do jurídico, combinando suporte emocional e práticas educativas para minimizar os danos causados aos filhos e romper ciclos de instabilidade.
Essa escuta pelo judiciário exige uma percepção aguçada sobre o significado quanto ao “melhor interesse da criança”, e há aqui também as falhas na operacionalidade e percepção, que muitas vezes desprezam as histórias de vida dos envolvidos. Portanto, nem sempre se trata de atender a “vontade” da criança, considerando a sua incapacidade presumida de plena cognição. Mas por outro lado, não se trata também de atender as vontades distintas dos pais.
Vera Iaconelli (2022, p. 120) ressalta que “[…] é importante que o amor não se restrinja aos momentos de orgulho e possa ser sustentado para além de nosso narcisismo”. O desejo de “estar com meu filho” deve ceder lugar à reflexão sobre “o que é melhor para nosso filho”. Esse equilíbrio é indispensável para garantir que as decisões familiares se concentrem no bem-estar das crianças e adolescentes, e não nos interesses dos adultos.
Fortalecimento de vínculos
Concluímos com um apelo: o período natalino propõe, dado o seu significado místico, uma oportunidade para criar memórias felizes e fortalecer vínculos. Mas quando as diferenças entre os pais se sobrepõem ao bem-estar dos filhos, o que se perde não é apenas o Natal, mas parte da infância. Que os pais em disputa aprendam a tempo a lição do Grinch e reconheçam o valor da coletividade e do amor antes que o Natal — ou a própria infância de seus filhos — seja perdido.
É bem verdade que a proposta do Natal também vem sendo desvirtuada, sobretudo em uma sociedade de consumo onde os presentes materiais passaram a reger o seu ritual. E talvez também precisemos, enquanto juristas, assumir um papel mediador mais eficaz na promoção do consenso, não apenas no período natalino, mas sempre que se fizer possível fazer com que os pais, que deveriam ser os maiores interessados no bem-estar dos filhos, enxerguem que respeitar a criança é também poder abrir mão de sua companhia física, sem que isso represente qualquer renúncia ao seu amor e cuidado. Esse é o melhor presente a ser considerado para um ambiente seguro, amado e feliz.
Referências
DOLTO, Françoise. Quando os Pais se Separam. Tradução de Vera Ribeiro. 2. ed. São Paulo: Zahar, 2011.
GOLDSTEIN, Joseph; FREUD, Anna; SOLNIT, Albert J. No Interesse da Criança?. Tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
SHEEHAN, Jim. Family Conflict after Separation and Divorce. London: Palgrave, 2018.
IACONELLI, Vera. Criar filhos no século XXI. São Paulo: Contexto, 2022.
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