Opinião

Contratações temporárias na administração pública e direito ao FGTS: repercussões após os Temas 551 e 916 do STF

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  • é sócio do Tizei Mendonça Advogados cursando MBA em Planejamento e Processo Previdenciário pelo Instituto Connect de Direito Social (ICDS) pós-graduando em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (FDR-UFPE) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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11 de janeiro de 2025, 11h17

Os entendimentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal nos Temas 551 e 916 elucidam questões essenciais sobre as contratações temporárias, representando um divisor de águas ao consolidar precedentes que enfatizam a distinção entre contratações administrativas válidas e aquelas que se desvirtuam. Tais entendimentos reafirmaram a necessidade de excepcionalidade e transitoriedade, corrigindo interpretações anteriores que muitas vezes flexibilizavam os princípios constitucionais para justificar práticas irregulares.

Além disso, influenciaram diretamente decisões em tribunais inferiores, padronizando julgamentos e oferecendo maior segurança jurídica aos trabalhadores e à administração pública. No Tema 551, definiu-se que servidores temporários não possuem direito automático a benefícios trabalhistas como décimo terceiro salário e férias remuneradas, salvo se houver previsão legal ou contratual ou se for comprovado o desvirtuamento da relação contratual. Por sua vez, o Tema 916 estabelece que contratações temporárias realizadas em desconformidade com o artigo 37, IX, da Constituição não geram vínculos jurídicos válidos, exceto pelo direito ao salário e aos depósitos de FGTS.

Essas teses são cruciais para diferenciar relações administrativas válidas daquelas nulas, oferecendo um balizamento às decisões judiciais e à prática administrativa. Como destacado no voto do ministro Teori Zavascki no Tema 916, tais diretrizes reforçam a aplicação de princípios constitucionais e limitam desvirtuamentos contratuais. As decisões também colocam em perspectiva o papel da administração pública em garantir contratações pautadas pela excepcionalidade e transitoriedade.

Reflexo do desvirtuamento das contratações

Um exemplo emblemático é o caso do município de Camaragibe (PE), em que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), no processo nº 0003346-92.2012.8.17.0420, reconheceu o direito de uma servidora ao FGTS após a constatação de sucessivas prorrogações indevidas de um contrato temporário. A decisão, amparada nos Temas 551 e 916, destacou a ausência dos requisitos de excepcionalidade e transitoriedade que justificariam a contratação temporária.

Conforme apontado pelo Supremo Tribunal Federal nos casos RE 1.066.677/MG (relator ministro Marco Aurélio, julgado em 04/09/2014) e RE 765.320/MG (relator ministro Teori Zavascki, julgado em 23/09/2016), a jurisprudência consolidou a necessidade de que tais contratos sejam efetivamente temporários e em conformidade com o artigo 37, IX, da Constituição. Casos semelhantes foram decididos em tribunais superiores, reforçando a aplicação dos precedentes vinculantes.

Esses exemplos evidenciam o impacto das teses em proteger os direitos fundamentais do trabalhador, especialmente em cenários de contratações não regulamentadas. Também revelam como a administração pública frequentemente utiliza contratações temporárias como alternativa à realização de concursos públicos, contrariando a previsão constitucional de provimento por concurso.

Impactos financeiros e administrativos

As decisões judiciais que aplicam os Temas 551 e 916 impõem ônus significativos às finanças públicas. O reconhecimento do direito ao FGTS e a obrigação de reparar danos causados por contratações irregulares podem comprometer os orçamentos municipais e estaduais, resultando, em alguns casos, em despesas que chegam a centenas de milhares de reais por contrato, como apontado em levantamentos recentes de tribunais de contas estaduais. Por exemplo, em 2022, uma decisão envolvendo um município do Nordeste resultou na necessidade de desembolso de R$ 1,2 milhão apenas para regularizar depósitos de FGTS e indenizações trabalhistas. Além disso, a insegurança jurídica gerada por contratações não conformes prejudica a eficácia administrativa e expõe os gestores públicos a penalizações.

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Por outro lado, as decisões também fortalecem a accountability na gestão pública, incentivando o cumprimento dos princípios da legalidade e da eficiência. Para os trabalhadores, representam uma garantia mínima de direitos, mesmo em situações de nulidade contratual.

Repercussões na seguridade social

Os reflexos das decisões não se restringem à esfera trabalhista, mas também afetam a segurança jurídica ao estabelecer precedentes claros e uniformes, reduzindo a incerteza sobre as responsabilidades da administração pública em contratações temporárias. Essas decisões incentivam uma postura mais cautelosa e alinhada aos princípios constitucionais por parte dos gestores públicos, promovendo maior eficiência administrativa e evitando práticas que desvirtuem o objetivo de excepcionalidade dessas contratações.

Ao garantir o FGTS mesmo em contratações consideradas nulas, os Temas 551 e 916 reforçam princípios de justiça social e dignidade no trabalho, ao assegurar proteção básica aos servidores temporários. O fundamento legal para essa proteção encontra-se no artigo 19-A da Lei 8.036/1990, cuja constitucionalidade foi ratificada em decisão de repercussão geral pelo STF no RE 596.478/RR (relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 13/11/2014). Ademais, a arrecadação de FGTS contribui para a sustentabilidade financeira do sistema de seguridade social, beneficiando não apenas os trabalhadores diretamente envolvidos, mas a sociedade como um todo.

Desafios e perspectivas

A aplicação dos Temas 551 e 916 traz desafios tanto para a administração pública quanto para os tribunais. Por um lado, é imprescindível que gestores públicos ajustem suas práticas de contratação para evitar irregularidades e consequentes ônus financeiros. Por outro, o Judiciário deve assegurar a uniformidade das decisões, evitando interpretações divergentes que possam comprometer a segurança jurídica.

A implantação de medidas preventivas, como auditorias periódicas e maior rigor nos processos de seleção de servidores temporários, pode reduzir significativamente a ocorrência de contratações desvirtuadas. Exemplos bem-sucedidos incluem a criação de comissões específicas para fiscalizar contratos temporários, como implementado em estados do Sudeste, e o uso de sistemas eletrônicos para acompanhar o cumprimento de prazos e requisitos contratuais, adotado em grandes municípios do Sul do país. Além disso, programas de capacitação para gestores públicos, voltados à conformidade legal em contratações, têm demonstrado impacto positivo na prevenção de irregularidades. Além disso, iniciativas legislativas que reforcem os critérios para contratações temporárias podem contribuir para a transparência e eficiência administrativa.

Os Temas 551 e 916 do STF representam um avanço significativo no tratamento jurídico das contratações temporárias pela administração pública. Ao garantir direitos mínimos aos trabalhadores temporários e impor limites às práticas irregulares, essas teses promovem um equilíbrio entre a necessidade de flexibilidade administrativa e o respeito aos princípios constitucionais de legalidade, eficiência e dignidade do trabalho. Contudo, é fundamental que os gestores públicos e o Judiciário mantenham-se atentos aos desdobramentos dessas decisões, assegurando uma administração pública mais justa, eficiente e responsável.

 


Referências bibliográficas

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 765.320/MG. Relator Ministro Teori Zavascki. Julgado em 23/09/2016. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4445850&numeroProcesso=765320&classeProcesso=RE&numeroTema=916. Acesso em: 3 jan. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1.066.677/MG. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgado em 04/09/2014. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5240485&numeroProcesso=1066677&classeProcesso=RE&numeroTema=551. Acesso em: 3 jan. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 596.478/RR. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 13/11/2014. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=9701506. Acesso em: 3 jan. 2025.

TJPE. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Processo nº 0003346-92.2012.8.17.0420. Disponível em: https://buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/185c29dc24325934ee377cfda20e414c. Acesso em: 3 jan. 2025.

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  • é sócio do Tizei, Mendonça Advogados, cursando MBA em Planejamento e Processo Previdenciário pelo Instituto Connect de Direito Social (ICDS), pós-graduando em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (FDR-UFPE) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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