Opinião

Novos decretos federais e futuro da governança nas empresas estatais

Autor

  • é advogada chefe da assessoria jurídica da Codevasf mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA) especialista em políticas públicas gestão e controle da administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) professora de cursos de pós-graduação na temática da Lei das Estatais e palestrante na área de contratações públicas.

    Ver todos os posts

6 de janeiro de 2025, 6h09

A Lei n.º 13.303/2016, Lei das Estatais, ao regulamentar o §1º do artigo 173 da Constituição da República [1], dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, trouxe inovações em dois pilares: governança e licitações e contratos, de modo que, por um lado, fortaleceram as ideias de ética e integridade na gestão administrativa. Por outro, definiram diretrizes a serem observadas, como forma de renovação e aprimoramento no modelo de contratação pública das empresas estatais, nos interessando, para este artigo, os aspectos atinentes à governança enquanto modelo de gestão e de entrega de valor público à sociedade.

Cássio Moreira/Codevasf

Há que ser frisado, como bem destacou Octaviani e Nohara (2019, p. 170), que ainda na década de 1990 “houve, no Brasil, a intensificação do debate sobre a necessidade de delimitação de parâmetros mais rigorosos de governança corporativa para as empresas estatais” e, nesse sentido, o TCU (Tribunal de Contas da União) edita seu Referencial Básico de Governança Organizacional [2], definindo governança pública organizacional a partir de “mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade”.

A governança corporativa, para o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), é:

Um sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual as organizações são dirigidas e monitoradas, com vistas à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral. Esse sistema baliza a atuação dos agentes de governança e demais indivíduos de uma organização na busca pelo equilíbrio entre os interesses de todas as partes, contribuindo positivamente para a sociedade e para o meio ambiente.
(Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, 2023)

Na Lei das Estatais há uma simbiose harmônica entre a governança pública e corporativa, sendo matéria viva e em constante evolução, especialmente num contexto híbrido como o das empresas estatais e, nessa toada de atualização permanente, em dezembro de 2024, foram publicados três importantes Decretos voltados para aprimorar a governança, a supervisão e a modernização das empresas estatais federais.

As novas normas estabelecem marcos regulatórios significativos para reforçar a eficiência, a transparência e a aderência às melhores práticas, impactando diretamente as atividades das empresas públicas e sociedades de economia mista federais.

A governança pública e corporativa nas empresas estatais federais entrou em uma nova era com a publicação desses cecretos, que trouxeram diretrizes, sistemas e programas que prometem revolucionar as estatais brasileiras.

Vamos entender as principais regras trazidas pelos decretos nº 12.301/2024, nº 12.302/2024 e nº 12.303/2024 e como essas normas impactarão na gestão das empresas públicas e sociedades de economia mista.

Decreto nº 12.301/2024: criação de novas competências para a CGPAR

O Decreto nº 12.301/2024 visa fortalecer a governança, com foco na organização, de maneira que deu competências para a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR) para:

Aprovar diretrizes sobre a participação acionária da União;
Manifestar-se nos processos de aquisição, venda de participações da União, criação de empresas estatais ou assunção de controle acionário, incluindo subscrição, aportes de capital e direitos previstos em acordos de acionistas, conforme a Lei nº 9.491/1997;
Definir políticas para acordos coletivos, remuneração de administradores e distribuição de dividendos;
Coordenar a atuação dos representantes da União nos conselhos de administração e fiscal.

Ainda sobre a CGPAR, figura central do Decreto nº 12.301/2024, o órgão será composto pelos ministros de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que a coordenará, da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República, que mediante ato conjunto, ainda definirá as competências e o funcionamento da Comissão.

A CGPAR ainda poderá prever que, em suas reuniões, haja a participação, sem direito a voto, de ministros de Estado responsáveis pela supervisão de empresas estatais relacionadas aos temas em deliberação, dirigentes e conselheiros de administração e fiscais das empresas estatais federais, bem como representantes de outros órgãos ou entidades da administração pública federal envolvidos nas matérias a serem apreciadas.

As deliberações da CGPAR serão tomadas por consenso e formalizadas mediante resolução. As empresas estatais federais e os órgãos da administração pública federal deverão fornecer informações ou estudos à CGPAR sempre que solicitados, a fim de subsidiar suas atividades e deliberações, visando o cumprimento do Decreto 12.301/2024.

Decreto nº 12.302/2024: criação do Sisest

O Decreto nº 12.302/2024 criou o Sistema de Coordenação da Governança e da Supervisão Ministerial das Empresas Estatais Federais (Sisest), composto por um órgão central, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), órgãos setoriais e as empresas estatais, além de  instituir o Siestgov.br, plataforma tecnológica integrada e centralizada com sistema de processamento de dados, com a finalidade de promover a eficiência e a transparência no funcionamento do Sisest, sendo a plataforma oficial para o envio de dados e informações ao órgão central e aos órgãos setoriais integrantes do Sisest.

Nos termos do decreto, o Sisest tem como competências:

Aperfeiçoar a supervisão ministerial e a coordenação da governança das empresas estatais federais;
Criar uma rede colaborativa para desenvolver padrões de qualidade e eficiência na supervisão ministerial;
Promover ações e políticas para fortalecer a governança e a estrutura institucional das empresas estatais federais;
Agilizar trâmites documentais e a disponibilização de informações sobre as empresas estatais federais e,
Monitorar os objetivos das empresas estatais federais, alinhando suas atividades às políticas públicas para gerar valor à sociedade.

Além das competências do Sisest, os órgãos que o compõem também têm competências próprias, cabe à Sest, estabelecer normas gerais sobre o funcionamento do Sisest, inclusive a definição de procedimentos e a padronização de fluxos para o envio de informações relativas às competências de supervisão ministerial; coordenar as atividades que demandem ações conjuntas dos órgãos setoriais; realizar ações de comunicação e de capacitação relacionadas às competências do Sisest e, gerir o Sistema Eletrônico de Informações das Estatais (Siestgov.br).

Os órgãos setoriais têm competência para assessorar o ministro de Estado na supervisão ministerial das empresas estatais vinculadas à Pasta; manter registros atualizados de acordo com a regulamentação do órgão central; promover a harmonização do planejamento estratégico da empresa estatal vinculada com as políticas públicas, as estratégias e as prioridades estabelecidas para o setor de atuação; acompanhar e avaliar o desempenho da empresa estatal relacionado à qualidade da governança corporativa, à eficiência operacional e à eficácia na promoção das finalidades para as quais foi criada; e prestar informações e enviar documentação pertinente ao órgão central do Sisest.

Por fim, no âmbito do Sisest, compete às estatais federais cumprir as orientações procedimentais expedidas pelo órgão central do Sisest e fornecer ao órgão central e aos órgãos setoriais as informações necessárias ao acompanhamento e à avaliação de sua atuação.

Deve ser destacado, ainda, que as atividades do Sisest ocorrerão sem prejuízo das competências dos Ministérios setoriais responsáveis pela supervisão ministerial em relação às empresas estatais a eles vinculadas e não implicará redução ou supressão da autonomia conferida pela lei específica que autorizou a criação da empresa estatal ou da autonomia inerente a sua natureza, nem ingerência em sua administração e funcionamento.

Decreto nº 12.303/2024: criação do Programa Inova

O Decreto nº 12.303/2024 instituiu o Programa de Governança e Modernização das Empresas Estatais (Inova), com vistas aprimorar o desenho institucional e a governança, formar capacidades em gestão, coordenação e supervisão de empresas estatais federais e produzir conhecimento sobre o tema, que será coordenado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que observará as diretrizes estabelecidas pela Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR).

O Inova será regido pelos princípios da autonomia das empresas estatais, da integridade, da eficiência, da transparência e do impacto social e compreenderá medidas destinadas a fortalecer estruturas e capacidades do Poder Executivo federal e das empresas estatais federais necessárias ao cumprimento dos objetivos para os quais essas empresas foram criadas. Essas medidas deverão contribuir para o desenvolvimento nacional sustentável e a redução das desigualdades sociais e regionais; a eficiência econômica e a competitividade; o aumento da produtividade; a soberania nacional; o fortalecimento das atividades de pesquisa e inovação; e a prestação de serviços públicos com qualidade e amplo acesso, quando for o caso.

Além dessas medidas, o Inova ainda deve planejar e executar, sob coordenação da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos as seguintes ações:

Realização de estudos sobre governança, modelagem de negócios e modernização da gestão das empresas estatais federais.
Produção e disseminação de conhecimento sobre a atuação das empresas estatais federais.
Aperfeiçoamento técnico-administrativo e incentivo à inovação para administradores, conselheiros fiscais, empregados e servidores públicos vinculados às empresas estatais federais.
Formulação de políticas para promover diversidade, inclusão e equidade, com foco em grupos vulnerabilizados, especialmente em posições de liderança.
Promoção da integridade, transparência e cultura organizacional voltada para o interesse público e a entrega de valor à sociedade.
Compartilhamento de boas práticas de governança corporativa e criação de indicadores para avaliar resultados econômicos e sociais das empresas estatais federais.

Por fim, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos editará normas complementares a este Decreto, para dispor sobre, entre outros temas, a tipologia do ato formal que identifica a inserção de uma ação ou a adesão de uma empresa estatal federal no âmbito do Inova.

Impactos práticos dos decretos para empresas estatais

Os decretos nº 12.301/2024, nº 12.302/2024 e nº 12.303/2024 demonstram o compromisso do governo federal com a governança e a eficiência na gestão das estatais e as iniciativas têm o condão de trazer impactos relevantes para as empresas públicas e sociedades de economia mista.

Nessa toada, os normativos trazem a centralização estratégica como um aspecto essencial que envolve a definição de diretrizes claras e coordenadas entre a CPGAR e os respectivos ministérios, visando maior alinhamento institucional.

Paralelamente, a melhoria da supervisão demanda integração e padronização de processos, com o apoio de plataformas eletrônicas promovendo a eficiência e a transparência.

Por fim, destaca-se entre os decretos a importância do fortalecimento de práticas ESG, especialmente no que tange à diversidade, inclusão e impacto social como pilares para uma gestão mais sustentável e responsável, além da promoção de uma cultura de inovação, destacando-se o incentivo à modernização e ao desenvolvimento de lideranças qualificadas para abordar temas contemporâneos como integridade, transparência e cultura organizacional voltada para o interesse público e a entrega de valor à sociedade.

Para as empresas estatais, o momento é de adaptação e implementação das novas diretrizes, alinhando processos internos de governança ao princípio da boa administração pública.

____________________________

Referências

BRASIL. Decreto nº 12.301, de 11 de dezembro de 2024. Dispõe sobre a governança e a gestão das empresas estatais federais e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 dez. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12301.htm.

BRASIL. Decreto nº 12.302, de 11 de dezembro de 2024. Estabelece diretrizes para a modernização e aprimoramento da gestão das empresas estatais federais. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 dez. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12302.htm

BRASIL. Decreto nº 12.303, de 11 de dezembro de 2024. Institui diretrizes e normas para a governança e a gestão das empresas estatais federais e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 12 dez. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12303.htm

Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Disponível em: https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=24640&assessment=1.

OCTAVIANI, Alessandro; NOHARA, Irene Patrícia. Estatais. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

UNIÃO, Tribunal de Contas da. Referencial Básico de Governança Organizacional. 3ª edição. 2020. Disponível e https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/

 

[1] Art. 173. […] § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: […].

[2] Disponível em https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/

Autores

  • é advogada e chefe da assessoria jurídica da presidência da Codevasp (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba). Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Especialista em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF). Foi assessora na subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República (2021) e gerente da Procuradoria Jurídica da Empresa de Planejamento e Logística – EPL (2021-2022). Coautora das obras "Compras públicas centralizadas no Brasil" (Ed. Fórum, 2021) e “Terceirização na Administração Pública: boas práticas e atualização à luz da Nova Lei de Licitações” (Ed. Fórum, 2022). Professora de cursos de Pós-Graduação na temática Lei das Estatais e palestrante na área de contratações públicas.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!