Contribuição Especial de Grão maranhense: razões de inconstitucionalidade
28 de fevereiro de 2025, 11h28
A nova Contribuição Especial de Grãos do estado do Maranhão
Em 25 de novembro de 2024, o estado do Maranhão instituiu, com fundamento no artigo 136, da ADCT, a Contribuição Especial de Grãos (CEG), nos termos da Lei nº 12.428.
Trata-se esta contribuição especial de exação fiscal em face exclusiva de grãos (soja, milho, milheto e sorgo), pela produção, transporte ou armazenagem, em operações voltadas ao exterior — exportação —, por meio de uma pauta de valor, a ser fixada pelo Poder Executivo, conforme a tonelada constante da nota fiscal da operação de saída de tais mercadorias, aplicando-se alíquota de 1,8%.
Segundo disposto no artigo 1º, da Lei nº 14.428/24, esta contribuição, estabelecida conforme previsão no artigo 136 do ADCT, incide “sobre a produção, armazenamento ou transporte de soja, milho, milheto e sorgo em grãos no território maranhense”.
Terá como fato gerador o momento da saída com “destino à zona primária aduaneira” ou “interestadual” para fins de exportação, como também “entrada em território maranhense para formação de lote ou remessa com fim específico de exportação, quando realizada por contribuinte de outra unidade da Federação para fins de exportação” (artigo 3º).
Por sua vez, a base de cálculo será o “valor da tonelada de grãos”, indicada em nota fiscal relativa à operação, porém, “considerando os valores de referência específicos divulgados por ato do Poder Executivo” (artigo 4º). Terá alíquota de 1,8% (artigo 5º).
Sua instituição veio em substituição à Taxa de Fiscalização de Transporte de Grãos (TFTG), prevista nos artigos 31 a 35, da Lei nº 11.867/2002 [1], bem como contribuição “facultativa”, nos termos dos artigos 3º, 3º-A e 3º-B da Lei nº 8.246/2005 [2], tendo em vista o advento do artigo 136 do ADCT, criado pela Emenda Constitucional nº 132/2023 [3]. Daí porque, a partir da vigência da CEG temos a revogação da TFTF e da contribuição do FDI (artigo 14).
A hipótese de incidência ou regra matriz da contribuição pode ser estruturada nos seguintes moldes:
Critério material | produzir, armazenar ou transportar soja, milho, milheto e sorgo em grãos |
Critério espacial | No território maranhense |
Critério temporal | (i) – saída (por uma comercialização) com destino à zona primária aduaneira para fins de exportação;
(ii) – saída (por uma comercialização) interestadual com destino à exportação; (iii) – entrada (em uma operação de comercialização) em território maranhense para formação de lote ou remessa com fim específico de exportação, quando realizada por contribuinte de outra unidade da Federação. |
Critério pessoal | (i) – sujeito ativo: Estado do Maranhão;
(ii) – sujeito passivo: pessoa física ou jurídica que promova a saída ou entrada dos produtos |
Critério quantitativo | (i) – Base de cálculo: valor da tonelada de grãos, indicada no documento fiscal relativo à operação, considerando os valores de referência específicos divulgados por ato do Poder Executivo;
(ii) – Alíquota: 1,8%. |
Destinação | destinado ao Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial do Estado do Maranhão instituído pela Lei nº 8.246, de 25 de maio de 2005, e deverá ser aplicado exclusivamente nas despesas a que se refere o inciso XI do art. 2º da mesma Lei. (investimentos e custeio da infraestrutura rodoviária estadual). |
Nesta última semana ela entrou em vigor, causando grave lesão ao direito de diversos contribuintes sujeitos a estas contribuições, que não se resumiram ao mero recolhimento, mas bloquei de caminhões na fronteira com o Estado, exigência de enorme burocracia para pagamento, caminhão por caminhão, com uma regulamentação que saiu somente na véspera do início de sua vigência. Os prejuízos em decorrência desta exação tributária e complexidade chegam ao ponto de diversas empresas já optarem por outros trajetos deixando de exportar pelo Porto de Itaqui, no Maranhão.
Razões de inconstitucionalidade
O fato, entretanto, mais grave é sua nítida inconstitucionalidade, havendo razões de sobra para se reconhecer tal vício.
As razões de inconstitucionalidade passam por todo o texto constitucional — um literal passeio pela Constituição em pleno descumprimento —, podendo dar especial destaque ao também inconstitucional e ilegítimo artigo 136 da ADCT, inserido a partir da Emenda Constitucional nº 132/2023.
O artigo 136 da ADCT, foi inserido a partir da Emenda Constitucional nº 132/2023, prescrevendo que:
Art. 136. Os Estados que possuíam, em 30 de abril de 2023, fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação e financiados por contribuições sobre produtos primários e semielaborados estabelecidas como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relativos ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, poderão instituir contribuições semelhantes, não vinculadas ao referido imposto, observado que:
I – a alíquota ou o percentual de contribuição não poderão ser superiores e a base de incidência não poderá ser mais ampla que os das respectivas contribuições vigentes em 30 de abril de 2023;
II – a instituição de contribuição nos termos deste artigo implicará a extinção da contribuição correspondente, vinculada ao imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, vigente em 30 de abril de 2023;
III – a destinação de sua receita deverá ser a mesma das contribuições vigentes em 30 de abril de 2023;
IV – a contribuição instituída nos termos do caput será extinta em 31 de dezembro de 2043.
Parágrafo único. As receitas das contribuições mantidas nos termos deste artigo não serão consideradas como receita do respectivo Estado para fins do disposto nos arts. 130, II, “b”, e 131, § 2º, I, “b”, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
Ao se analisar referido texto constitucional, é possível extrair as condições ou requisitos que autorizam a instituição de referida contribuição, que podem ser divididos em dois momentos: (1) – aqueles voltados a autorizar a instituição da contribuição; e (2) – aqueles relacionados à própria contribuição, traçando seus limites.

Sendo assim, teremos como requisitos ou condições voltadas a autorizar um estado da Federação a instituir tais contribuições:
– possuir fundo destinado a investimentos em obras de infraestrutura e habitação;
– ser o fundo financiado por contribuição;
– a contribuição incidir sobre produtos primários e semielaborados;
– ser a contribuição uma condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado quanto ao ICMS;
– possuir estes aspectos vigentes em 30 de abril de 2023.
Havendo, assim, cumprimento dos requisitos voltados a permitir que o Estado crie tal contribuição (norma de competência), cumpre a este observar os limites voltados à própria estrutura de referido tributo:
– instituir uma contribuição semelhante a anterior;
– não vinculada ao ICMS;
– alíquota ou percentual não superior a contribuição anterior;
– base de incidência não poderá ser mais ampla;
– deve extinguir a contribuição anterior;
– destinação da receita deverá ser a mesma da contribuição anterior.
Não havendo o cumprimento de tais condições ou requisitos, por conseguinte, a contribuição será inconstitucional.
Bem por isso, sem pretensão de esgotar o tema, elencamos os principais vícios ou razões de inconstitucionalidade da contribuição especial de grãos (CEG) prevista na Lei nº 12.428/2024:
A uma. A contribuição onera, única e exclusivamente, produtos voltados para o agronegócio, o que caminha totalmente na contramão da determinação constitucional, em especial, artigo 187, I, que determina o fomento e incentivo, inclusive, por meio de instrumentos fiscais.
A duas. Não há respeito às condições e requisitos estabelecidos pelo artigo 136 da ADCT, principalmente: (a) – a taxa – TFTG -, por ser inconstitucional e não configurar contribuição, não legitima a edição desta nova contribuição; (b) – a contribuição para o FDI, por sua vez, por ser inconstitucional também não legitima; (c) – os fundos existentes, em 30 de abril de 2023, especificamente, o FDI, não tem previsão de destinação para Habitação, muito menos a nova contribuição; (d) – a contribuição para a CEG possui inovações, não sendo semelhante a destinada ao FDI; (e) – a destinação da receita entre elas não é a mesma; (f) – a base de incidência da CEG é mais ampla; (g) – fato gerador exclusivo nas operações de exportação; (h) – CEG é vinculada ao ICMS (adicional) [4].
A três. CEG tem por propósito, efetivamente, tributar as exportações, o que é vedado em virtude da imunidade, diante do princípio do destino, conforme Constituição Federal (artigos 149, § 2º, 153, § 3º, 155, § 2º, X, 156, § 3º, 156-A, III, CF) e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
A quatro. Ao exigir o tributo exclusivamente sobre soja, milho, milheto e sorgo em grãos, sem justificativa razoável e autorizada pelo texto constitucional, viola a igualdade ou isonomia tributária.
A cinco. A Lei nº 12.428/2024, em seu art. 4º, ao delegar, sem limites ou condições, ao Poder Executivo a possibilidade de fixar o valor da tonelada (base de cálculo), violação o princípio da legalidade, além de referido arbitramento – pauta – não ser recepcionado conforme Súmula 431 do Superior Tribunal de Justiça [5].
A seis. Apesar da previsão no artigo 136 do ADCT, o estado do Maranhão não trouxe referida competência tributária para as hipóteses previstas em sua Constituição estadual, o que impede a imediata instituição.
A sete. A exigência da contribuição quando da entrada no território maranhense viola os artigos 145, 150, IV e V, 152, da Constituição Federal.
A oito. A causa para instituição da contribuição anterior e atual, conforme artigo 136, da ADCT, impõe a concessão de incentivos, diferimento, regimes especiais, ao passo que a imunidade nas exportações não possui tal natureza jurídica.
A nove. Ao instituir a possibilidade especifica e direcionada a alguns estados da Federação, em detrimento de todos os demais, viola-se o pacto federativo e isonomia entre os entes federados.
A dez. Como o sistema constitucional tributário é rígido, não haveria possibilidade de emenda constitucional criar novo tributo.
A 11. A inserção de referida previsão na Reforma Tributária do Consumo (EC 132/2023) decorreu de verdadeiro jabuti, configurando contrabando legislativo com violação ao devido processo legal normativo.
Considerações finais
Como razão, tratando de questões voltadas aos fundos estaduais e as contribuições “facultativas”, em julgamento do Fundersul, institutos que deram origem às exações estabelecidas no artigo 136 da ADCT, afirmou o saudoso ministro Moreira Alves: “Pelo menos em face do princípio da razoabilidade, tenho seríssimas dúvidas a respeito desta prática, que poderá alastrar-se pelo Brasil com relação a todos os tipos de técnica tributária para aumentar a arrecadação” [6].
Dito e feito!! Além de inconstitucionais, alastraram-se por todo o Brasil.
Mas há esperança, pois, o Estado do Pará, que havia caminhado no mesmo sentido do Maranhão, acertadamente, diante dos efeitos nefastos destas contribuições, além da nítida inconstitucionalidade, já recuou determinando a revogação da Lei nº 10.837/2024, por meio do PL 89/2025.
Além de acreditarmos na proteção do Poder Judiciário, diante da quantidade de vícios de inconstitucionalidade, sendo o Maranhão o único estado brasileiro com esta contribuição, quem sabe, com a mesma sensatez do Pará, siga o mesmo caminho.
[1] – Referida Taxa, atualmente, revogada por meio desta Lei n. 12.428/2024, foi objeto de questionamentos por sua nítida inconstitucionalidade, inclusive, havendo ADI n. 7406 e 7407.
[2] – Referida “contribuição”, revogada por meio desta Lei n. 12.428/2024, foi objeto de questionamentos por sua nítida inconstitucionalidade, inclusive, havendo ADI n. 7406 e 7407.
[3] – Emenda Constitucional que realizou recente Reforma Tributária sobre o Consumo, inserindo, via contrabando legislativo, o art. 136 do ADCT, na tentativa inconstitucionalidade e imoral de “convalidar” tais exigências inconstitucionais.
[4] STF, ADI 6365, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14-02-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 21-02-2024 PUBLIC 22-02-2024.
[5] “É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”.
[6] voto ADI-MC 2056.
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