Anulação de atos da 'lava jato' contra delatores deveria ser estendida a delatados
28 de fevereiro de 2025, 8h53
Devido à falta de imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores da “lava jato”, o Supremo Tribunal Federal vem anulando todos os seus atos contra delatores da autoapelidada força-tarefa. Nesses casos, a corte também deveria invalidar as condenações e ações penais contra outros réus baseadas naquelas colaborações premiadas, uma vez que elas também foram firmadas por conluio entre julgador e acusação.

STF anulou todos os atos da ‘lava jato’ contra ex-ministro Antonio Palocci
No último dia 19, o ministro Dias Toffoli, do STF, declarou a nulidade absoluta de todos os atos praticados pelos procuradores do Ministério Público Federal e por Moro contra o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci no âmbito da finada “lava jato”.
A decisão foi tomada pelo reconhecimento do conluio existente entre os procuradores e o ex-juiz, que hoje é senador pelo Paraná. Trata-se de uma extensão de outras decisões, baseadas em diálogos obtidos na “operação spoofing”. A nulidade vale para todos os atos contra Palocci, inclusive na fase pré-processual, mas não implica a nulidade do acordo de colaboração firmado pelo ex-ministro.
Delação inválida
O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, afirma que o reconhecimento, pelo Supremo, de conluio entre Sergio Moro e procuradores não exige que o acordo de colaboração premiada seja rescindido.
“Não há ilegalidade em uma delação permanecer válida, mas os atos praticados pelo juiz e pelos procuradores são nulos. Delação não é a própria prova, é meio para obtenção de prova. Essa cisão é que faz com que, em determinadas ocasiões, possa haver o salvamento da delação. No caso, os atos nulificadores ocorreram sem relação direta com a delação de Palocci.”
Para o jurista, se o STF reconhece falta de imparcialidade de lavajatistas contra um delator, as condenações e ações contra pessoas delatadas por ele devem ser analisadas caso a caso, podendo ser anuladas.
Uma vez que o Supremo declara que houve conluio entre Sergio Moro e integrantes do MPF e anula os atos contra o delator, a consequência lógica é igualmente invalidar o acordo de colaboração, uma vez que foi firmado e homologado por lavajatistas, avalia Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
“O que tem de ser feito é considerar que são nulos os processos, porque as investigações decorrem desse conluio entre julgador e procuradores. Por derivação, a delação premiada também deve ser considerada nula para todos os efeitos, tanto em relação aos compromissos que ela gerou para o delator como em relação aos efeitos para os delatados”, opina o criminalista.
Nessa mesma linha, a advogada Maíra Fernandes, professora da Fundação Getulio Vargas, também opina que, por uma consequência lógica, o Supremo deveria anular os acordos de colaboração premiada ao invalidar os atos contra colaboradores.
“Se houve conluio entre procuradores e o ex-juiz, também houve durante a realização do acordo. Se o juiz era suspeito, também o era para homologar o acordo.”
“Talvez o STF não queira anular os acordos devido ao efeito cascata que geraria em diversos acordos de colaboração premiada celebrados sob o manto da ilegalidade”, destaca a criminalista. “Por exemplo, o que fazer com a multas pagas por delatores? Os valores dificilmente seriam devolvidos, mas se o compromisso for irregular, não poderiam ter sido pagos”, ressalta ela.
Extensão de decisão
O STF vem anulando os atos de lavajatistas contra diversos réus do caso, delatores ou não. Entre eles, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente da OAS Leo Pinheiro e o empreiteiro Marcelo Odebrecht.
Na época da decisão favorável a Odebrecht, especialistas afirmaram à revista eletrônica Consultor Jurídico que o entendimento poderia ser estendido a outros delatores e delatados do caso. Para isso, porém, eles devem provar que foram coagidos a firmar acordo de colaboração premiada ou que foram indevidamente prejudicados por termos celebrados mediante violação de direitos. Dessa forma, a decisão do STF pode ser uma “pá de cal” na “lava jato”, disseram os advogados.
No caso de Odebrecht, os advogados Eduardo Sanz e Nabor Bulhões pediram que o STF estendesse a ele os efeitos da decisão que anulou todos os procedimentos da “lava jato” contra o ex-governador do Paraná e hoje deputado federal Beto Richa (PSDB).
Com base em diálogos da “spoofing”, a defesa de Richa — feita pelo advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch — indicou que os procuradores da “lava jato” e Moro atuaram de forma coordenada para incriminar o então governador mesmo antes de haver denúncias contra ele.
Sanz e Bulhões sustentaram que as mensagens por meio do Telegram entre lavajatistas revelaram a violação do princípio da imparcialidade. Isso ocorreu, conforme os advogados, mediante a “prática de fraude e conluio entre procuradores e juiz para manipular investigações, depoimentos, fatos, processos, acordos de colaboração e regras de competência em detrimento dos direitos fundamentais do peticionário Marcelo Bahia Odebrecht e de outros acusados em processos penais”.
Em setembro de 2023, Toffoli anulou todas as provas obtidas nos sistemas Drousys e My Web Day utilizadas a partir da leniência da Odebrecht na “lava jato”, em todas as esferas. A anulação decorreu da quebra da cadeia de custódia no manuseio do material, obtido antes da leniência por meio de cooperação internacional feita fora dos meios oficiais.
Arquivos problemáticos da “lava jato”
Segundo o Ministério Público Federal, os sistemas My Web Day e Drousys eram utilizados pelo “setor de operações estruturadas” da Odebrecht. Dados desses sistemas foram usados para embasar ações penais contra o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas peritos da Polícia Federal admitiram que os documentos copiados do “setor de operações estruturadas” da Odebrecht podem ter sido adulterados.
Foram constatadas inconsistências, como o fato de que documentos que incriminavam Lula tinham data posterior à sua data de apreensão na Suíça. Também foi revelado em mensagens entre procuradores da “lava jato”, obtidas por hackers e apreendidas pela PF, que o material que embasou a acusação contra Lula em 2018 era transportado em sacolas de supermercado.
Em maio de 2023, o MPF paranaense destruiu, com autorização judicial, sete discos rígidos com as cópias dos sistemas da empreiteira, informações que foram extraídas em 2018 de uma cópia da Polícia Federal, cuja integridade era contestada.
O acordo de delação da Odebrecht — o maior da história da Justiça brasileira, envolvendo 77 executivos — foi homologado em 2017 e, apesar de fazer muito barulho, resultou em muitas nulidades e poucas condenações.
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