Prática Trabalhista

(Des)proteção trabalhista fixada pelo STF na terceirização dos serviços na administração pública

Autores

  • é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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27 de fevereiro de 2025, 10h21

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito do Tema 1.118 da Tabela de Repercussão Geral, que trata do ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas envolvendo as empresas prestadoras de serviços terceirizados, para fins de responsabilização subsidiária da administração pública.

Tema 1.118 da repercussão geral

Por maioria de votos, a tese fixada pela Suprema Corte foi a seguinte:

“O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.118 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para, reformando o acórdão recorrido, afastar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Em seguida, por maioria, foi fixada a seguinte tese: “1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior”, nos termos do voto do relator, vencidos parcialmente os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Edson Fachin e Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, que já havia proferido voto em assentada anterior. Impedido o ministro Luiz Fux. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 13.2.2025”.

Nesse sentido, de acordo com a tese fixada, para que o poder público possa ser eventualmente responsabilizado subsidiariamente, a obrigação legal de provar se houve falha na fiscalização no cumprimento das obrigações trabalhistas em torno da administração pública, em relação aos serviços da prestadora de serviços terceirizada contratada, será do(a) trabalhador(a).

Dada a sensibilidade do assunto que, inclusive, tem sido muito discutido no universo jurídico nos últimos dias, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Preocupação

O assunto é de grande inquietação, até porque inverte a lógica até então adotada pela Justiça do Trabalho que sempre aplicou a regra geral da “aptidão do ônus probatório”. Ora, é sabido ser praxe recorrente da administração pública direta e/ou indireta se valer da utilização de empresas privadas de serviços terceirizados. A título de exemplo, imagine um(a) trabalhador(a) que preste serviços de vigilância ou limpeza, através de sua empregadora tida como uma empresa terceirizada que, por sua vez, execute serviços ao Estado.

Nesta hipótese, caso a empregadora principal não cumpra com os seus deveres, o(a) trabalhador(a) além de ter o encargo de judicializar a questão contra tal empresa que, não raras as vezes, desaparece e/ou encerra as suas atividades, não fazendo sequer o pagamento das verbas rescisórias, terá, agora, também o ônus de provar que o Estado não fiscalizou esse contrato.

Spacca

À vista disso, ficam os questionamentos: o(a) trabalhador(a) terá meios para conseguir fazer tal prova, ou se estará diante de uma prova diabólica? Seria crível exigir do(a) trabalhador(a) essa obrigação, principalmente em casos que se busca a satisfação de verbas de natureza alimentar?

Vale dizer, não bastasse o(a) trabalhador(a) ter que recorrer ao Poder Judiciário para exigir o cumprimento de seus direitos, doravante terá o papel de verificar se o Estado fiscalizou as atividades com a empresa terceirizada.

Lição dos especialistas

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Ricardo Calcini e Amanda Paoleli Câmara [2]:

“Não se nega que a terceirização dos serviços públicos albergue inúmeras vantagens à sociedade, através da mão de obra especializada que conduz à melhoria da estrutura organizacional e na qualidade dos serviços públicos prestados, quiçá na melhor eficácia da gestão e economia de recursos humanos. Contudo, a tendência moderna de meio de contratação pela Administração não pode – e nem deve – ser acompanhada da precarização laboral, enquanto seja, também, responsável pelo risco social ou risco resultante da atividade social. Por isso essa relação contratual triangular deve preservar o custo-benefício social, garantindo ao trabalhador o mínimo existencial em proibição do retrocesso social, inclusive porque impacta toda uma comunidade que se beneficia não só do serviço público propriamente dito, mas também dos desdobramentos econômicos e sociais (Brasil, 2017, p. 71-129). O trabalhador, em muitas situações da terceirização, já tem violado seu único meio de sobrevivência, que é a verba de ordem alimentar. Portanto, o inadimplemento já é um fato constitutivo do seu direito e provável indício de que tomador e prestador de serviços não cumpriram com seus deveres contratuais.”

Portanto, com o julgamento do Tema 1.118, de acordo com a nova posição adotada pelo STF, o(a) trabalhador(a) é quem deve demonstrar a negligência do poder público, de modo que, para além de criar um ônus extremamente difícil, isso para não dizer que se estará diante de uma “prova diabólica”, a ausência de prova quanto à fiscalização pela administração pública afastará sua condenação subsidiária na terceirização dos serviços.

Spacca

Polêmicas de ordem prática

Ao que tudo indica, este assunto ainda ensejará inúmeros debates, de modo que não nos parece que a decisão da Suprema Corte trará, de fato, pacificação aos conflitos envolvendo a responsabilização do poder público.

De um lado, em observância à tese fixada pelo STF, questiona-se se haverá eventual comportamento negligente quando a administração pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa terceirizada estiver descumprindo para com as suas obrigações trabalhistas, se tal comunicação partir do próprio(a) trabalhador(a), sindicato de classe, Ministério Público do Trabalho ou Defensoria Pública? Aliás, o(a) advogado(a) do(a) trabalhador(a) também estará legitimado(a) promover tal notificação?

Lado outro, o Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018 [3], fala sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União Federal. Nesse sentido, poderá o(a) magistrado(a) ou o(a) trabalhador(a) solicitar, no bojo do processo, os documentos contratuais obrigatórios previstos nos artigos 8º e 9º desde decreto, isso para aferir se houve a fiscalização pela administração pública? É importante ressaltar que o Decreto 9. 507/2018 traz obrigações que devem ser fiscalizadas, e, portanto, trata-se de exigências documentais.

Aliás, o(a) trabalhador(a), por regra, não tem acesso a tais informações, de forma que poderá ser utilizado os artigos 818 da CLT e 373 do CPC como fundamentos para uma distribuição dinâmica do ônus da prova? Ainda, tal exigência deve ser feita antes da instrução processual, de forma que o Estado-Juiz poderá, de ofício, adotar tal procedimento ou a requerimento da parte?

De mais a mais, na prática forense trabalhista, é bastante comum nos processos que envolvam a administração pública ser apresentada uma defesa padrão pelo órgão público, seguida do requerimento de dispensa de comparecimento na audiência. Agora, se a administração não comparecer, poderá o(a) magistrado(a) aplicar o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial 152 do TST, segundo o qual a “pessoa jurídica de direito público sujeita-se à revelia prevista no artigo 844 da CLT”?

E, ainda, o Código de Processo Civil [4], ao dispor em seu artigo 400 e incisos, que ao decidir o pedido o(a) magistrado(a) admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar, ou seja, poderá o(a) trabalhador(a) solicitar os documentos que entendem ser necessários à administração pública quando da propositura da reclamatória e, caso não sejam estes juntados, se justificaria aqui a sua responsabilização?

Conclusão

Em arremate, essas são apenas algumas reflexões à luz da atual decisão proferida pela Suprema Corte, pois, se é verdade que o poder público não pode ser responsabilizado automaticamente pelas obrigações da empresa prestadora de serviços, de igual modo tal encargo não pode ser transferido à parte trabalhadora, ainda mais diante da ocorrência de eventual prova negativa. Torna-se imprescindível, portanto, o respeito à dignidade e aos direitos humanos, assim como o zelo no combate ao retrocesso social.

 


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 27, n. 1, 2023, página 62.

[3] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/d9507.htm. Acesso em 18.2.2025.

[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 18/02/2025.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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