Laranja madura

Se Cade não reconhece cartel, prescrição de prejuízos começa na data do contrato

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25 de fevereiro de 2025, 20h23

Se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não tem decisão reconhecendo a existência de cartel, o prazo prescricional para ação de reparação dos prejuízos causados pela prática anticoncorrencial começa na data de assinatura do respectivo contrato.

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‘Cartel da laranja’ não teve condenação no Cade graças a termo de cessação de conduta

Essa conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que declarou a perda do direito de produtores rurais de cobrar indenização pelos prejuízos causados pelo chamado “cartel da laranja”.

Esse cartel operou de 1999 a 2006, quando se tornou alvo de investigação do Cade. Produtores de suco agiam para manipular o preço de aquisição da laranja, dividindo o mercado e trocando informações sensíveis entre eles.

Não houve condenação no órgão antitruste porque, em 2016, as empresas acusadas firmaram termo de compromisso de cessação (TCC) em que se comprometeram a abandonar as práticas anticoncorrenciais e pagar R$ 301 milhões ao Fundo de Direitos Difusos.

Os processos foram arquivados pelo Cade em 2018, quando o TCC foi integralmente cumprido pelas empresas. Em 2019, elas passaram a ser alvos de ações reparatórias ajuizadas pelos produtores de laranja prejudicados.

Para o STJ, a prescrição deve ser contada a partir do momento inequívoco em que os autores tiveram conhecimento dos atos ilícitos que causaram os danos alegados. E esse momento é o da assinatura do contrato de compra e venda das laranjas. A solução já fora dada pela 4ª Turma do STJ, em julgamento de 2022, e agora foi encampada por maioria de votos pela 3ª Turma.

A prescrição foi declarada nos dois recursos especiais julgados pelo colegiado. O prazo estabelecido foi de três anos, como prevê o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil.

Desde 2022, esse prazo é de cinco anos, como passou a prever o artigo 46-A, parágrafo 1º, da Lei 12.529/2011, que trata do sistema brasileiro de defesa da concorrência. Porém, isso não se aplica aos casos julgados pela 3ª Turma porque eles são anteriores à mudança legislativa.

Debate intenso

O tema do marco inicial da prescrição gerou debates e dividiu a 3ª Turma. A ministra Nancy Andrighi inicialmente votou por considerar a data em que a investigação do “cartel da laranja” foi deflagrada, em 2006 — foi o momento em que a grande mídia divulgou nacionalmente a existência de cartel.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por sua vez, propôs adotar a data em que os TCCs foram assinados, pois foi quando as empresas se comprometeram a cessar as práticas anticoncorrenciais. Essa posição afastaria a ocorrência de prescrição.

Abriu uma terceira linha o ministro Moura Ribeiro. Para ele, considerar a data das reportagens da imprensa geraria insegurança, pois não haveria como saber exatamente em que dia cada produtor rural viu na tevê, ouviu no rádio ou leu nos jornais sobre as investigações.

Ele também descartou usar a data de assinatura dos TCCs porque, de acordo com a Justiça de São Paulo, entre as cláusulas do termo não está a admissão expressa das empresas de que houve formação de cartel.

“O termo inicial do prazo para ação de reparação pela defasagem do preço pago pela laranja deve ser a data do contrato entabulado entre agricultor e a indústria compradora, tal como definido por 5 a 0 pela 4ª turma no REsp 1.971.316. A situação é idêntica”, destacou Moura Ribeiro.

Para dar segurança jurídica ao tema, a ministra Nancy aderiu à proposta. Também votaram assim o ministro Humberto Martins e o desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti (este apenas no REsp 2.166.984).

Depende do Cade

A ausência de declaração do Cade quanto à ocorrência de cartel é importante para fins de prescrição da ação de indenização porque ela pode ser feita em duas modalidades distintas.

Na ação do tipo follow-on, o reconhecimento da violação das normas econômicas depende de uma decisão condenatória do Cade. Já na ação stand alone, as próprias vítimas descobrem o ilícito e relatam o ocorrido diretamente ao juiz, por meio da petição inicial.

Assim, nas ações follow-on, a prescrição começa com a decisão condenatória do Cade. Já nas ações stand alone, o marco inicial depende das especificidades da causa (do momento em que ficar claro que os prejudicados tiveram ciência do prejuízo).

Esse prazo pode até ser afetado se o TCC firmado no Cade reconhecer a ocorrência de práticas anticoncorrenciais.

REsp 2.133.992
REsp 2.166.984

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