Sistema eleitoral no Império do Brasil
24 de fevereiro de 2025, 18h13
Contextualização histórica

O ponto de partida para a análise do sistema eleitoral no Brasil remonta a outorga da Constituição de 1824 e termina com a transição do Segundo Reinado, iniciado em 1840, ano de 1889, marcado pelo advento da República. Nesse contexto, a transição do sistema monárquico para o republicano representou não apenas uma mudança de regime, mas também uma redefinição dos princípios fundamentais que regiam a participação política no país.
Em um olhar “de trás para frente”, observa-se que o regime republicano trouxe consigo a necessidade de estabelecer novos parâmetros legais e institucionais que delineassem o exercício dos direitos políticos, mas trazendo consigo os aprendizados das eleições durante o Império. Não apenas a figura do imperador foi destituída, mas também desapareceu o chamado “teatro das sombras”, no qual a escolha dos ministros de gabinete pelo imperador era respaldada através de eleições frequentemente fraudadas.
As facções tomaram mais espaço político no período Regencial, momento no qual o Parlamento atua de forma mais incisiva tanto na política interna quanto externa. De um lado, a facção exaltada recebe influência das ideias liberais europeias e propõem um ideário ligado à descentralização consolidados na postura crítica à “tríade maldita” passando a se identificarem como os “liberais”.
Defendiam o autogoverno local, ampliação do eleitorado (incluindo libertos e naturalizados), voto distrital e redução do censo pecuniário. Sua ala radical (“liberais ultra”) pressionava por maior inclusão política. De outro lado, os conservadores, organizados por Bernardo Pereira de Vasconcelos, reúne funcionários públicos do alto escalão e defendem posturas centralistas e a manutenção de prerrogativas do poder. Priorizavam o controle centralizado do processo eleitoral, restrições ao sufrágio (censo elevado e prova de renda rígida) e manutenção da hierarquia social.
Os respectivos apelidos de “luzias” e “saquaremas” devido à derrota militar dos liberais na Batalha de Santa Luzia, e a propriedade de terras em Saquarema pelos conservadores fluminenses, ficaram para a história como sinônimos de elitismo e fisiologismo (“nada mais parecido que um saquarema do que um luzia no poder”). É certo que os partidos não tiveram a preocupação em arregimentar massas. Diferentemente do papel atual dos partidos políticos, a mobilização não era um dos fatores decisivos das vitórias eleitorais. Para entender esse aspecto, vamos abordar o modo como as eleições eram feitas.
Eleições no período imperial
O sistema eleitoral foi indireto na maior parte do período e censitário, com eleitores de primeiro grau (votantes) escolhendo eleitores de segundo grau, que, por sua vez, elegiam deputados e senadores. Ainda assim, é necessário asseverar que a Constituição de 1824 estabeleceu um sistema eleitoral restrito, mas permitiu a participação de uma ampla camada de livres pobres e libertos nas eleições primárias, formando inicialmente uma franquia eleitoral de cerca de 12% da população, o que rivalizava com as democracias europeias.
De todo modo, o funcionamento do sistema era intrinsecamente fraudulento. Práticas como o uso de “cabalistas” para alterar listas de votantes, “fósforos” que votavam no lugar de outros e “capangas eleitorais” para intimidar adversários eram comuns. O controle das eleições estava nas mãos de chefes locais e autoridades governamentais, que recorriam à falsificação de atas e ao roubo de urnas para garantir resultados favoráveis. Além disso, o governo central exercia forte influência por meio dos presidentes de província e da Guarda Nacional, assegurando que os interesses do poder fossem mantidos.
O imperador, por meio do Poder Moderador, desempenhava um papel crucial no sistema político, nomeando e dissolvendo ministérios conforme sua conveniência. A famosa declaração de José Thomaz Nabuco de Araújo em 1868 ilustra como o imperador controlava o processo político ao selecionar ministros que garantiam maiorias parlamentares.
O sistema político do Império, portanto, não seguia um parlamentarismo clássico, mas um modelo híbrido, no qual a necessidade de conquistar a confiança das câmaras coexistia com a manipulação eleitoral. Nesse contexto, o clientelismo era fundamental, com líderes locais negociando apoio político em troca de cargos e favores, consolidando uma relação de dependência mútua entre o governo central e os chefes políticos regionais.
Como observa o historiador José Murilo de Carvalho, esse esquema transformava as eleições em um teatro político, reforçando hierarquias sociais e distribuindo cargos públicos como moeda de troca.
As eleições no período imperial brasileiro eram frequentemente marcadas por conflitos entre grupos rivais, com brigas generalizadas nos locais de votação. Além disso, o controle da mesa eleitoral era essencial para determinar os resultados, especialmente porque o voto não era secreto e as eleições ocorriam dentro das igrejas. O processo de alistamento, momento-chave para a manipulação do pleito, era uma oportunidade para fraudes, como a inclusão ou exclusão de eleitores conforme os interesses políticos dominantes.
Ao longo do período, os liberais formaram 21 gabinetes, enquanto os conservadores tiveram apenas 15. No entanto, os conservadores permaneceram mais tempo no poder, governando por 29,5 anos, contra 19,5 anos dos liberais. Essa maior estabilidade se deve, em grande parte, à homogeneidade interna dos conservadores, que contavam com uma base mais coesa, formada por burocratas e funcionários públicos. Esse grupo tinha maior capacidade de manter a continuidade administrativa e garantir a manutenção das estruturas políticas, favorecendo sua permanência no governo.
Reformas eleitorais do período
Embora nem sempre bem-sucedidas no objetivo de manter o grupo hegemônico, as Reformas Eleitorais foram um componente relevante de organização do poder com vistas a ordem interna.

A Reforma da Prata de 1846, proposta por Odorico Mendes, ajustou os critérios de renda para o direito ao voto, exigindo que fossem comprovados em prata. Essa medida visava restringir a expansão da base eleitoral, já que a inflação do Primeiro Reinado havia reduzido o valor real da renda necessária para votar.
Em 1855, a Primeira Lei dos Círculos introduziu os distritos eleitorais, determinando que cada “círculo” elegesse um deputado e proibindo funcionários públicos, como juízes de paz, de atuarem politicamente em sua área de jurisdição. No entanto, essa reforma teve vida curta, sendo aplicada apenas em uma eleição. A Segunda Lei dos Círculos, de 1860, expandiu os distritos e substituiu o voto em lista, contribuindo para o movimento do Renascer Liberal.
Já a Lei do Terço, aprovada em 1875 sob demanda dos liberais, buscou reduzir fraudes e manipulações, abolindo o voto distrital e ampliando a exigência de comprovação de renda. Aprovada no Gabinete Rio Branco, essa lei fez com que os eleitores votassem em apenas 2/3 das cadeiras do Parlamento, mas acabou frustrando as expectativas liberais de uma vitória expressiva. Essa medida tinha como objetivo reduzir a rivalidade entre partidos, que às vezes resultava em conflitos armados, ameaçando a própria estabilidade do Império. Esperava-se, assim, instaurar um sistema de revezamento na maioria da Câmara e na Presidência dos Ministérios, algo que foi efetivamente implementado ao longo de meio século por meio de nomeações diretas do Imperador.
Em 1881, a Lei Saraiva trouxe mudanças ainda mais profundas, abolindo a eleição indireta e instituindo o título de eleitor. A Lei Saraiva também promoveu mudanças significativas no sistema eleitoral brasileiro, substituindo o voto indireto de dois graus pelo voto direto e estabelecendo exigências rigorosas de censo e comprovação de renda mínima de 200 mil réis anuais, o que restringiu a participação popular (reduzindo drasticamente o eleitorado de 10% para 1,5% da população).
Além disso, ampliou a elegibilidade para incluir libertos, naturalizados e não católicos, mas impôs restrições adicionais, como a exigência de idade mínima de 40 anos para senadores. A lei também adotou o sistema de distritos uninominais, aproximando representantes e eleitores por meio do voto distrital. No Parlamento, o projeto inicial, aprovado na Câmara dos Deputados sob domínio liberal, enfatizava inclusão e descentralização, mas no Senado, de maioria conservadora, sofreu alterações que restringiram o eleitorado, centralizaram o controle das eleições por meio de juízes nomeados e elevaram as exigências de renda e idade.
O resultado final da Lei Saraiva foi um compromisso entre as visões liberais e conservadoras: manteve o voto direto e distrital, mas introduziu restrições que limitaram significativamente o número de eleitores, frustrando expectativas de maior democratização. Ainda assim, alguns fatos dignos de nota ocorreram em virtude desta derradeira reforma do Império: pela primeira vez, imigrantes que cumprissem critérios de renda puderam votar e se eleger. A lei também abriu brechas para a interpretação do voto feminino, com uma dentista solicitando o direito ao sufrágio, mas tendo seu pedido indeferido pelo ministro da Justiça, marcando a primeira tentativa formal de uma mulher votar no Brasil.
As disputas entre liberais, que defendiam autogoverno e inclusão gradual, e conservadores, que buscavam preservar a hierarquia social e o controle centralizado, aprofundaram-se com a reforma. Dessa forma, a Lei Saraiva reflete a complexidade do sistema político imperial e desafia interpretações que minimizam as divergências entre os partidos da época.
Os sintomas da crise do Império no âmbito eleitoral
Os desgastes decorrentes deste sistema vieram à tona nas sucessivas crises em que o poder monárquico se viu desafiado por grupos que, de uma forma ou de outra, se viam excluídos desta política. Os militares viviam um período de prestígio após a vitória na Guerra do Paraguai (1864-1870) e se organizavam em ideários influenciados pela Revolução Francesa, pela Revolução americana e pelo Positivismo de Augusto Comte. Porém, à exceção do Duque de Caxias, não tiveram um representante militar na presidência dos ministérios.
A Igreja Católica, por sua vez, viu seus membros sendo considerados inelegíveis, mesmo que, durante o período Regencial (após a abdicação de Pedro 1º e antes da maioridade de Pedro 2º), o padre Diogo Feijó tenha ocupado o papel de Regente Uno. É importante destacar que a Bula Syllabus (1864) e o Concílio Vaticano I, que condenavam a maçonaria, resultaram em conflitos entre a classe política e os membros do clero. Essas disputas só foram resolvidas por meio de negociações diplomáticas entre o Império e o Vaticano em 1873.
Enquanto a religião oficial do Império, o catolicismo era parte do desenho institucional que permitia o alistamento de eleitores com base nos registros das paróquias. Contudo, ao estabelecer a laicidade do Estado na Constituição de 1891, a República enfrentou o desafio de incorporar os registros mantidos pelas igrejas à Administração Pública. Esse processo representou uma mudança significativa na relação entre a Igreja e o Estado, marcando uma transição para um modelo mais secularizado e alinhado aos princípios republicanos.
Por fim, a ascensão da classe cafeicultora desde meados do século 19 foi atendida por reformas políticas no campo das propriedades agrárias, que permaneciam reservadas à elite e de difícil aquisição. As ideias eugenistas da política imperial convergiam com a necessidade de substituir a mão-de-obra escrava, incentivando a vinda de imigrantes, especialmente europeus. Além disso, os cafeicultores enriqueciam cada vez mais por meio de reformas econômicas que visavam à desvalorização da moeda, impulsionando as exportações de café.
Apesar da política ser notadamente favorável à classe econômica agroexportadora, seus interesses ainda eram mediados pelas instituições do Império. Com a chegada da República, a classe cafeicultora ganhou a capacidade de eleger representantes diretos para a Presidência, muitos dos quais eram eles próprios cafeicultores ou personalidades influentes do estado de São Paulo, a região de maior produção de café. Essa transição política proporcionou uma maior proximidade entre a classe cafeicultora e o exercício do poder executivo, consolidando ainda mais sua influência no cenário político nacional.
De maneira semelhante ao período imperial, no qual o critério econômico, como a posse de uma renda mínima anual, era utilizado para determinar o direito de voto, a República manteve o critério literário, exigindo a alfabetização. Essa condição excluiu a quase totalidade da população negra e aproximadamente 90% da população em geral do exercício do direito de voto. Dessa forma, tanto no Império quanto na República, persistiu uma barreira que limitava o acesso à cidadania e ao processo democrático para uma parcela significativa da sociedade brasileira.
Conclusão
A análise do sistema eleitoral do Brasil durante o Império revela um modelo político marcado pela centralização do poder, pelo predomínio das elites e pela recorrente manipulação dos processos eleitorais.
As reformas eleitorais promovidas ao longo do período imperial, embora tenham introduzido algumas mudanças institucionais, pouco avançaram na democratização do acesso ao voto e na ampliação da participação popular. O jogo político permaneceu restrito a uma elite que, por meio de instrumentos como o clientelismo, o controle da burocracia e as fraudes eleitorais, perpetuava sua influência no governo.
Referências bibliográficas
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