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Os impactos nos fundos setoriais de fomento à CT&I das recentes medidas tributárias e orçamentárias

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  • é especialista em Direito Tributário mestrando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

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23 de fevereiro de 2025, 8h00

A legislação tributária e financeira-orçamentária brasileira passou por importantes alterações, no passado recente, que ensejaram impactos sobre os fundos setoriais federais de fomento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no Brasil. Neste rol incluem-se o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) [1], o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) [2], o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) [3] e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) [4].

Sob a ótica tributária [5], verifica-se que, no âmbito da reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, buscou-se retirar do espectro de incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) as operações relacionadas aos fundos garantidores e executores de políticas públicas previstos em lei, rol em que se enquadram o FNDCT, o Funttel, o Fust e o FAT [6].

A salvaguarda tributária divide-se em (1) não incidência do IBS e da CBS sobre os serviços de administração e operacionalização prestados aos fundos [7] e (2) estabelecimento de que fundos garantidores e executores de políticas públicas previstos em lei não são contribuintes do IBS e da CBS. Contudo, a Lei Complementar nº 214/2025 determina que caberá a ato conjunto do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal listar os fundos que se enquadram nas salvaguardas supracitadas (considerando a data da publicação da Lei Complementar), bem como atualizar a lista com os fundos que vierem a ser constituídos posteriormente.

Por seu turno, sob a ótica financeira-orçamentária [8], inicialmente menciona-se o Regime Fiscal Sustentável, instituído pela Lei Complementar nº 200/2023, em que pela leitura do artigo 3º, §2º constata-se que as despesas públicas realizadas com recursos do FNDCT, do Funttel, do Fust e do FAT não se enquadram nas exceções de inclusão na base de cálculo e limites individualizados para o montante global das dotações orçamentárias relativas a despesas primárias [9]. Logo, os fundos setoriais de fomento à CTI não possuem qualquer excepcionalização relativa às despesas públicas realizadas com os seus recursos.

Passando para a análise da Emenda Constitucional nº 135/2024 que, dentre seus temas, renovou a desvinculação das receitas da União (DRU) até 31 de dezembro de 2032, observa-se que a nova redação dada ao caput do artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias incluiu a expressão “receitas patrimoniais”, ao passo que o seu parágrafo sexto, incluído pela Emenda Constitucional nº 135/2024, cravou que a DRU não se aplica somente ao Fundo Social e aos recursos voltados à Saúde e à Educação.

A inovação no texto constitucional relativa às “receitas patrimoniais” busca atingir as receitas financeiras dos fundos setoriais, ou seja, os valores decorrentes de exploração do seu próprio capital (tais como aplicações financeiras dos fundos setoriais na conta única do tesouro nacional e receitas de juros decorrentes de empréstimos a agências de fomento), receitas essas classificadas como receitas patrimoniais decorrentes da exploração da União federal do seu próprio patrimônio [10].

Ocorre que a DRU, nos termos da Emenda Constitucional nº 135/2024, coexiste com o previsto no artigo 5º da Emenda Constitucional nº 109/2021, em redação dada pela Emenda Constitucional nº 127/2022. Esse dispositivo estabelece que o superávit financeiro das fontes de recursos dos fundos públicos do Poder Executivo, exceto os saldos decorrentes do esforço de arrecadação dos servidores civis e militares da União, apurado ao final de cada exercício, poderá ser destinado (1) à amortização da dívida pública do respectivo ente, nos exercícios de 2021 e de 2022; e (2) ao pagamento dos pisos salariais profissionais nacionais para enfermeiro, técnico de enfermagem, auxiliar de enfermagem e parteira (§ 12 do artigo 198 da Constituição), nos exercícios de 2023 a 2027.

Em resumo, constata-se que os fundos setoriais de fomento à CT&I na seara financeira-orçamentária:

1. Não tiveram as despesas públicas realizadas com os seus recursos excepcionalizadas no âmbito do Regime Fiscal Sustentável;

2. Estão sujeitos à incidência da DRU, inclusive sobre os seus rendimentos financeiros;

3. Estão sujeitos à utilização de seu superávit para o pagamento de piso nacional relativo a profissionais da saúde.

Assim, diante do exposto, se por um lado a reforma tributária abriu uma porta para que as agências de fomento que operam os fundos setoriais tenham uma redução da carga tributária na operacionalização das políticas públicas dos fundos setoriais de fomento à CT&I, por outro lado verifica-se, na seara orçamentária-financeira, uma pressão sobre o uso dos recursos dos fundos setoriais vis a vis os desafios de controle da despesa pública pelo governo federal [11].

Nesse cenário, espera-se que o Congresso Nacional, no exercício da sua competência constitucional de análise e aprovação da Lei Orçamentária Anual, pondere as necessidades de investimento do Estado Brasileiro em ciência, tecnologia e inovação guiada pelos ditames do artigo 218 da Constituição Federal.

 


1 Regulado pela Lei nº 11.540/2007.

2 Regulado pela Lei nº 10.052/2000.

3 Regulado pela Lei nº 9.998/2000.

4 Regulado pela Lei nº 8.019/1990 e considerando as alterações trazidas pelo art. 9º da Lei nº 14.592/2023.

5 Tecnicamente, sob a égide da Constituição Tributária.

6 Lei Complementar nº 214/2025:

Art. 213. Não ficam sujeitas à incidência do IBS e da CBS as operações relacionadas aos demais fundos garantidores e executores de políticas públicas, inclusive de habitação e de desenvolvimento regional, previstos em lei.

1º As operações relacionadas aos fundos garantidores e executores de que trata o caput deste artigo incluem os serviços de administração e operacionalização prestados ao fundo.

§2º Os fundos de que trata o caput deste artigo não são contribuintes do IBS e da CBS.

§3º Aplica-se também o disposto neste artigo aos fundos de que trata o caput que vierem a ser constituídos após a data de publicação desta Lei Complementar.

§4º Caberá a ato conjunto do Comitê Gestor do IBS e da RFB listar os fundos garantidores e executores de políticas públicas previstos em lei na data da publicação desta Lei Complementar e atualizar a lista com os fundos da mesma natureza que vierem a ser constituídos posteriormente.

7 Como, por exemplo, a administração e gestão realizada pela Finep para o FNDCT, na esteira do previsto nos arts. 7º e 8º da Lei nº 11.540/2007.

8 Tecnicamente, sob o manto da Constituição Financeira.

9 No art. 3, §2º, inciso iv da Lei Complementar nº 200/2023 tem-se a seguinte redação:

Art. 3º Com fundamento no inciso VIII do caput do art. 163, no art. 164-A e nos §§ 2º e 12 do art. 165 da Constituição Federal, ficam estabelecidos, para cada exercício a partir de 2024, observado o disposto nos arts. 4º, 5º e 9º desta Lei Complementar, limites individualizados para o montante global das dotações orçamentárias relativas a despesas primárias:

(…)

§2º Não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos neste artigo:

(…)

IV – as despesas das universidades públicas federais, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais, das instituições federais de educação, ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação, dos estabelecimentos de ensino militares federais e das demais instituições científicas, tecnológicas e de inovação, nos valores custeados com receitas próprias, ou de convênios, contratos ou instrumentos congêneres, celebrados com os demais entes federativos ou entidades privadas;

10 SCAFF, Fernando Facury. Royalties do Petróleo, minério e energia. São Paulo: RT, 2014, p. 28.

11 Desde o final da última década aumentou o interesse dos governos pelos valores direcionados para os fundos setoriais, na medida em que são recursos destinados a finalidades específicas que, muitas vezes, não são passíveis de utilização pelo Poder Executivo, seja por falta de programas específicos, seja por questões de limites de despesas orçamentárias.

Cita-se, a título de exemplo, a Proposta de Emenda à Constituição n° 187/2019, que busca instituir reserva de lei complementar para criação de fundos públicos e extinção daqueles que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à promulgação da Emenda Constitucional.

Autores

  • é graduado, especialista em Direito Tributário, mestre em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP), gerente jurídico da Diretoria Financeira da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

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