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Governo do RJ quer julgamento de arbitragem no Tribunal de Justiça

 

23 de fevereiro de 2025, 7h21

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deve se posicionar na próxima semana sobre um dos preceitos mais consolidados das regras que regem a arbitragem no Brasil: se o Judiciário pode intervir em decisão interlocutória da via arbitral.

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Sede do TJ-RJ: governo do Rio quer julgamento de arbitragem no Tribunal de Justiça

O caso concreto envolve um desajuste de contrato do governo do Rio com uma concessionária de saneamento básico e distribuição de água no estado. Fatores supervenientes elevaram verticalmente o custo das obras, mas foram desconsiderados pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico, a Agenersa.

O desequilíbrio econômico-financeiro coloca em risco a área mais crítica do país, que é a coleta de esgoto e o fornecimento de água. A concessionária, Iguá Rio de Janeiro, viu-se na contingência de financiar seus próprios serviços para manter a operação. Como o próprio contrato prevê a compensação de eventual desajuste e a resolução de conflitos pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb), a Iguá recorreu à via arbitral previamente combinada.

Em rito de emergência, a Camarb autorizou que a concessionária depositasse a última parcela do pagamento da outorga em conta da Câmara, até que se dirimisse a controvérsia. Sem a possibilidade de compensação, o consórcio se veria na contingência de entrar na fila de precatórios do Estado, o que redundaria em uma espera de pelos menos dez anos para ser reembolsada.

O governo do Rio e a Agenersa, para evitar suas obrigações, pediram ao presidente do TJ-RJ, desembargador Ricardo Couto de Castro, a suspensão da liminar arbitral. O desafio ao paradigma da jurisprudência chamou a atenção de especialistas na matéria.

Mão única

Para Fabiano Robalinho, sócio do escritório Bermudes e professor da FGV Direito Rio, “quando a parte opta pelo sistema da arbitragem, ela renuncia ao direito de recorrer ao Judiciário. A administração pública não pode querer usufruir das vantagens da arbitragem e, ao mesmo tempo, fazer uso dos mecanismos disponíveis para o processo judicial”.

Segundo a presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, Debora Visconte, “a arbitragem é um sistema de solução de conflitos distinto da via judicial. São jurisdições inconfundíveis, com regimes jurídicos diversos e modos próprios de impugnação das respectivas decisões”. Para a especialista, “de um modo geral, as decisões interlocutórias na arbitragem são irrecorríveis e as sentenças não podem ser revistas no mérito”.

A opção contratual pela arbitragem, diz Visconte, “impõe a prioridade temporal ao Juízo Arbitral. Ao Poder Judiciário cabe intervir apenas nos casos previstos em lei, como na ação anulatória ou na impugnação ao cumprimento de sentença (art. 33, caput e § 3º, da Lei nº 9.307/1996)”.

A regra da prioridade temporal, ensina ela, “determina que compete ao juízo arbitral, antes de qualquer outro, avaliar e decidir sobre a alegação de inexistência, invalidade ou ineficácia da convenção arbitral, conforme previsão expressa do parágrafo único do artigo 8º da mesma lei”.

A especialista invoca o entendimento pacificado da competência-competência, “regra amplamente reconhecida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Ademais, afirma, “a decisão proferida no âmbito do procedimento do árbitro de emergência tem natureza preliminar e pode ser revista tanto por esse árbitro, após as manifestações das partes, quanto posteriormente pelo Tribunal Arbitral, quando constituído”.

Segurança jurídica

Segundo relata Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo na USP e no IDP (Brasília e SP), “com o advento do novo marco regulatório do saneamento básico — Lei federal 14.026/20 — houve aumento significativo de novas concessões e PPPs nessa área de infraestrutura”. Paralelamente a esse movimento, diz Justino, “há um crescimento significativo da propositura de arbitragens envolvendo muitos desses contratos públicos de saneamento básico, que na sua esmagadora maioria são regidos por agências reguladoras”.

Com a experiência como árbitro especialista em direito público há mais de 20 anos, o professor conclui que “impactos econômico-financeiros decorrentes de decisões regulatórias podem, de maneira geral, ser objeto de arbitragem”.

Outro expert, José Roberto de Castro Neves, advogado e professor da PUC-RJ, também ratifica que “se as partes elegem a arbitragem como meio de solucionar seus conflitos, devem respeitar as regras próprias da arbitragem para reger o procedimento”.

O dispositivo legal que permite o presidente do tribunal suspender a execução de liminares contra o Estado, segundo ele, “pressupõe — como se vê do artigo 4 da Lei 8.437/92 — que o tribunal tenha jurisdição sobre o processo”. Se a liminar foi deferida no âmbito de uma arbitragem, insiste, não há competência do Tribunal de Justiça. “Parece, portanto, inusitado que o Estado busque se valer de uma prerrogativa própria de processos judiciais, quando escolheu outro meio para solução da disputa.”

Com a palavra, o desembargador Ricardo Couto de Castro, que assumiu o comando do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no início deste mês.

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