O MP que os números revelam

Entenda como atua o MP, que é único, mas está dividido em vários ramos

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22 de fevereiro de 2025, 8h30

* Reportagem publicada na nova edição do Anuário do Ministério Público. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Capa MP 24

Capa da nova edição do Anuário do Ministério Público

O Ministério Público é um e são muitos. Temos o Ministério Público da União e temos mais 27 Ministérios Públicos dos estados que juntos formam o MP do Brasil, que na verdade não existe formalmente como tal. A única instituição que engloba as duas vertentes do suposto MP do Brasil é o Conselho Nacional do Ministério Público, o órgão de controle externo das atividades ministeriais.

E tem o parágrafo 1º do artigo 127, segundo o qual “são princípios institucionais do
Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. Traduzindo para o vernáculo corrente, unidade quer dizer que o Ministério Público é um só; independência indica que não há hierarquia entre seus membros e que cada um atua de acordo com sua ciência e consciência; e a indivisibilidade significa que um membro pode ser substituído por outro. Resumindo: o MP é único, mas cada um de seus 13.185 membros são o MP.

Dito isso, fica mais fácil entender a complexa atuação do Ministério Público que também é única, mas tem múltiplas faces e diversas configurações. Comecemos, pois, com sua estrutura cheia de ramificações e instâncias. De um lado está o Ministério Público da União, com suas subdivisões: MP Federal, do Trabalho e Militar. Note-se que o Ministério Público Eleitoral faz parte da estrutura do MPF e é formado por procuradores da República cedidos pelo MPF e por promotores de Justiça, que são membros dos MPs dos Estados. Outra ressalva diz respeito ao MP do Distrito Federal, que faz parte do MPU e não entra na lista dos MPs estaduais, aos quais é mais assemelhado. Coisas do federalismo brasileiro.

E do outro lado estão os 26 estados, cada um com o seu Ministério Público, cada um com jurisdição, competência e CNPJ próprios.

Os números servem para esclarecer a ordem de grandeza destas divisões do MP. Como já dito, o MP do Brasil conta hoje com 13.185 membros – os dados, referentes a 2023, são do MP Um Retrato, levantamento estatístico anual do Conselho Nacional do Ministério Público, e que serve como base de dados deste Anuário.

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Dados sobre o trabalho do MP, sobre quem faz e o valor desta operação

Desse total, 11.160 atuam na primeira instância, 1.910 estão na segunda instância e 115 são os subprocuradores-gerais da República, que oficiam junto aos tribunais superiores.

Do total de membros, a maioria – 85% – está nos MPs dos Estados. O MP da União fica com os restantes 15%, a maior parte deles (57%) alocada no MP Federal. Outra boa parte integra o MP do Trabalho e uma parcela bem menor (85 indivíduos) atua no MP Militar. Se considerados isoladamente, o maior MP em termos de membros é o MP-SP, com seus 2.026 integrantes, seguido pelo MP-MG (1.150) e pelo MP Federal (1.147).

Estas três unidades são também as que custam mais aos cofres públicos, mas não nesta ordem. O maior orçamento do Ministério Público brasileiro é o do MPF (R$ 5,3 bilhões em 2024), seguido pelo do MP de Minas Gerais (R$ 3,7 bilhões) e de São Paulo (R$ 3,3 bilhões). O Rio de Janeiro fica em quarto lugar tanto no número de membros (893), quanto no tamanho do orçamento (R$ 3,2 bilhões).

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A atuação do MP em 2023

Levando em conta o movimento processual, temos mais uma vez que a soma dos processos judiciais e processos extrajudiciais está fortemente concentrada na soma dos Ministérios Públicos dos Estados. Dos cerca de 32 milhões de processos e procedimentos movimentados pelo MP em 2023, 90% tramitaram nos MPs dos Estados e do Distrito Federal. Considerando apenas as unidades maiores, o MP-MG foi quem mais trabalhou (4,9 milhões de peças), seguido pelo MP-SP (4,8 milhões) e pelo MP-RS (3,5 milhões). O MPF ficou apenas em quinto lugar, superado ainda pelo MP-RJ (três milhões) e pelo MP-PR (2,5 milhões).

Mesmo descontando o reducionismo dessas contas, que ousam somar procedimentos extrajudiciais com processos judiciais, ações cíveis e criminais, que podem ter natureza e complexidade bem diversas, o resultado dá conta da grandeza das parcelas que compõem o MP do Brasil.

Chama a atenção o destaque e a visibilidade tão maior que o MPF tem em relação aos seus pares, tanto as outras unidades que se juntam a ele para formar o MP da União (MPT e MPM), como as células do MP estadual, cada uma com sua própria imagem e identidade.

Dois fatores explicam a proeminência do MPF. Uma é sua jurisdição nacional e sua competência muito ampla para tratar de toda matéria referente à legislação e aos Direitos federais. Enquanto a atuação do MP-SP atinge os 46 milhões de cidadãos residentes em São Paulo, a do MPF tem impacto sobre os 213 milhões de brasileiros, em todo o território nacional.

A outra razão está ligada à capacidade de divulgação dos seus feitos. O CNMP, ciente da necessidade e obrigação do MP de dar publicidade a seus atos, divulga no seu painel de dados, o MP Um Retrato, o número de profissionais de comunicação de cada unidade ministerial. No painel consta que o MPF conta com a maior equipe de comunicadores entre todas as unidades do MP, tanto em números absolutos (158 servidores), como em termos relativos (um comunicador para cada grupo de dez membros). Já São Paulo é o mais modesto ou o mais mal servido neste quesito: tem apenas 22 comunicadores a seu serviço, o que dá a média de um comunicador para 96 membros (leia mais à página 19).

Em matéria de visibilidade, pode-se dizer ainda, que uma boa parte do trabalho do MP em geral é pouco notada pelo grande público e quase não aparece na mídia. Trata-se da atuação extrajudicial, justamente aquela

em que a iniciativa dos feitos está mais afeta a ele e em que ele é mais proativo. É nessa fase dos trabalhos que o MP recebe as queixas da população em geral (as chamadas notícias de fato) ou os inquéritos instaurados pela polícia. As notícias de fato podem resultar em inquéritos civis ou em procedimentos investigatórios criminais e se forem constatadas ilicitudes ou crimes, acabam sendo judicializados em forma de ação civil pública ou ação penal, os dois instrumentos judiciais feitos sob medida para o MP agir judicialmente.

No caso dos inquéritos policiais, desde que constate a ocorrência de crime, o MP é obrigado a ajuizar o feito, já que existe um entendimento de que o MP é obrigado a mover ação penal nestes casos. Em 2023, por exemplo, chegaram ao MP 1,7 milhão de novos inquéritos policiais. Ao final do ano, metade deles ainda estava em andamento. Dos que tiveram uma resolução, praticamente a metade virou ação penal. A novidade é que começa a crescer a busca pela solução negociada dos litígios, mesmo na área criminal: 5% dos casos novos criminais de 2023 foram resolvidos de comum acordo entre o MP e as partes (leia mais à página 10).

Na pauta da atuação extrajudicial, destaca-se o grande trabalho desenvolvido na área ambiental, tanto na busca de reparação de danos provocados por desastres passados, como na intervenção para remediar os efeitos da crise climática que já antecipa o futuro. Destaque para o MP-AL, que atuou na defesa das vítimas do chamado caso Braskem; do MP-RS, diante das enchentes que assolaram Porto Alegre e outras cidades do estado em 2023; e dos MP-MG e MP-ES na busca de reparação para as vítimas do rompimento da barragem da Vale, em Mariana. Em todas estas ocasiões, o MPF também esteve presente.

Outra atividade invisível do MP é no campo da tutela dos direitos da infância e da juventude. A atuação do MP na proteção dos direitos dos menores de idade está prevista tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 210) quanto no Código de Processo Civil (art. 178, II). Assim, em toda ação judicial que envolva interesses de pessoa menor de idade é obrigatória a intervenção do MP.

Já na área penal, ou melhor, nos casos de prática de ato infracional análogo a crime, o MP é o titular da ação socioeducativa. Nesta situação, a competência é do Ministério Público estadual. Em 2023, foram instaurados mais de um milhão de procedimentos extrajudiciais e recebidos quase 700 mil processos judiciais sobre a matéria.

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Como atua o MP (clique aqui para ampliar a imagem)

Mas é na área judicial que o Ministério Público cresce e aparece, o que tem duas explicações: primeiro, na área criminal, a participação do MP é obrigatória, por ser ele o titular da ação penal. Isso significa que o Ministério Público tem a função de promover a ação penal pública, ou seja, processar crimes de interesse público, como homicídios, roubos, tráfico de drogas, e outros.

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A atuação do MP na área de infância e adolescência

E segundo, o MP é o fiscal da lei: é dele a função de zelar pela correta aplicação das leis e garantir que os direitos e as garantias fundamentais sejam respeitados em todas as esferas do poder público. Nos processos judiciais, especialmente nos criminais, acompanha e fiscaliza o cumprimento das leis, garantindo que os procedimentos sejam realizados de maneira justa e equitativa. Na área cível, ainda, ele atua na defesa dos interesses coletivos e difusos, como os direitos do consumidor, do meio ambiente, do patrimônio público e cultural, entre outros, podendo propor ações civis públicas para proteger esses interesses.

É assim, pois, que mais de dois terços das manifestações do MP acontecem em processos judiciais. Foram mais de 22 milhões de processos recebidos pelo MP em 2023. Enquanto na fase extrajudicial, prevalecem os feitos criminais, na fase judicial há um equilíbrio entre 1o número de processos cíveis (10,7 milhões) e criminais (11,5 milhões).

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Sob a guarda do MP, quase 32 milhões de processos

De notar-se que, dentre os 22 milhões de processos que passaram pelas mãos de procuradores e promotores do país inteiro, apenas 1,6 milhão eram ações propostas pelo próprio MP. Chama também a atenção o crescimento do número de acordos, fruto da aplicação de inovações legislativas, como o ANPP (Acordo de Não Persecução Penal) e ANPC (Acordo de Não Persecução Cível). Pode-se acrescentar que é também uma reação em sentido contrário à fúria punitivista que atingiu seu apogeu com a finada operação “lava-jato”. O fato é que, em 2023, o Ministério Público encerrou mais de 230 mil litígios de forma consensual.

Resta dizer, por fim, que o MP são dois: o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados. Cada um com competências que os tornam completamente diferentes. Enquanto o MP dos Estados tem atuação majoritária na área criminal, no MP da União os feitos na área cível correm na proporção de cinco por um em relação à área criminal. Para isso contribui em parte o Ministério Público do Trabalho, que não atua na área criminal (o Ministério Público Militar, por sua vez, atua só na área penal).

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MPs estaduais e federais propuseram mais de 1.6 milhão de ações em 2023

Enquanto os números de feitos do Ministério Público dos Estados e do Ministério Público Federal acompanham de perto os números de processos dos respectivos ramos do Judiciário, isso não acontece com o Ministério Público do Trabalho. Entre manifestações extrajudiciais e judiciais o MPT deu trâmite, em 2023, a 632 mil

procedimentos e processos. Já a Justiça do Trabalhou julgou, no mesmo período, 4,6 milhões de processos. A melhor explicação para o fenômeno é que o Ministério Público lida com direitos coletivos e difusos, e a Justiça do Trabalho se atém, em grande parte, a ações individuais e fatos concretos.

ANUÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASIL 2024
3ª Edição
ISSN: 2675-7346
Número de páginas: 204
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur. Clique aqui para comprar a sua edição
Versão digital: gratuita. Acesse pelo site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário de Justiça

Veja quem anunciou nesta edição
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Bottini & Tamasauskas Advogados
Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
JBS S.A.
Keppler Advogados Associados
Mubarak Advogados
Original 123 Assessoria de Imprensa
Refit
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