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Agressão ao direito de sermos geoinformados pelo alerta de terremoto

Autores

  • é advogado do Porto Advogados doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra e doutor em Geografia pela Universidade de Brasília e presidente da Comissão Especial de Geodireito da OAB-SP.

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  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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22 de fevereiro de 2025, 8h00

Usuários de smartphones Android em São Paulo e no Rio de Janeiro foram surpreendidos na madrugada do último dia 14 de fevereiro por um alerta de terremoto emitido pelo sistema operacional do Google. A notificação, enviada por volta das 2h20, indicava um tremor com epicentro a cerca de 55 km de Ubatuba, no litoral paulista, e magnitude estimada de até 5,5.

Spacca

No entanto, a mensagem não partiu da Defesa Civil, que negou qualquer emissão de alerta e descartou a ocorrência de um tremor na região. A disseminação de alertas errôneos compromete a credibilidade de órgãos responsáveis pela segurança pública, como a Defesa Civil e os centros de monitoramento sísmico, conforme argumentado por Goodchild (2007), que destaca a necessidade de mecanismos de validação robustos para informações geoespaciais. Esse episódio ilustra um problema mais amplo discutido por Chukwu et al. (2024), que analisam o uso de informações geográficas colaborativas em cenários de desastre e ressaltam a importância de sistemas confiáveis para minimizar impactos negativos.

O aviso inesperado gerou pânico entre os moradores, que utilizaram as redes sociais para relatar o susto. Muitos afirmaram terem sido acordados pela notificação, enquanto outros questionaram a veracidade da informação. A situação gerou confusão e levantou preocupações sobre a confiabilidade do sistema de alertas, além dos riscos de disseminação de informações equivocadas.

Esse cenário exemplifica a análise de Tzavella, Skopeliti e Fekete (2024), que destacam que o uso de informações geográficas voluntárias em crises deve ser acompanhado de diretrizes rigorosas para evitar a proliferação de informações imprecisas. Como argumentam Apostol e Truică (2024), a propagação de desinformação em situações emergenciais pode comprometer a credibilidade de sistemas automatizados e dificultar a reação apropriada da população.

Por volta das 3h, a Defesa Civil de São Paulo divulgou um comunicado oficial informando que não havia registro de tremores no estado. O órgão destacou ainda que o Centro de Sismologia da USP e o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), responsáveis pelo monitoramento sísmico, não detectaram qualquer atividade sísmica na região. A falta de evidências reforçou a hipótese de um erro no sistema de alerta do Google. Isso ilustra um problema discutido por Chukwu et al. (2024), que analisam como o crowdsourcing geográfico pode ser útil, mas também apresenta desafios significativos quando não há um processo eficiente de checagem das informações.

Sem explicação ainda

A empresa afirmou estar investigando o incidente e explicou que seu sistema de detecção de terremotos utiliza os acelerômetros presentes nos celulares Android para identificar possíveis tremores. Segundo o Google, quando diversos dispositivos registram um movimento semelhante, um alerta pode ser gerado automaticamente.

No entanto, não foi esclarecido se o aviso enviado a moradores de São Paulo e Rio de Janeiro resultou de uma falha do sistema ou de leituras equivocadas. Esse tipo de sistema de detecção distribuída, embora inovador, também levanta questões sobre sua confiabilidade, conforme apontam Apostol e Truică (2024), que analisam o impacto de redes descentralizadas no combate à desinformação em contextos emergenciais.

A funcionalidade do Google conta com dois tipos de alertas: um menos invasivo, que respeita as configurações do celular, e outro mais intenso, que emite som alto e ativa a tela do dispositivo para advertir sobre tremores mais severos. No caso do aviso desta madrugada, a mensagem trazia também recomendações de segurança, como evitar áreas danificadas e verificar possíveis vazamentos de gás, o que contribuiu para aumentar a sensação de urgência. Como mostram Tzavella, Skopeliti e Fekete (2024), mensagens de alerta que não seguem protocolos de validação podem gerar reações excessivas e dificultar a credibilidade de alertas futuros.

O direito dos cidadãos a serem geoinformados de forma precisa foi diretamente afetado por essa situação, evidenciando a vulnerabilidade dos sistemas de alerta que dependem de sensores e algoritmos automatizados. Como destaca Ugeda (2017), o direito administrativo geográfico é essencial para garantir a confiabilidade da cartografia oficial e sua aplicação em políticas públicas, incluindo a gestão de desastres naturais.

A geoinformação correta é fundamental para a tomada de decisões em cenários de emergência e de desastres ambientais, e falhas como essa podem comprometer a confiança da população nos alertas oficiais, prejudicando a credibilidade das políticas e órgãos públicos responsáveis. Isso reforça a necessidade de protocolos mais rigorosos para evitar que informações imprecisas se espalhem e causem alarme injustificado.

Em situações de imprecisão ou falha, faz-se necessário que a empresa comunique rapidamente o ocorrido, explicando as causas do erro e as medidas adotadas para evitar reincidências. A transparência fortalece a confiança do público no sistema, pavimentando as parcerias com o Poder Público.

Campanhas de conscientização sobre o funcionamento dos sistemas de alerta sísmico também ajudariam a população a interpretar corretamente as notificações, contribuindo para evitar o pânico e para melhorar a resposta do Estado e da sociedade. Também seria importante tipificar como crime e infração administrativa os eventuais boicotes deliberados ao sistema.

Esse episódio do alerta falso de terremoto em SP e RJ destaca a necessidade da validação rigorosa das informações geoespaciais. Embora os sistemas automatizados propiciem agilidade em situações de emergência, a sua eficácia depende da integração com os centros e institutos de monitoramento oficiais e da adoção de protocolos de checagem em tempo real, permitindo assim uma dupla verificação.

Ao implementar essas inovações, será possível garantir o direito da população a ser geoinformada com precisão, fortalecendo a confiança nos sistemas de alerta e promovendo uma resposta mais eficaz em cenários de crise, que tendem a ser muito mais recorrentes em razão do problema das mudanças climáticas.

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Referências Bibliográficas

Chukwu, M., Huang, X., Wang, S., & Yang, D. (2024). Crowdsourcing geographic information for terrorism-related disaster awareness and mitigation: perspectives and challenges. Geo-spatial Information Science, Taylor & Francis. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10095020.2024.2442088

Tzavella, K., Skopeliti, A., & Fekete, A. (2024). Volunteered geographic information use in crisis, emergency and disaster management: a scoping review and a web atlas. Geo-Spatial Information Science, Taylor & Francis. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10095020.2022.2139642

Apostol, E. S., & Truică, C. O. (2024). ContCommRTD: A distributed content-based misinformation-aware community detection system for real-time disaster reporting. IEEE Transactions on…, IEEE. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/abstract/document/10570313/

Goodchild, M. F. (2007). Citizens as sensors: the world of volunteered geography. GeoJournal, 69(4), 211-221. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10708-007-9111-y

Ugeda, L. (2017). Direito administrativo geográfico: fundamentos na geografia e na cartografia oficial do Brasil. Brasília: Geodireito. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/371219832_Direito_administrativo_geografico_fundamentos_na_geografia_e_na_cartografia_oficial_do_Brasil

Autores

  • é advogado, geógrafo, pós-doutor em Direito pela UFMG, doutor em Geografia pela UnB e doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra/Portugal. Ocupou funções de gestão em diversas empresas, associações e órgãos públicos do setor elétrico, do aeroportuário e de concessões de rodovias. Autor do livro Direito Administrativo Geográfico: Fundamentos na Geografia e na Cartografia Oficial do Brasil (Geodireito, 2017), dentre outras publicações.

  • é advogado e professor da UFPE e da UFPB, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj, membro da Comissão de Direito Ambiental da COMDA/CF-OAB e do IAB, vice-presidente da UBAA e autor do livro Licenciamento Ambiental: Aspectos Teóricos e Práticos (10ª ed. JusPodivm, 2025”), dentre outras publicações.

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