Opinião

O impacto tributário no processo de recuperação judicial

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  • é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná estagiário do escritório Marins Bertoldi Advogados coordenador do Grupo de Mediação e Negociação Empresarial da UFPR e competidor do Grupo de Estudos Tributários da UFPR.

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21 de fevereiro de 2025, 16h17

Na última semana, a empresa de produtos de limpeza e higiene doméstica Bombril anunciou que ingressou com um pedido de recuperação judicial (RJ) juntamente com outras sociedades do grupo. Em nota oficial, a empresa afirmou que enfrenta contingências tributárias relevantes, que, somadas, totalizam R$ 2,3 bilhões.

Divulgação

Esse passivo decorre de uma disputa judicial sobre o não recolhimento de tributos incidentes sobre operações de aquisição de títulos de dívida estrangeiros (T-Bills), realizadas entre 1998 e 2001 pela companhia. Após decisão judicial favorável à Receita Federal, a Bombril reconheceu a dívida, o que a levou a solicitar recuperação judicial, pois parte significativa de seu caixa precisará ser provisionada para esses pagamentos, comprometendo suas demais obrigações.

Diante desse cenário, a empresa apresentou o pedido de RJ para negociar com seus credores um montante de R$ 332,8 milhões, o qual já foi deferido pelo juiz. Essa situação levanta questionamentos sobre como uma empresa pode se beneficiar de um pedido de recuperação judicial quando a maior parte de seu passivo corresponde a créditos tributários e qual o impacto tributário no processo de recuperação.

Para compreender essa questão, é essencial analisar como a Lei de Falências trata os créditos tributários e qual o trâmite do pedido de recuperação judicial.

Apresentação do pedido de recuperação judicial

Inicialmente, para apresentar a petição inicial de recuperação judicial, de acordo com o artigo 51, X, da Lei de Falências, a empresa deve juntar um relatório detalhado de todo o seu passivo fiscal[1]. Desse modo, todos os valores que estão sendo discutidos judicialmente ou administrativamente, bem como aqueles que já reconhecidos pela empresa, devem constar no processo, mesmo que não integrem o plano de recuperação.

Com o deferimento do pedido, o juiz nomeia o administrador judicial e ordena a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor relacionadas a créditos sujeitos à recuperação judicial por 180 dias, prorrogável por mais 180 dias. Esse período é conhecido como “stay period”.

Spacca

No entanto, os créditos tributários não estão sujeitos à recuperação judicial[2], pois o Fisco não pode abrir mão desses valores nem negociá-los no plano. Assim, as dívidas tributárias permanecem exigíveis, e as execuções fiscais seguem seu curso normal, sem suspensão.

O Juízo da recuperação judicial pode, contudo, determinar a substituição de bens penhorados em execuções fiscais, caso sejam essenciais à atividade da empresa, garantindo a aplicação do princípio da preservação da empresa.

Exigência de certidões negativas para concessão da RJ

A legislação exige que as empresas apresentem Certidões Negativas de Débitos (CND) estaduais, municipais e federais para a concessão da recuperação judicial. No entanto, essa exigência não é pacífica nos tribunais. Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não considerava obrigatória a apresentação dessas certidões. Contudo, com a promulgação da Lei nº 14.112/2020, o tribunal passou a exigir a comprovação da regularidade fiscal como requisito para a concessão da RJ.

Em novembro de 2024, a 4ª turma do STJ, ao julgar o Agravo Interno no Resp n.º 2065959/SP determinou que:

“1. A jurisprudência predominante atualmente nas Turmas de Direito Privado deste Tribunal é no sentido de que, com a entrada em vigor da Lei 14.112/2020 (em janeiro de 2021), é imprescindível à concessão da recuperação judicial a comprovação da regularidade fiscal das sociedades empresárias em recuperação, com a apresentação das certidões negativas de débito tributário (ou positivas com efeitos de negativa), na forma do art. 57 da Lei 11.101/2005. Precedentes.”

Apesar dessa mudança, alguns tribunais ainda relativizam essa exigência para evitar que as empresas em crise sejam impedidas de continuar operando. No caso da Bombril, por exemplo, o juiz dispensou a apresentação de CND, considerando que a maior parte do passivo da empresa era composto por créditos tributários e essa exigência inviabilizaria sua atividade.

Todavia, se a empresa protocolar seu pedido em um tribunal que siga rigorosamente a jurisprudência do STJ, de que forma ela poderá obter a Certidão Negativa de Débitos?

Emissão de CND

No âmbito Federal, para obter a CND, a empresa pode:

  • Quitar o crédito tributário: alternativa mais difícil para empresas em recuperação judicial.
  • Parcelar os créditos tributários: possibilita a regularização fiscal sem a necessidade de pagamento integral imediato.
  • Aderir à transação tributária: acordo com o Fisco para conseguir descontos nos valores de multas e juros do crédito tributários.

O parcelamento se tornou viável após a edição da Lei nº 10.522/2002, que permitiu às empresas em recuperação judicial parcelarem seus débitos em até 120 prestações. Esse modelo de parcelamento prevê prestações iniciais reduzidas, com aumentos a partir da 25ª parcela, permitindo que a empresa se reorganize financeiramente nos dois primeiros anos.

Além disso, a Receita Federal exige que, sempre que a empresa vender ativos, parte do valor arrecadado seja destinada à amortização do parcelamento, conforme estabelecido pela Instrução Normativa RFB nº 2.063/2022. Essa regra visa a evitar o esvaziamento patrimonial das recuperandas sem o devido pagamento dos créditos tributários.

Outra alternativa à regularização fiscal é a transação tributária, modalidade que permite à empresa negociar diretamente com a PGFN. Por meio dessa transação, podem ser concedidos descontos de até 70% sobre juros e multas, sem alteração do valor principal da dívida. Diferentemente do parcelamento, que fixa valores predefinidos, a transação possibilita um fluxo de pagamento mais flexível, adaptado à realidade financeira da empresa.

A PGFN e a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil frequentemente publicam editais regulamentando transações para determinados tipos de discussões tributárias. No início de 2025, por exemplo, foram lançados novos editais para adesão de contribuintes que discutem:

  1. A dedutibilidade do ágio interno em reestruturações societárias dentro do mesmo grupo econômico antes da MP 627/2013;
  2. A dedutibilidade do ágio gerado com o uso de empresa veículo, estruturada exclusivamente para viabilizar a amortização.

Assim, a recuperanda pode optar por um modelo de pagamento escalonado, com parcelas iniciais menores e aumentos graduais, acompanhando a melhora do fluxo de caixa ao longo do tempo.

Caso a empresa descumpra as obrigações assumidas na transação ou no parcelamento, o juiz pode, de ofício, convolar o processo de recuperação judicial em falência. Além disso, o parcelamento é automaticamente rescindido em caso de inadimplência de três parcelas consecutivas.

Diante disso, é essencial que a empresa organize seu caixa de forma a priorizar o pagamento das dívidas tributárias e avalie cuidadosamente a melhor alternativa para a emissão da CND.

Tributação do deságio

Após a aprovação do plano de recuperação judicial, a empresa deve observar a tributação incidente sobre o deságio negociado com os credores. Esse montante caracteriza-se como ganho de capital e, portanto, compõe a base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Para mitigar a carga tributária sobre esse ganho, a recuperanda pode utilizar prejuízos fiscais acumulados de exercícios anteriores para compensá-lo, sem limite percentual. Esse mesmo mecanismo também pode ser aplicado a ganhos obtidos com a venda de ativos, proporcionando maior flexibilidade no planejamento tributário.

Assim, ao estruturar adequadamente a compensação de prejuízos fiscais, a empresa pode reduzir ou até eliminar a tributação incidente sobre o deságio, preservando seu fluxo de caixa e facilitando sua reestruturação financeira.

Conclusão

Diante do exposto, fica evidente que a gestão tributária desempenha um papel fundamental no sucesso da recuperação judicial. A Bombril, assim como outras empresas em situação semelhante, deve adotar uma abordagem estratégica para regularizar seu passivo fiscal, conciliando a necessidade de cumprir suas obrigações tributárias com a viabilidade da reestruturação financeira.

Nesse cenário, a empresa pode firmar acordos com a Procuradoria e conseguir descontos nos créditos tributários, se beneficiar dos prejuízos fiscais anteriores para evitar o pagamento dos tributos sobre o ganho de capital do deságio, substituir bens penhorados por bens que não prejudiquem o funcionamento da empresa e pagar prestações menores no início dos parcelamentos permitindo que a empresa tenha um tempo de se reorganizar financeiramente.

Assim, ao adotar uma gestão tributária eficiente e alinhada ao plano de recuperação, a empresa não apenas viabiliza sua reestruturação financeira, mas também fortalece sua posição no mercado, criando condições para um crescimento sustentável no longo prazo.

 


[1]  Art. 51 da Lei 11.101/2005: A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

X – o relatório detalhado do passivo fiscal;

[2] Art. 187 do CTN: A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento.

Autores

  • é graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, estagiário do escritório Marins Bertoldi Advogados, coordenador do Grupo de Mediação e Negociação Empresarial da UFPR e competidor do Grupo de Estudos Tributários da UFPR.

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