Opinião

STF vai poupar aposentados de pagarem a conta da derrota da 'revisão da vida toda'?

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  • é professor advogado especialista em Previdência Social pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (Esmatra VI) e pela Escola de Magistratura Federal no Rio Grande do Sul (Esmafe-RS) e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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20 de fevereiro de 2025, 6h02

Se não há mais esperança de os ministros do Supremo Tribunal Federal desfazerem o homicídio jurídico da revisão da vida toda, que ao menos eles resolvam as questões colaterais que emergiram desse caso. Com a negativa da revisão, faz-se necessário a corte dirimir assuntos pragmáticos, onerosos e preocupantes ao parco orçamento dos aposentados brasileiros, a exemplo de deixar resolvido se vão ter ou não despesas com: a) o pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados do Instituto Nacional do Seguro Social, b) a devolução dos valores de quem conseguiu liminar para ter o aumento da revisão antecipadamente e c) o pagamento de custas judiciais e eventuais perícias contábeis.

Spacca

Tais pontos são questões acessórias que ficam atreladas ao núcleo do pedido principal submetido ao Judiciário. O STF resolveu o tema principal, mas esqueceu do acessório. Se o Supremo tivesse mantido a viabilidade do Tema 1.102 (a “revisão da vida toda”), por consequência essas questões não seriam preocupação neste momento. Todavia, como os ministros do Supremo resolveram mudar de ideia na quarta vez que se reuniram para debater o assunto, persistem as pendências. É o mínimo que os ministros podem fazer para acalantar aqueles que correm o risco de assumirem o status de perdedores nesta batalha judicial.

Tudo isso poderia ser equacionado por meio da “modulação de efeitos”, instituto jurídico que permite em casos de grande repercussão que o tribunal defina os critérios temporais, a abrangência e os efeitos da decisão. Não se sabe por qual razão o STF não fez uso desse caminho.

Somente agora esses pormenores começam a ser delineados, mas mesmo assim com certa má vontade em razão do alongamento que o julgamento vem consumindo na agenda dos ministros. Essa irritação ficou bem clara quando o ministro Nunes Marques proferiu seu voto no julgamento dos embargos de declaração da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.111. Antes mesmo de exaurir todos os recursos cabíveis, Marques já vociferou que o processo deveria ter o seu trânsito em julgado certificado imediatamente, atitude que só seria possível quando as partes desistissem de recorrer, o que ainda não aconteceu. É como se o ministro determinasse desligar os aparelhos de quem está internado na UTI, ao invés de esperar o curso clínico do paciente.

Insegurança

Com esse clima de que os ministros estão fazendo um favor à sociedade em ter que dirimir assunto de tanta relevância, é possível que nem todos os pontos de modulação de efeitos da revisão da vida toda sejam exauridos.

Modulação parcial é sinônimo de insegurança jurídica. Caso os ministros do Supremo não resolvam tudo, cada juiz espalhado Brasil afora vai ter autonomia para resolver a questão conforme seu convencimento motivado. Seria um samba de decisões conflitantes.

Os aposentados ficariam a mercê da boa-vontade dos juízes e do INSS em não penhorarem suas aposentadorias, possibilidade que ficou premente depois de o Superior Tribunal de Justiça ter aprovado o Tema 692. Este admite que a reforma de decisão judicial que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito inclusive por meio de desconto de até 30% do benefício.

Além de não ganhar a “revisão da vida toda”, o aposentado ainda poderia amargar descontos de 30% na sua renda mensal, para pagar despesas como honorários sucumbenciais, devolução de valores via tutela judicial, custas ou perícia.

O assunto causa mais preocupação ainda em razão de a revisão da vida toda ser dirimida na vigência da Lei nº 13.327 de 2016, que dispõe sobre o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência para os advogados públicos federais. Sobretudo depois que o Supremo julgou referida lei constitucional (ADI 6.053).

Desde 2016, a sensibilidade dos advogados públicos ficou mais aflorada diante da possibilidade de turbinarem seus salários em questões jurídicas de grande repercussão. Apenas nos primeiros sete meses do ano de 2024, receberam R$ 1,1 bilhão em honorários sucumbenciais (pago por quem perde a ação).

Há divergência se a revisão da vida toda representa um estoque de 24 mil, 100 mil ou 3 milhões de processos em andamento. Várias estimativas já foram lançadas. Da mesma forma que é impreciso o quantitativo de ações, o mesmo se diz sobre seu impacto financeiro.

Os representantes do INSS exageraram na matemática, pois já precificaram o impacto em R$ 46,6 bilhões e, pouco tempo depois, resolveram elevar para R$ 360 bilhões; quantia esta inclusive ratificada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que em 2022 bradou que este valor da revisão quebraria o país.

Em 2024, o ministro do STF, Dias Toffoli, também surpreendeu os aposentados em dois aspectos. Primeiro, na matemática, pois falou que a revisão da vida toda teria um impacto de absurdos R$ 540 bilhões, cerca de meio trilhão de reais. O segundo por naquela oportunidade ter funcionado como espécie de porta-voz do INSS ao dizer que não iria cobrar honorários na revisão da vida toda, mesmo o colegiado do STF não tendo se posicionado a respeito. Pela conta do ministro, se os honorários fossem fixados em 10%, o INSS poderia cobrar R$ 54 bilhões dos aposentados.

Os números são tão polêmicos como o itinerário processual da revisão. Certamente seu valor não alcança essas contas fabulosas, mas se interpretada como esperança de ganho salarial para advogados públicos é possível que haja interesse da parte deles em buscarem seu quinhão na derrota dos aposentados.

Por isso, é importante o STF afastar de vez essa ameaça. Não bastasse os aposentados testemunharem a perda dessa importante revisão, ainda terem que pagar uma conta para lá de amarga, sobretudo depois da esquisita reviravolta que os ministros impuseram ao caso.

Até agora os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e Alexandre de Moraes se posicionaram que não deve ocorrer devolução dos valores de quem ganhou liminar antecipando o pagamento. Luís Roberto Barroso e Dias Tofolli já tinha se manifestado publicamente anteriormente nesse mesmo sentido. Uma maioria se forma para que não tenha devolução de valores. E possivelmente esse risco deve ser afastado.

Contudo, não há definição sobre os honorários. Embora o advogado-geral da União, Jorge Messias, tenha se manifestado que o INSS abdicaria dos honorários de sucumbência e das custas judiciais nas ações envolvendo a revisão da vida toda, é algo incerto e apenas uma liberalidade ou promessa do representante da AGU. Basta uma mudança de ideia ou no quadro funcional que esta intenção pode se esfarelar. Não é confortável ao aposentado depender de uma promessa.

O ideal é que o Judiciário também afastasse esse risco da cobrança de honorários sucumbenciais e eventuais encargos de custas e de perícias contábeis. Seria o mínimo que a Suprema Corte poderia fazer depois do espetáculo de horrores vivenciado pelos aposentados neste intrigante caso da justiça brasileira.

Autores

  • é professor, advogado, especialista em Previdência Social pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (Esmatra VI) e pela Escola de Magistratura Federal no Rio Grande do Sul (Esmafe-RS), membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-PE, colunista da Folha de S.Paulo e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

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