Opinião

Diálogo competitivo: consensualidade nas contratações públicas

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  • é consultor legislativo no Senado Federal nas áreas de Direito Financeiro e Direito Tributário advogado tributarista contador e doutorando em Economia pela Universidade Católica de Brasília.

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19 de fevereiro de 2025, 13h18

A licitação pública sempre foi um instrumento essencial para garantir a transparência, economicidade e isonomia nas contratações públicas. Entretanto, a rigidez dos modelos tradicionais, baseados majoritariamente na Lei 8.666/1993, levou a desafios operacionais, burocratização excessiva e ineficiência na obtenção das melhores soluções para as necessidades do setor público. Diante desse cenário, a Lei 14.133/2021 introduziu a modalidade do diálogo competitivo, inspirada em experiências internacionais, com o objetivo de promover maior flexibilidade e eficiência nas contratações [1].

O diálogo competitivo é uma nova modalidade licitatória prevista no artigo 32 da Lei 14.133/2021. A administração pública pode utilizar essa modalidade para contratações complexas em que não seja possível definir previamente as especificações técnicas ou as soluções disponíveis no mercado. Assim, permite-se que a administração dialogue com os licitantes previamente selecionados para identificar a melhor alternativa antes da apresentação das propostas finais [2].

A inspiração para o diálogo competitivo no Brasil advém de modelos europeus, especialmente do Competitive Dialogue regulado pela Diretiva 2004/18/CE da União Europeia. A experiência europeia demonstra que essa modalidade é especialmente vantajosa para projetos complexos, como obras de infraestrutura, contratações tecnológicas e concessões públicas [3].

O diálogo competitivo representa um avanço significativo na adoção de soluções colaborativas entre o setor público e o privado. Essa abordagem está alinhada à tendência global de reforço da consensualidade na administração pública, reduzindo a rigidez procedimental e permitindo a escolha de soluções mais adequadas às necessidades específicas do Estado [4].

O diálogo competitivo é aplicável em situações em que a administração pública não consegue definir, de maneira precisa, os meios necessários para atender suas necessidades contratuais. Essa dificuldade pode ocorrer devido à complexidade técnica da contratação, ao fato de que as soluções disponíveis no mercado ainda estão em fase de desenvolvimento ou porque é necessário um alto nível de inovação. Dessa forma, a modalidade permite um processo interativo entre a administração e os licitantes qualificados, permitindo que, ao longo das interações, sejam desenvolvidas propostas mais adequadas e alinhadas às necessidades do setor público.

Além disso, essa modalidade se justifica quando há necessidade de soluções personalizadas ou adaptadas a requisitos específicos da administração pública. Isso é comum em projetos que envolvem grandes obras de infraestrutura, contratos de tecnologia avançada ou serviços altamente especializados. Em tais casos, o modelo tradicional de licitação não permite a obtenção de propostas que atendam com exatidão às demandas do ente público, tornando o diálogo competitivo a abordagem mais adequada para garantir a melhor solução técnica e econômica.

A condução do diálogo competitivo se processa em diversas fases distintas, cada uma essencial para garantir um procedimento licitatório justo e eficiente. Inicialmente, há a fase de publicação do edital, momento em que a administração define os critérios de participação e seleciona os licitantes aptos a contribuir para a construção da melhor solução. Em seguida, ocorre a fase de diálogos, na qual a administração mantém reuniões estruturadas com os licitantes selecionados para discutir soluções inovadoras e avaliar suas viabilidades técnicas e econômicas. Essa fase permite um intercâmbio de conhecimentos entre o setor público e privado, refinando as propostas até que se chegue a alternativas satisfatórias.

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Após a conclusão dos diálogos, inicia-se a fase de apresentação das propostas finais, momento em que os licitantes submetem suas ofertas formalizadas, ajustadas conforme as discussões anteriores. Segue-se a etapa de avaliação e julgamento das propostas, na qual a Administração analisa os critérios previamente estabelecidos e seleciona a opção mais vantajosa. Por fim, há a formalização do contrato com o licitante vencedor e a execução do objeto contratado, garantindo que as expectativas e exigências estabelecidas no processo sejam efetivamente cumpridas.

Experiência no Reino Unido e desafios no Brasil

Um exemplo relevante de diálogo competitivo foi a licitação conduzida pelo governo do Reino Unido para a construção da linha ferroviária High Speed Two (HS2). Diante da complexidade do projeto, que exigia soluções inovadoras para engenharia e impacto ambiental, o diálogo competitivo permitiu que as empresas participantes colaborassem com o governo no desenvolvimento de alternativas mais eficientes. Como resultado, a proposta vencedora incorporou tecnologias mais sustentáveis e reduziu custos operacionais em longo prazo [5].

Apesar de suas vantagens, a implementação do diálogo competitivo no Brasil enfrenta desafios como a necessidade de capacitação dos agentes públicos, definição clara dos critérios de seleção dos licitantes e estabelecimento de mecanismos de controle que garantam transparência e lisura ao processo. Ademais, a cultura administrativa brasileira, historicamente baseada em formalismos excessivos, pode dificultar a adesão a essa nova modalidade. Além disso, há riscos associados ao processo, como a possibilidade de favorecimento de determinados licitantes e a falta de critérios objetivos na condução das negociações [6].

O diálogo competitivo emerge como um importante avanço no cenário das contratações públicas no Brasil, trazendo maior eficiência e flexibilidade para a administração pública. Entretanto, sua implementação bem-sucedida exige aprimoramentos na regulação, capacitação de servidores e superação de resistências culturais. Com as devidas adaptações, o modelo tem potencial para transformar a gestão pública, tornando-a mais eficiente e alinhada com os interesses da sociedade.

 


[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. O diálogo competitivo na nova lei de licitações e contratos da administração pública. Revista de Direito Administrativo, 2021.

[2] BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Dispõe sobre licitações e contratos administrativos. Brasília, 2021.

[3] REMÉDIO, José Antônio. Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021): o diálogo competitivo como nova modalidade de licitação. Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública, 2021.

[4] SOUSA, Júlia Gardel Khayat de. O diálogo competitivo como nova modalidade de licitação. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2022.

[5] EUROPEAN PPP EXPERTISE CENTRE (EPEC). Procurement of PPP and the use of Competitive Dialogue in Europe. Luxembourg: European Investment Bank, 2018. Disponível em: https://www.eib.org/attachments/epec/epec_procurement_ppp_competitive_dialogue_en.pdf. Acesso em: 3 fev 2025.

[6] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. 5ª Edição, 2024.

Autores

  • é consultor legislativo no Senado, nas áreas de Direito Financeiro e Direito Tributário, ex-auditor no Tribunal de Contas da União, advogado tributarista e administrativista, contador, doutorando em Economia pela Universidade Católica de Brasília.

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