Na identificação das alternativas regulatórias em uma AIR, 'menos não é mais'
18 de fevereiro de 2025, 10h22
Comparação de alternativas regulatórias como núcleo de uma AIR
Um dos principais objetivos da Análise de Impacto Regulatório (AIR) é conferir maior racionalidade ao processo decisório dos órgãos reguladores. A AIR proporciona um modelo analítico para a avaliação de medidas regulatórias, estruturando a tomada de decisão em etapas pré-definidas, de modo a conferir maior coerência e embasamento técnico à formulação de normas. Por meio da AIR, busca-se garantir também que os critérios avaliativos e os métodos que o regulador utilizou para escolher determinada opção regulatória possam ser conhecidos pelos agentes interessados (stakeholders), tornando o processo de tomada de decisão mais transparente.
O núcleo central de uma AIR é a comparação dos efeitos esperados de um conjunto de alternativas regulatórias disponíveis. A procedimentalização da identificação e comparação das alternativas é o que torna o processo de decisão racional, cuidadoso e completo.
Quando a AIR é conduzida com adequada identificação e comparação de alternativas regulatórias, evita-se análises enviesadas, que se limitam a justificar decisões regulatórias pré-estabelecidas e pouco fundamentadas. A esse respeito, é importante reconhecer, como atualmente sugere a literatura acadêmica especializada, que as escolhas dos reguladores podem ser afetadas por vieses decisórios.
Fenômenos comportamentais conhecidos, como a heurística da disponibilidade, a heurística da representatividade, o viés de retrospectiva e o viés de otimismo podem contribuir para que reguladores decidam de forma “míope”, ou seja, de modo a enquadrar o problema regulatório de modo excessivamente estreito e restritivo, sem considerar todas as dimensões relevantes do problema, ou todas as alternativas decisórias disponíveis.
O reconhecimento desses efeitos, leva a necessidade de adoção de ferramentas que buscam moldar o procedimento (arquitetura) por meio do qual os reguladores realizam escolhas. E, mesmo depois de uma escolha regulatória revelar seus problemas, o chamado viés de confirmação pode levar reguladores a interpretar seletivamente informações, de forma a favorecer evidências que confirmam suas crenças preexistentes ou as políticas preferidas, ignorando as contrárias.
Por essa razão, também um aspecto crucial da metodologia da AIR é a inclusão do “status quo” (não fazer nada) como uma das alternativas analisadas. Isso é necessário, porque a ação regulatória só é desejável se atendidos dois requisitos: (1) os benefícios sociais esperados excedem os custos gerados para os agentes públicos e privados; (2) os benefícios sociais superam os custos em medida superior à alternativa de não fazer nada. Além disso, na metodologia da AIR, a avaliação do status quo deve funcionar como linha de base, uma referência necessária para comparação das alternativas consideradas.
Mapeamento de alternativas nas AIRs das agências reguladoras federais brasileiras
Os dados coletados pela pesquisa “Análise dos três anos da regulamentação da AIR no Brasil” mostram as dificuldades enfrentadas pelos reguladores brasileiros com a etapa de identificação de alternativas regulatórias. O estudo levantou dados sobre as AIRs produzidas pelas 11 agências reguladoras federais independentes, em um período de três anos iniciado em 15 de abril de 2021, quando o uso de AIR se tornou obrigatório para esses órgãos, nos termos do Decreto nº 10.411/20.
A pesquisa examinou os relatórios de AIR produzidos pelas agências e analisou a extensão dos relatórios, o número de alternativas analisadas e as metodologias empregadas. No total, foram examinados relatórios de AIR que substanciaram a aprovação de 252 atos normativos.
No que se refere à etapa de identificação de alternativas nas AIRs, uma primeira informação relevante é o fato de que apenas 3 agências (ANM, Ancine e Antaq) consideraram o status quo em todas as suas análises. Essas agências, no entanto, produziram poucas AIR e, por esse motivo, não são boas referências comparativas. Os dados da Figura 1, a seguir, mostram que o uso do status quo ainda é um desafio para as demais agências, em especial para ANS, que considerou essa alternativa em apenas 61,5% dos casos.
Figura 1 – Uso do status quo como alternativa regulatória

Além disso, em um percentual expressivo de casos, foram consideradas apenas 1 ou 2 alternativas regulatórias. O Gráfico 2, a seguir, mostra o percentual de casos em que isso ocorreu em cada agência. Os dados evidenciam que ANS, Antaq, Ancine, Anac e ANA, em mais de um quarto das AIRs que realizaram, consideraram apenas uma ou duas alternativas regulatórias. Em praticamente todas as agências, com exceção apenas da Anvisa, isso ocorreu em ao menos 10% das AIRs utilizadas.
Figura 2 – Percentual de AIRs com poucas alternativas consideradas

Poucas alternativas, pouca utilidade da AIR
Ora, se uma das alternativas deve ser o status quo, a comparação de apenas 1 ou 2 alternativas pode significar o uso da AIR apenas para confirmar uma solução pré-estabelecida.
Os reguladores brasileiros não deveriam realizar AIRs para analisar apenas uma ou duas alternativas regulatórias. Utilizar a AIR apenas para confirmar uma decisão previamente estabelecida significa dedicar esforços em uma análise que não é útil. É sabido que produzir AIRs pode ser uma atividade onerosa em termos de tempo, recursos financeiros e recursos humanos.

Além disso, nos casos em que o status quo não foi considerado como alternativa, pode-se dizer que a AIR apresenta fragilidade metodológica grave. Conforme destaca a literatura especializada, não há justificativas plausíveis para não se incluir o status quo como uma das alternativas de uma AIR. Para operacionalizar a comparação de alternativas, é fundamental que o status quo seja utilizado como referência para a comparação.
Com efeito, “menos não é mais” no contexto da identificação de alternativas de uma AIR. Se um quadro suficientemente amplo de alternativas reais e viáveis ao enfrentamento do problema não é elaborado, a AIR passa a não se prestar mais ao seu objetivo fundamental. Na prática, a decisão pode estar sendo realizada à margem da AIR, que passa a servir como mero expediente pro forma, ou mecanismo de validação a posteriori.
O objetivo deste alerta não é, tampouco, advogar pela incorporação do maior número possível de alternativas às AIRs, o que pode torná-las desnecessariamente morosas e custosas. A consideração de um número excessivamente extenso de alternativas também é um problema, e ferramentas como o teste prévio de viabilidade das alternativas é utilizado para reduzir a complexidade da análise.
No entanto, o que os dados evidenciam a respeito da implementação da AIR no Brasil ainda é um quadro de carência de análises, assim como de baixo rigor metodológico. Problemas semelhantes marcam a implementação da AIR em diversas jurisdições, inclusive em países renda alta que preveem o uso desse instrumento há mais tempo do que o Brasil. O endereçamento dessas dificuldades deve necessariamente passar por medidas de apoio institucional aos órgãos reguladores, incluindo iniciativas para melhorar o treinamento dos servidores. Quanto mais bem realizada for uma AIR, mais útil ela pode se tornar para todas as partes envolvidas.
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