Liberdade de expressão e desafios constitucionais: caso Meta e regulação digital
18 de fevereiro de 2025, 18h19
Em 7 de janeiro de 2025, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou mudanças significativas nas políticas de verificação de fatos nas plataformas Facebook e Instagram. A Meta, ao se alinhar com práticas de outras redes sociais, como a plataforma X (antigo Twitter), decidiu encerrar o programa de checagem de fatos e substituí-lo por um modelo chamado “Notas da Comunidade” [1], no qual os próprios usuários identificam diretamente informações incorretas, a eliminar a verificação de dados realizada por empresas independentes.

A justificativa dada pela Meta é que essa medida visa a proporcionar maior liberdade individual, ao mesmo tempo em que pretende reduzir a quantidade de contas de usuários “inocentes” que, de forma acidental, são removidos por publicações consideradas falsas. Contudo, a política tem gerado controvérsia ao permitir discursos que associam determinadas questões a aspectos negativos.
As mudanças na política de verificação de fatos da Meta provocaram uma série de reações no Brasil: a Advocacia-Geral da União (AGU) afirmou que o governo não se omitirá diante das decisões da Meta e afirmou que a postura da empresa poderia afetar gravemente a liberdade no país, especialmente no que se refere à propagação de desinformação. Em uma audiência pública realizada em 22 de janeiro de 2025, especialistas e representantes da sociedade civil questionaram a transparência do modelo “Notas da Comunidade” e expressaram preocupações com sua contribuição para a propagação de informações prejudiciais, a afetar a segurança jurídica e a ordem pública [2]. Pesquisadores também alertaram que decisões semelhantes das plataformas digitais, como a Meta, podem representar uma ameaça à liberdade no Brasil [3], ao permitirem a proliferação de conteúdos discriminatórios e potencialmente prejudiciais.
Embora a Meta defenda que as mudanças busquem aumentar o direito à manifestação de pensamentos, a questão central recai sobre os limites dessa liberdade em face dos direitos fundamentais protegidos pela Constituição Brasileira de 1988 e outras legislações pertinentes, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A Constituição, em seu artigo 5º, assegura a liberdade de expressão como um direito fundamental: seu inciso IV garante que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, a assegurar aos cidadãos a liberdade de se expressar, desde que não infrinja outros direitos igualmente fundamentais. A liberdade de expressão, contudo, não é absoluta, a dever ser ponderada com outros direitos, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), o direito à igualdade (artigo 5º, inciso I) e o direito à proteção contra discriminação (artigo 14).
Conflito com a Constituição
A liberdade de expressão, quando utilizada para disseminar discursos de ódio ou para propagar informações prejudiciais, como associar a identidade de gênero ou orientação sexual a doenças mentais [4], entra em um campo de tensão com a própria Constituição. O discurso discriminatório, embora possivelmente amparado pelo argumento da liberdade individual, viola princípios constitucionais fundamentais, como a dignidade humana e também contraria as normas que buscam garantir a igualdade e a não discriminação no Brasil.
A Carta Magna prevê, ainda, em seu artigo 220, que a comunicação, especialmente em meios digitais, deve se dar de maneira responsável, com a devida observância aos direitos humanos. Portanto, a decisão da Meta pode ser vista como uma forma de abrir espaço para a disseminação de discursos prejudiciais, a violar direitos fundamentais como a proteção da honra e da imagem, garantidos pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição.
O impacto dessa mudança na política da Meta tem gerado grande preocupação no Brasil, principalmente após afirmarem que a regulamentação das plataformas deve ser estabelecida pelo Congresso, e não pela Justiça [5]. De acordo com especialistas, a regulação das redes sociais precisa ser discutida e implementada de maneira transparente, com base na legislação brasileira e de forma a proteger os direitos constitucionais dos cidadãos. A AGU ressaltou que a postura das plataformas digitais, como a Meta, pode afetar a liberdade de expressão, mas também comprometer a proteção dos direitos individuais e coletivos, se não houver uma regulação clara e eficaz por parte do legislativo.
Além disso, a questão da verificação de informações é essencial para garantir que os usuários tenham acesso a conteúdos verídicos, o que implica na responsabilidade das plataformas digitais em assegurar que as informações compartilhadas não prejudiquem a ordem pública ou a saúde coletiva. No Brasil, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estabelece, em seu artigo 3º, que as políticas de governança de conteúdo digital devem ser conduzidas de forma a garantir a “proteção à privacidade”, a “garantia da liberdade de expressão” e o direito à “proteção dos dados pessoais”, entre outros. Nesse contexto, a decisão da Meta de abandonar o programa de verificação independente pode ser questionada sob a ótica da transparência e da responsabilidade, uma vez que a veracidade das informações passaria a depender de um julgamento coletivo, o que aumenta o risco de desinformação.
Meta não justifica novo plano
Em resposta à crescente pressão sobre a moderação de conteúdo nas redes sociais, a Meta tem enfrentado dificuldades para justificar sua abordagem perante a opinião pública e o governo. Em uma audiência sobre as políticas de moderação, representantes da Meta não compareceram [6], a transparecer o distanciamento da empresa em relação ao processo de regulação que está sendo discutido no Brasil. O Ministério Público Federal (MPF) também expressou preocupação com o impacto das mudanças nas políticas de moderação da Meta [7], solicitando que a empresa explique como as novas diretrizes afetarão a checagem de fatos no país.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), sancionada em 2018, também tem implicações importantes nesse debate: a norma estabelece em seu artigo 6º que os dados pessoais devem ser tratados com finalidade legítima e de maneira a garantir a necessidade e a transparência. Ao adotar o modelo de “Notas da Comunidade”, a Meta pode estar a comprometer a transparência na verificação das informações, uma vez que esse modelo depende da participação dos usuários e não de fontes independentes e especializadas. Isso pode resultar em um tratamento inadequado da informação, a prejudicar a confiança dos usuários nas plataformas e a aumentar a possibilidade de disseminação de conteúdos enganosos.
Embora a Meta tenha decidido manter a checagem de fatos ativa no Brasil, a mudança global nas suas políticas de moderação de conteúdo continua a gerar preocupações: além da atuação da AGU, a postura do Supremo Tribunal Federal em relação à moderação de conteúdo também contribui para o debate sobre as responsabilidades das plataformas. O recente posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, ao afirmar que o STF não permitirá o uso das redes sociais para a propagação do ódio, reforça a necessidade de regulamentação mais clara e efetiva [8]. Paralelamente, a decisão da Meta de flexibilizar suas diretrizes levanta preocupações sobre a coerência das práticas de moderação e o impacto dessa medida na disseminação de desinformação, especialmente diante da iminente análise do STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet [9].
O cenário se torna ainda mais relevante à luz das 78 sugestões [10] recebidas pela Advocacia-Geral da União para regulamentação das plataformas digitais, a evidenciar o esforço institucional para equilibrar liberdade de expressão e o combate à desinformação. Assim, o debate no Brasil ganha contornos ainda mais urgentes, a considerar que a atuação das plataformas digitais segue sendo questionada por sua postura diante da desinformação e dos riscos que essa dinâmica representa para a democracia.
Direitos no ambiente digital
O caso da Meta levanta, por conseguinte, uma questão central sobre o equilíbrio entre direitos no ambiente digital: embora a liberdade de expressão seja um direito garantido pela Constituição, ela não pode ser utilizada para justificar a propagação de conteúdos que prejudicam a dignidade humana e a plena convivência social. A mudança de postura da Meta, ao reduzir suas políticas de verificação de fatos e flexibilizar a moderação de conteúdo, acirra o debate sobre os desafios enfrentados pelas plataformas digitais ao tentar equilibrar interesses comerciais com suas responsabilidades legais e sociais em países com legislações robustas, como o Brasil.
Diante desse cenário, os próximos passos envolvem o aprofundamento da discussão tanto no Congresso quanto no STF, que deve retomar, ainda no primeiro semestre de 2025, o julgamento sobre a responsabilização das redes sociais pelo conteúdo publicado por seus usuários. Além da análise da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet [11], os ministros também devem avaliar a obrigação das plataformas na remoção de conteúdos prejudiciais.
Paralelamente, a Advocacia-Geral da União enviará ao STF e ao Congresso os resultados da audiência pública realizada recentemente sobre desinformação e proteção de direitos fundamentais no ambiente digital, a reforçar a necessidade de um marco regulatório mais claro e eficiente. Enquanto isso, a Meta deve em breve prestar esclarecimentos sobre suas novas diretrizes, cuja implementação parcial fora dos Estados Unidos já levanta preocupações quanto ao impacto na dinâmica da informação e na integridade do debate público no Brasil.
[1] G1. Meta cria sistema de checagem de fatos e notas de comunidade, como no X. G1, 7 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2025/01/07/meta-sistema-de-checagem-de-fatos-e-notas-de-comunidade-como-no-x.ghtml. Acesso em: 31 jan. 2024.
[2] BAND. AGU realiza audiência para discutir novas diretrizes nas redes sociais. Rádio Bandeirantes, 31 jan. 2024. Disponível em: https://www.band.uol.com.br/radio-bandeirantes/videos/agu-realiza-audiencia-para-discutir-novas-diretrizes-nas-redes-sociais-17316402. Acesso em: 31 jan. 2024.
[3] AGÊNCIA BRASIL. Pesquisadores dizem que decisões da Meta ameaçam liberdade no Brasil. Agência Brasil, 31 jan. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-01/pesquisadores-dizem-que-decisoes-da-meta-ameacam-liberdade-no-brasil. Acesso em: 31 jan. 2024.
[4] O GLOBO. Meta passa a permitir que usuários classifiquem gays e trans como doentes mentais; veja outros exemplos. O Globo, 7 jan. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/01/07/meta-passa-a-permitir-que-usuarios-classifiquem-gays-e-trans-como-doentes-mentais-veja-outros-exemplos.ghtml. Acesso em: 31 jan. 2024.
[5] ESTADÃO. Regulação das redes sociais deve ser criada pelo Congresso e não pela Justiça, dizem especialistas. O Estado de S. Paulo, 31 jan. 2024. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/regulacao-das-redes-sociais-deve-ser-criada-pelo-congresso-e-nao-pela-justica-dizem-especialistas/. Acesso em: 31 jan. 2024.
[6] CNN BRASIL. Plataformas não comparecem à audiência sobre políticas de moderação. CNN Brasil, 31 jan. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/plataformas-nao-comparecem-a-audiencia-sobre-politicas-de-moderacao/. Acesso em: 31 jan. 2024.
[7] AGÊNCIA BRASIL. MPF questiona Meta sobre mudanças nas regras do Facebook e Instagram. Agência Brasil, 31 jan. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-01/mpf-questiona-meta-sobre-mudancas-nas-regras-do-facebook-e-instagram. Acesso em: 31 jan. 2024.
[8] G1. Após decisão da Meta, Moraes diz que redes têm de respeitar leis, apesar de bravatas de dirigentes irresponsáveis. G1, 8 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/01/08/apos-decisao-da-meta-moraes-diz-que-redes-tem-de-respeitar-leis-apesar-de-bravatas-de-dirigentes-irresponsaveis.ghtml. Acesso em: 31 jan. 2024.
[9] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Andamento do Processo 1037396 – RE – Tema 987. Supremo Tribunal Federal, 31 jan. 2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5160549&numeroProcesso=1037396&classeProcesso=RE&numeroTema=987. Acesso em: 31 jan. 2024.
[10] CNN BRASIL. AGU recebe 78 sugestões para regulamentação de plataformas digitais. CNN Brasil, 31 jan. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/agu-recebe-78-sugestoes-para-regulamentacao-de-plataformas-digitais/. Acesso em: 31 jan. 2024.
[11] G1. Decisão do Meta reforça necessidade do STF julgar inconstitucional artigo 19 do Marco Civil da Internet. G1, 8 jan. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2025/01/08/decisao-do-meta-reforca-necessidade-do-stf-julgar-inconstitucional-artigo-19-do-marco-civil-da-internet.ghtml. Acesso em: 31 jan. 2024.
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