O MP brasileiro

Evolução do MP após 1988 consolida sua posição independente e autônoma

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17 de fevereiro de 2025, 9h20

*Artigo publicado na nova edição do Anuário do Ministério Público. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).

Paulo Gonet Branco - MP 2024

Paulo Gonet Branco é procurador-geral da República

O Ministério Público recebe do constituinte de 1988 um tratamento sem par, seja no plano do direito comparado — não há fiel correspondência do modelo em nenhum outro país —, seja no plano da História do nosso constitucionalismo, ao dedicar à instituição regramento minucioso e inédito.

Muito mais do que a clássica titularidade da ação penal pública, o constituinte confia ao Ministério Público a defesa da própria ordem jurídica e o patrocínio dos interesses sociais e individuais indisponíveis; portanto, atribui-lhe posição de postulador de causas para a satisfação de direitos subjetivos indisponíveis, como também está habilitado para perfilhar demandas em prol de interesses gerais e coletivos, em que não se divisam titulares de direitos subjetivos aptos a exercer pretensão.

O constituinte originário proclama o caráter permanente e insuprimível da instituição – com o que preserva o conjunto de atribuições, competências, prerrogativas, direitos e deveres, definidores da essência da instituição, contra o seu apequenamento por qualquer dos poderes, aí incluído o constituinte de revisão. O constituinte derivado não pode reduzir a natureza e extensão dos predicados que vinculou ao Ministério Público, sob pena de deturpar o desenho institucional que o constituinte originário lhe imprimiu. Seria fugir aos limites de conteúdo traçado como cláusula pétrea pelo modelo de separação de poderes estabelecido em 1988.

Nessa estampa do Ministério Público sobressai a missão de protetor do regime democrático, referência que define o parquet como guardião da democracia no país, num ofício que evoca a elevação do Supremo Tribunal Federal à altura de guardião da Constituição. Está-se a ver que as instituições se irmanam; a essencialidade do Ministério Público à função da jurisdição constitucional ¹ se torna evidente e expõe o vetor que deve orientar a sua atuação – a tutela e proteção dos princípios democráticos.

Certamente, não é apenas no desempenho das suas competências perante o Supremo Tribunal Federal que a busca dos princípios democráticos há de se desdobrar. Isso deve ocorrer em todas as instâncias jurisdicionais e em espaços de poderes outros.

O regime democrático que se impõe à promoção pelo Ministério Público é o definido pelo constituinte originário, que apresenta uma configuração em que se ressalta um modelo próprio de separação de poderes, bem como uma base axiológica descoberta nos bens tutelados pelos direitos fundamentais, tanto de defesa como os de cariz social e político. Daí o Ministério Público ser o defensor de direitos como da saúde, educação, patrimônio público, meio ambiente, direitos de crianças e adolescentes, idosos, dentre tantos outros direitos difusos e coletivos.

O Ministério Público comporta dois vetores de atuação complementares, um demandista, dirigido ao plano jurisdicional, e outro resolutivo, voltado à atuação proto ou extrajudicial.

O primeiro deles, visível nos processos judiciais, caracteriza-se por uma postura substancialmente reativa, com ênfase na propositura de ações nas diversas frentes de atuação, como a penal, da probidade administrativa e da tutela coletiva. Nesse perfil, o Ministério Público se vale dos instrumentos legais para buscar a observância e a concretização do ordenamento jurídico na via jurisdicional.

No ano de 2023, o Ministério Público brasileiro, composto de mais de 13.000 membros, ofereceu um total de 500.682 denúncias ², o que representa um aumento de 8,36% em relação ao acumulado do ano anterior ³.

Paralelamente, incrementou-se a atuação preventiva, extrajudicial, negocial e dialogada. No ano, registraram-se 21.430 termos de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público, bem como foram expedidas 15.944 recomendações, o que retrata um incremento de 17,2% em relação ao ano anterior .

Foram igualmente articuladas medidas para fornecimento de recursos humanitários e suporte social às vítimas das intempéries no estado do Rio Grande do Sul. Segundo dados do Sistema de Destinação de Recursos ao Rio Grande do Sul (Siderig), as medidas promovidas obtiveram recursos no total de R$ 74.993.735,42 .

Na área criminal e de segurança pública, percebe-se que a produção de atos de perseguição penal foi significativa, mas houve também o cuidado com a criação e operação de mecanismos e estratégias extrajudiciais, visando a gerar impactos sociais positivos. Daí as providências de fiscalização das unidades prisionais, de acolhimento de crianças e adolescentes e a realização de serviços socioassistenciais especializados na abordagem social. Deu-se seguimento à atuação orientada para auxiliar a elaboração de políticas públicas necessárias ao combate à criminalidade e às suas causas.

De especial importância foi a utilização de instrumentos de Justiça negocial, como o acordo de não persecução penal (ANPP). O ANPP foi acrescido ao Código de Processo Penal pela Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, positivando-se em lei o que previra pioneiramente a Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), posteriormente alterada pela Resolução 183/2018. A ferramenta permite que o Ministério Público ofereça ao investigado alternativas à responsabilização penal por crime de menor potencial ofensivo, indicando medidas como a reparação de danos e a realização de serviços comunitários. O acordo desafoga o sistema judiciário e conduz a solução rápida e eficaz para os fins da legislação repressiva.

Registros de 2023 apontam que o Ministério Público brasileiro celebrou um total de 78.112 acordos de não persecução penal e civil, número 8,8% maior do que no ano precedente. Reforça-se o papel do Ministério Público de agente de promoção da Justiça e da paz social.

Outro instrumento desse modelo de abordagem extrajudicial, mesmo que não procedimental, mas de considerável relevância prática, é a busca de parcerias com organizações da sociedade civil, órgãos públicos e instituições privadas, visando à promoção de ações conjuntas voltadas para o enfrentamento de problemas sociais, como a violência doméstica, a exploração infantil, a corrupção, o assédio eleitoral, utilizando abordagem multidisciplinar dos temas.

Investiu-se também em capacitação, conscientização e em campanhas educacionais, com vistas a informar a população sobre seus direitos e deveres. A estratégia tem em mira propiciar situação emancipatória dos cidadãos, com o que também se contribui para a diminuição de intervenções judiciais. Ainda que fujam das estatísticas oficiais de mensuração das atividades, essas ações expressam resolutividade direcionada à eficácia social da atuação institucional.

Têm sido ampliadas, da mesma forma, as sessões de atendimento que o Ministério Público realiza ao público. Em 2023, houve 4.275.094 eventos dessa ordem, num salto positivo anual de 16% . Destaquem-se, nesse âmbito, as audiências públicas, importante meio de diálogo e interação para a solução de conflitos sociais. Essas audiências são regradas pelo CNMP , devendo ser realizadas sob a forma de reuniões organizadas, abertas à participação de qualquer cidadão, representantes dos setores público, privado, da sociedade civil organizada e da comunidade, com o propósito de discutir situações de que decorra ou possa decorrer lesão a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A finalidade intentada é a de coletar, junto à sociedade e ao Poder Público, elementos que embasem a decisão do órgão do Ministério Público sobre a matéria, objeto da convocação, ou para que se prestem contas de atividades desenvolvidas.

A evolução do perfil do Ministério Público após a Constituição de 1988 consolidou a sua importância como instituição independente e autônoma, aparelhada para enfrentar os desafios contemporâneos e atender às demandas sociais sempre mais complexas. O fortalecimento contínuo da Instituição, tanto em suas atividades “visíveis” quanto “invisíveis”, não mutuamente excludentes, é crucial para garantir a efetividade de sua missão de promover a Justiça e defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

 


[1] A propósito também o artigo 103, parágrafo 1o da Constituição da República: “O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”.
[2] Disponível em: MP Um Retrato – a partir de 2019 | Tableau Public. Acesso em 6 dez. 2024.
[3]Destaca-se que os dados referentes a 2024 somente serão enviados pelas unidades e ramos do Ministério Público no primeiro bimestre de 2025, conforme dispõe o artigo 1º, parágrafo 2º, da Resolução CNMP 74, de 19 de julho de 2011.
[4] Disponível em: MP Um Retrato – a partir de 2019 | Tableau Public. Acesso em 06 dez. 2024.
[5] Disponível em [LINK]. Acesso em 06 dez. 2024.
[6] Disponível em: MP Um Retrato – a partir de 2019 | Tableau Public. Acesso em 06 dez. 2024.
[7] Disponível em: MP Um Retrato – a partir de 2019 | Tableau Public.
[8] Ver Resolução CNMP 82/2012, artigo 1º, parágrafo 1º.

 

ANUÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASIL 2024
3ª Edição
ISSN: 2675-7346
Número de páginas: 204
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur. Clique aqui para comprar a sua edição
Versão digital: gratuita. Acesse pelo site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário de Justiça

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