Anonimato e lavagem de dinheiro com criptomoedas: papel de mixers e tumblers na legislação
16 de fevereiro de 2025, 11h28
A natureza disruptiva das criptomoedas reside na descentralização e no pseudonimato, conferindo maior controle financeiro e privacidade aos usuários. No entanto, essa caracterização também cria oportunidades para atividades ilícitas, em especial a lavagem de dinheiro.

O anonimato verdadeiro significa que a identidade do usuário é completamente desconhecida e não rastreável. Já o pseudonimato permite a realização de transações sob um pseudônimo, que, embora não revele diretamente a identidade real, pode ser desvendado por meio da análise de dados e do rastreamento de transações na blockchain.
Característica | Anonimato | Pseudonimato |
Identidade Real | Completamente Oculta | Potencialmente Rastreável |
Rastreamento de transações | Impossível | Possível com análise de dados |
Privacidade | Máxima | Limitada |
Por sua vez, mixers e tumblers são serviços que operam como “lavanderias” de criptomoedas, dificultando o rastreamento da origem e destino dos ativos. Seu funcionamento se baseia na ofuscação da trilha de auditoria, misturando criptomoedas de diversos usuários em um único pool. As moedas são então fragmentadas, reorganizadas e redistribuídas para diferentes endereços, tornando extremamente difícil identificar a ligação entre o remetente original e o destinatário final. Os principais mecanismos de ofuscação incluem:
- Mistura de moedas: Agrupamento de transações para dificultar a vinculação entre remetentes e destinatários.
- Fragmentação: Divisão das transações em partes menores, dificultando sua rastreabilidade.
- Troca de endereços: Uso de novos endereços para mascarar a origem dos fundos.
- Atraso temporal: Introdução de atrasos aleatórios entre envio e recebimento das moedas.
Essas plataformas, ao exigir o cadastro dos usuários e monitorar as transações, possibilitam a identificação de movimentações suspeitas e a comunicação às autoridades competentes para a tomada das providências necessárias.

Nesse contexto, a utilização de mixers e tumblers para ocultar a origem ilícita de criptomoedas pode configurar o crime de lavagem de dinheiro, sujeitando os envolvidos às penas previstas na lei, que incluem reclusão e multa.
Regulamentação
A regulamentação de mixers e tumblers no Brasil enfrenta desafios significativos:
- Complexidade tecnológica: A compreensão do funcionamento desses serviços exige conhecimento técnico especializado, o que pode dificultar a elaboração de normas eficazes.
- Jurisdição e cooperação internacional: Mixers e tumblers operam frequentemente em jurisdições diversas, o que exige cooperação internacional para a investigação e repressão de crimes.
- Equilíbrio entre privacidade e segurança: A regulamentação deve buscar um equilíbrio entre a proteção da privacidade dos usuários e a necessidade de prevenir e combater a lavagem de dinheiro.
A Lei nº 9.613/1998, alterada pela Lei nº 12.683/2012[1], define o crime de lavagem de dinheiro de forma abrangente, criminalizando condutas que “ocultem ou dissimulem a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Como é apontado por Callegari, ainda que o tipo penal do artigo 1º não fale expressamente em conhecimento quanto à origem ilícita dos bens, menciona os crimes dos quais os bens são provenientes, de modo que o agente deve atuar com conhecimento da origem criminosa dos bens como proveniente dos crimes antecedentes previstos na lei e porque quer lhes conferir aparência de licitude[2]
Ativos virtuais
Em 2022, o §4º da Lei nº 14.478/22, que trata de ativos virtuais, foi regulamentado. Essa lei estabelece diretrizes importantes para o mercado de criptoativos no Brasil, trazendo mais segurança jurídica e proteção aos investidores.
§ 4º A pena será aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada, por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual. (Redação dada pela Lei nº 14.478, de 2022
Ativos virtuais são representações digitais de valor que podem ser negociadas ou transferidas digitalmente e usadas para fins de pagamento ou investimento. A definição mais comum se refere a criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum. No entanto, o conceito pode ser mais amplo e incluir outros tipos de ativos digitais, como:
- Criptomoedas: moedas digitais que usam criptografia para garantir transações e controlar a criação de novas unidades.
- Tokens: representações digitais de ativos ou utilidades que podem ser emitidas em uma blockchain.
- NFTs (Tokens Não Fungíveis): ativos digitais únicos que representam a propriedade de itens digitais ou físicos, como obras de arte, colecionáveis, etc.
- Ativos digitais em jogos: itens virtuais, moedas ou personagens em jogos online.
A utilização criminosa de mixers e tumblers levou a reações regulatórias internacionais, como demonstram os casos do Tornado Cash e do ChipMixer:
- Tornado Cash: [3]Sancionado pelo Departamento do Tesouro dos EUA por facilitar transações de hackers ligados ao grupo Lazarus, da Coreia do Norte.
- ChipMixer: [4]Desativado pelo FBI e pela polícia alemã, acusado de movimentar mais de US$ 3 bilhões em fundos ilícitos, incluindo golpes de ransomware e roubo de ativos.
Conversão para criptomoedas
A conversão de ativos obtidos de forma ilegal para criptomoedas pode, em tese, ser rastreada. No entanto, criminosos fazem uso de mixers para dificultar essa identificação, ocultando a origem dos recursos e mascarando suas movimentações. Esses serviços permitem que os detentores de criptoativos escondam os detalhes de suas transações, tornando mais desafiador para as autoridades rastrear o fluxo do dinheiro.
Ao realizar esse processo de mixagem, os envolvidos podem estar incorrendo em crime de lavagem de dinheiro, uma vez que estão deliberadamente obscurecendo informações sobre os participantes das transações. Isso reforça a necessidade de que todas as operações envolvendo criptomoedas ou aquisição de bens e serviços por meio desses ativos sejam conduzidas dentro de exchanges regulamentadas.
A utilização de mixers e tumblers para ocultar a origem de criptomoedas pode configurar o crime de lavagem de dinheiro conforme a legislação brasileira. No entanto, a regulamentação desses serviços enfrenta desafios significativos, tais como:
- Complexidade tecnológica: A compreensão dessas ferramentas exige conhecimento avançado de blockchain.
- Jurisdição transnacional: A cooperação internacional é essencial para a efetividade das investigações.
- Equilíbrio entre segurança e privacidade: É necessário evitar regulações excessivas que prejudiquem o uso legítimo de criptomoedas para proteção financeira e segurança digital.
Assim, avanços regulatórios devem buscar um modelo que coíba a utilização ilícita desses serviços sem comprometer o desenvolvimento do setor de criptoativos, promovendo transparência e segurança ao mercado financeiro digital.
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12683.htm
[2] CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98. 2 ed. ver. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 152
[3] https://exame.com/future-of-money/criptomoeda-da-tornado-cash-dispara-140-apos-justica-derrubar-sancoes-dos-eua/
[4] https://valor.globo.com/financas/criptomoedas/noticia/2023/03/15/eua-e-alemanha-fecham-servico-cripto-chipmixer-sob-acusacao-de-lavagem-de-us-3-bilhoes.ghtml
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