Trabalhador pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato?
13 de fevereiro de 2025, 11h21
Recentemente, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) foi provocado a emitir juízo de valor acerca de um caso em que se discutia a dispensa por justa causa de uma trabalhadora que teria sofrido uma dupla punição, ou seja, a empregada primeiro foi advertida e, ainda assim, teve contra si a justa causa aplicada em razão da mesma conduta praticada [1].
Justa causa x dupla punição
Questiona-se: pode o trabalhador ser duplamente penalizado por uma idêntica conduta independentemente de sua gravidade? Se isto acontecer, poderá haver alguma consequência para o empregador? E, mais, se ficar constatado que, no momento da rescisão contratual, houve dupla punição pelo mesmo fato, poderá tal decisão ser revertida pelo Poder Judiciário?
Por certo, considerando que se tratam de dúvidas do dia a dia das empresas (departamento jurídico, DP e RH), a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Lição de especialista
Do ponto de vista normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata em seu artigo 482 [3] das hipóteses que constituem justa causa para o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador.
Nesse desiderato, oportunos são os clássicos ensinamentos de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segadas Viana e Lima Teixeira [4]:
“Na definição de Evaristo de Moraes Filho, que, em notável monografia, tratou longamente da matéria, a justa causa para a resolução do contrato de trabalho ‘é todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, tornando, assim, impossível o prosseguimento da relação’. Na verdade, o que torna impossível o prosseguimento de um contrato é a força maior. E a justa causa pode ser, mesmo tacitamente, perdoada. A justa causa torna, isto sim, indesejável o prosseguimento do contrato.
(…). Como decorrência do fato de somente a falta grave justificar a resolução do contrato, e tendo o empregador a faculdade de impor penas disciplinares ao empregado, antes de adotar a medida extrema de resolução do contrato, deve haver proporcionalidade entre a punição e a falta. Mas, se uma falta, suficientemente grave para autorizar a resolução contratual, vier a ser punida, apenas, com uma sanção disciplinar menos rigorosa, terá o empregador esgotado o seu direito de punir. O princípio de non bis in idem impende a dupla punição por um mesmo fato. Assim, a exigência de proporcionalidade entre a falta e a sanção funciona, tão-somente, em favor do empregado”.
Posicionamento do TRT-SP da 2ª Região
No caso julgado pelo TRT-SP da 2ª Região, uma trabalhadora buscou a reversão de sua justa causa por ter exposto, de forma negativa, a imagem da empresa nas redes sociais, violando, portanto, o código de ética interno. A justa causa, porém, foi afastada pelo mm. juízo de primeiro grau de jurisdição, por se entender que houve a dupla punição pelo mesmo fato, o que seria vedado, decisão essa que inclusive foi mantida pela Corte Regional [5].

Dentre os fundamentos da sentença, constou que, para além de ter ocorrido a dupla punição por idêntica conduta, houve também um rigor excessivo e desproporcionalidade na aplicação da penalidade, eis que a justa causa é uma medida extremamente gravosa à vida funcional.
E ao analisar o recurso interposto pela empresa no tribunal, a juíza convocada, relatora do processo, fez a seguinte ponderação:
“Veja-se que a recorrente nada articula em seu apelo que tenha o condão de promover algum reparo na r sentença, limitando-se a evasivas em insubsistente retórica tendente a convencer que equivocada a compreensão dos fatos tal como fundamentada na origem. Entrementes, emerge incensurável a compreensão agasalhada pelo D. Juízo ‘a quo’ quanto ao rigor excessivo na duplicidade da punição empreendida pela ré ao demitir a demandante por justa causa após adverti-la pelo mesmo fato, denotando atitude de todo desproporcional na aplicação da pena capital à trabalhadora em decorrência de postagem na rede social”.
Posicionamento do TST
Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já teve a oportunidade de se manifestar num caso semelhante, envolvendo a reversão da justa causa por dupla punição, cujo entendimento caminhou no mesmo sentido [6]. Isto porque, no caso concreto julgado, o trabalhador teria sido também advertido, e, meses após, foi dispensado pelo mesmo fato.
E pautadas nas premissas fáticas registradas no acórdão regional, a Corte Superior restabeleceu a decisão do mm. juízo de primeiro grau que havia declarada nula a dispensa por justa causa. O ministro relator destacou:
“O e. TRT concluiu que é válida a justa causa no caso dos autos, sob os fundamentos de que, com base na equidade, além da gravidade dos fatos autorizarem o tempo transcorrido para uma investigação detalhada, é razoável a postura da reclamada de punição progressiva.
Registrou que ‘de acordo com os documentos juntados aos autos, o autor recebeu advertência (fls. 37) em 16/6/2018 pela apresentação de comprovante de escolaridade não autêntico, e, posteriormente, em 20/11/2018, foi dispensado por justa causa, nos termos do artigo 482, h, da CLT (‘ato de indisciplina ou insurbodinação’), pelo descumprimento das normas da empresa (‘apresentado comprovante de escolaridade não autêntico’)’. Nesse contexto, verifica-se que o delineamento fático posto pelo e. TRT não permite o enquadramento do autor na hipótese da rescisão por justa causa, sob pena de dupla punição, porquanto a conduta de apresentação de documento público falso que teria motivado a dispensa por justa causa em novembro de 2018, já havia ocasionado a punição de advertência escrita em junho de 2018”.
De resto, é forçoso recordar que no término do contrato por justa causa, para além da gravidade da falta praticada prevista no artigo 482 da CLT, deve-se analisar ainda a existência do nexo causal, a imediatidade, a proporcionalidade, a gradação da penalidade (quando possível), assim como a ausência de dupla punição pelo mesmo motivo.

Conclusão
Em arremate, se é verdade que o empregado deve estar atento para não incorrer em práticas que possam ensejar a justa rescisão do seu contrato de trabalho, de igual modo a empresa pode adotar procedimentos e formas de prevenção para evitar excessos na adoção dessa medida. Assim, mediante a criação de mecanismos internos, com regras de conduta claras e transparentes, as empresas podem investir na capacitação de seu pessoal, a fim de que os empregados possam saber com exatidão quais são os seus direitos, deveres e obrigações. E por certo que os trabalhadores, uma vez cientes das políticas empresariais adotadas por seu empregador, deverão cumpri-las, sendo oportuno o estabelecendo de um canal de comunicação eficaz para coibir quaisquer atitudes descomedidas, tanto de um lado quanto de outro, visando a manutenção do meio ambiente laboral saudável.
[1] Disponível em https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/dupla-punicao-pelo-mesmo-fato-anula-justa-causa-de-empregada. Acesso em 3.2.2025
[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[3] Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
[4] Instituições de direito do trabalho, volume I – 22ª ed. atual. – São Paulo: Ltr, 2005. Página 572/576.
[5] RORSum 1000795-41.2022.5.02.0291.
[6]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=0000388&digitoTst=84&anoTst=2019&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0122&submit=Consultar. Acesso em 3.2.2025.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!