Municipalismo, IRRF, FPM e ICMS: direito financeiro como forma de aliviar o deficit
7 de fevereiro de 2025, 15h18
Os municípios brasileiros enfrentam várias dificuldades financeiras contemporaneamente, decorrentes das necessidades prementes da população nacional, que não é acompanhada pelo crescimento do orçamento público municipal.
Em pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios, 49% dos entes municipais encerraram o ano de 2023 com déficit no orçamento, o que revela um problema grave em âmbito nacional [1].
A crise fiscal vivenciada é uma realidade. Apenas em fevereiro de 2024, os municípios acumularam um prejuízo de aproximadamente 15 bilhões de reais, em contraposição ao superávit de 900 milhões experimentado no mesmo período três anos atrás [2].
Há um desequilíbrio entre as competências materiais e os recursos financeiros que são distribuídos aos entes, de modo que as competências tributárias municipais previstas na Constituição não são suficientes para suprir as necessidades da população local, cada vez mais crescentes diante do cenário global moderno.
Nessa linha, os gestores locais atualmente dependem das transferências, voluntárias e compulsórias, de recursos oriundos do orçamento da União, como o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica), SUS (Sistema Único de Saúde), dentre outros.
Ademais, o desequilíbrio orçamentário traz preocupações sérias a todo nosso país, visto que os gestores acabam realizando empréstimos com as instituições de fomento, que são avalizados pelo Tesouro Nacional, o que pode proporcionar um grave comprometimento das contas públicas nacionais, prejudicando a estabilidade fiscal brasileira.
Planejamento fiscal de longo prazo
Dentro dessa linha, deve-se pensar numa modificação mais profunda, para que os gestores locais se comprometam com pactos de gestão, orientados por um planejamento fiscal de médio e longo prazo, com responsabilização pessoal, diante da seriedade do assunto que é o equilíbrio das contas públicas.
Ademais, os gestores também devem estar atentos às recuperações de receitas proporcionadas por ações judiciais relativas ao direito financeiro, a exemplo de questionamentos sobre o IRRF [3] (Imposto de Renda Retido na Fonte), deduções ao FPM (Fundo de Participação dos Municípios), o repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), dentre outros.

Tais medidas, ainda que isoladamente não sejam suficientes para resolver o problema da estabilidade fiscal, que demanda uma solução mais abrangente e planejada, podem auxiliar os gestores a recuperarem receitas públicas municipais, fazendo frente aos gastos cotidianos.
Arrecadação de municípios
Quanto ao IRRF, travou-se uma interessante discussão quanto à interpretação do artigo 158, I, da Constituição, no sentido de que cabe aos municípios “o produto da arrecadação do imposto da União sobre rendas e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”.
No ponto, nunca houve dúvidas sobre a parcela do IRRF relacionado com os valores pagos pelos municípios a seus servidores e de suas autarquias, de forma a ser incontroverso que os respectivos valores ficariam nos cofres públicos municipais, a despeito da natureza federal do imposto em questão.
Todavia, pairava um debate sobre os valores do IR relacionado com as empresas contratantes com o poder público, de modo que a Receita Federal possuía uma interpretação restritiva, formalizada na Solução de Consulta nº 166/2015, da Cosit, que aduzia:
Os Municípios podem incorporar diretamente ao seu patrimônio apenas o produto da retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre rendimentos do trabalho que pagarem a seus servidores e empregados. Por outro lado, entende-se que deve ser recolhido à Secretaria da Receita Federal do Brasil o Imposto de Renda Retido na Fonte pelas Municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por estas a pessoas jurídicas, a exemplo do caso concreto narrado na presente consulta.
Municípios x Receita Federal
Pelo entendimento esposado na citada consulta, aos municípios caberia apenas o IRRF relacionado com os rendimentos pagos a seus servidores, enquanto a parcela referente a rendimentos pagos a pessoas jurídicas, a exemplos de fornecedores contratados, deveria ser recolhida diretamente à Secretaria da Receita Federal.
O STF (Supremo Tribunal Federal) pacificou o tema por intermédio da tese de repercussão geral nº 1.130, que deduziu:
Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal [4].
Portanto, atualmente a matéria se encontra pacificada, de modo que cabe aos municípios os valores do IRRF devidos inclusive pelas pessoas jurídicas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços, sendo uma fonte de receita que pode ser recuperada quanto aos cinco anos anteriores.
Constitucionalidade de deduções e incentivos
Quanto à constitucionalidade ou não das deduções de incentivos e valores destinados a outros fundos para a definição do montante do FPM, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria no âmbito do RE (Recurso Extraordinário nº 1.362.061, Tema 1.275 [5], que recebeu a seguinte descrição:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 159, I, b, e § 1º, 160 e 162, caput, da Constituição Federal, e art. 72, I e II, e §§ 2º e 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, se é consentâneo com o regramento constitucional de repartição das receitas tributárias o cálculo efetuado pela União para definição do total a ser destinado ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), ante a dedução de valores relativos a incentivos e de parcelas de outros fundos constitucionais atrelados a receitas provenientes dos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados, assim como a prevalência do Balanço Geral da União sobre as portarias da Secretaria do Tesouro Nacional para fins de repasse ao FPM.
O tema envolve debates sobre a composição da base de cálculo do FPM, quanto aos seguintes pontos: aplicação das portarias da STN (Secretaria do Tesouro Nacional), e não do Balanço Geral da União; dedutibilidade dos valores relacionados com o PIN (Programa de Integração Nacional) e o Proterra (Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste), de valores do FSE (Fundo Social de Emergência), do FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) e de restituições do IRRF.
O STF chegou a reconhecer a inconstitucionalidade da dedução da base de cálculo do FPM dos valores relacionados ao PIN e ao Proterra, no âmbito da tese de repercussão geral nº 1.187, reafirmando a jurisprudência então pacificada na corte, em tese favorável aos municípios.
Contudo, a discussão foi reaberta no Tema 1.275, de modo que a definição sobre o caso ainda está pendente de deliberação no âmbito do STF.
Repasse de estados aos municípios
Por fim, o STF decidiu que os estados devem repassar aos municípios 25% do ICMS mesmo em casos de compensação e transação [6], por deverem essas categorias de extinção de crédito tributário ser enquadradas como arrecadação, em tese que também beneficia os municípios, por não prejudicar os seus repasses nessas hipóteses.
Tal deliberação se deu no âmbito da ADI 3.837, decidida em 20 de setembro de 2024 pelo STF.
As discussões relacionadas com a recuperação de receitas por parte dos municípios em face da União claramente possuem uma simpatia maior do Judiciário, mormente do STF, quando em comparação com discussões semelhantes envolvendo empresas, onde comumente há a modelação dos efeitos, para que as decisões surtam efeitos apenas para o futuro, sem a possibilidade da restituição de valores não atingidos pela prescrição.
Isso revela que o Supremo é sensível às aflições dos municípios, que sabidamente passam por dificuldades orçamentárias, dependentes que são dos repasses federais, problemas que decorrem principalmente das iniquidades dos modelos tributários e federativos atualmente em vigor.
Desta forma, diante das dificuldades orçamentárias enfrentadas pelos municípios, as teses de direito financeiro podem aliviar o déficit das contas públicas, como forma de proporcionar a recuperação de receitas municipais, em matérias já debatidas ou a serem discutidas no âmbito do STF.
Ainda que não resolva, por si só, o problema da estabilidade fiscal municipal, os gestores devem estar atentos às oportunidades de recuperação de receitas públicas, cientes de que, na dificuldade, o que aparenta ser pouco, pode ser o suficiente para a resolução de alguns problemas relacionados com a realidade municipal.
[1] Disponível em: < www.conjur.com.br/2024-out-14/municipalismo-brasileiro-uma-discussao-necessaria >. Acesso em: 01 fev. 2025.
[2] Disponível em: < www.conjur.com.br/2024-mai-10/financas-municipais-e-os-desafios-do-federalismo-fiscal-no-brasil/>. Acesso em: 2 fev. 2025.
[3] Disponível em: < www.conjur.com.br/2024-jul-22/recuperacao-do-ir-por-estados-e-municipios-das-contratacoes-publicas-dos-ultimos-5-anos/ >. Acesso em: 2 fev. 2025.
[4] Disponível em: < portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6023158&numeroProcesso=1293453&classeProcesso=RE&numeroTema=1130>. Acesso em: 2 fev. 2025.
[5] Disponível em: < portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6314743&numeroProcesso=1362061&classeProcesso=RE&numeroTema=1275>. Acesso em: 2 fev. 2025.
[6] Disponível em: <www.jota.info/tributos/estados-devem-repassar-25-do-icms-a-municipios-mesmo-em-casos-de-transacao-diz-stf>. Acesso em: 2 fev. 2025.
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