Direito do Agronegócio

Contrato de parceria agrícola e aspectos fiscais

Autor

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito SP e Ibet sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

    Ver todos os posts

7 de fevereiro de 2025, 11h24

1. Contrato de parceria no Estatuto da Terra e tributação da renda

Em outra oportunidade, em nossa coluna, já tratamos dos efeitos fiscais voltados aos contratos agrários [1], todavia, o tema continua de grande relevância, razão pela qual optamos em trazer novas ponderações.

Como é de conhecimento, para a disciplina jurídica de referido negócio jurídico temos legislação especial, mais especificamente a Lei nº 4.504/64, denominado “Estatuto da Terra” (ET), bem como o Decreto nº 59.566/65.

Daí porque, o artigo 92 do ET enuncia que:

“Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

§1° O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido em parceria.”

Por sua vez, o Decreto nº 59.566/96, estabelece em seu artigo 1º que o “arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquêle que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra – e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril de 1966”.

Trata-se de um contrato voltado a disciplinar de forma especifica como se irá desempenhar no imóvel rural determinada atividade agrícola, agropecuária, agroindustrial, entre outras (destinação econômica).

Cuidando exatamente do contrato de parceria, o artigo 4º, do Decreto citado esclarece que este seria o negócio jurídico:

“…pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso especifico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da fôrça maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (artigo 96, VI do Estatuto da Terra).

Parágrafo único. para os fins dêste Regulamento denomina-se parceiro outorgante, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo seu chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parcerias definidas no art. 5º.”

 O ET, por sua vez, em seu artigo 96, estabelece entre os princípios do contrato de parceria agrícola, cabendo destacar:

“(…)

VI – na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

a) 20% (vinte por cento), quando concorrer apenas com a terra nua; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

b) 25% (vinte e cinco por cento), quando concorrer com a terra preparada; (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

c) 30% (trinta por cento), quando concorrer com a terra preparada e moradia;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

d) 40% (quarenta por cento), caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

e) 50% (cinqüenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea d deste inciso e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração, e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinqüenta por cento) do número total de cabeças objeto de parceria;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

f) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinco por cento) do rebanho e onde se adotarem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido;  (Redação dada pela Lei nº 11.443, de 2007).

g) nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro;

VII – aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei.

(..)

§1º Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:   (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

 I – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

II – dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;  (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

III – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).

 

O contrato de parceria agrícola, portanto, ao contrário do arrendamento, envolve a cessão do imóvel rural, sendo a contraprestação onerosa resultante da partilha de riscos na exploração da atividade rural. O compartilhamento de riscos, por sua vez, cumulativos ou não, seriam: (1) – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; ou (2) – os frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no ET no artigo 96, VI; ou (3) – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.

Dentro desta perspectiva, interessante notar que a partilha de riscos que caracteriza o contrato agrário não exige a adoção cumulativa de todas as variantes estabelecidas na legislação (caso fortuito ou força maior; frutos, produtos ou lucros; variação de preço), bastando uma delas, uma vez que autoriza expressamente a lei que uma única hipótese seja estabelecida (“mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos”).

Mais do que isso, a tarifação de percentuais, prevista no artigo 96, VI, que varia entre 0% a 75%, é direcionamento de partilha de riscos unicamente para “participação dos frutos da parceria”, não prevendo para o caso fortuito ou força maior, muito menos para variação de preço dos frutos. Equivale dizer: as demais hipóteses de partilha de riscos não estão, forçosamente, vinculadas aos percentuais descritos no artigo 96, VI.

Spacca

Seguindo para a legislação fiscal relacionada ao contrato de parceria agrícola, notadamente, quanto à tributação da renda, atualmente, temos o Decreto nº 9.580/2018 (RIR), Instruções Normativas SRF 83/2001 (pessoa física) e 1700/2017 (pessoa jurídica).  Por sua vez, em relação à noção de atividade rural e seus reflexos fiscais temos, principalmente, os seguintes textos normativos: (1) – Lei nº 8.023/90; (2) – artigo 6º da Medida Provisória nº 2.159-70, de 24 de agosto de 2001; (3) – artigo 22-A e 25, da Lei nº 8.212/91 (com os acréscimos da Lei nº 10.256/2001); (4) – INs SRF 83/2001 e 1.700/2017; (5) – Decretos  9.580/2018 e 3.048/99.

Quanto ao nosso tema, cabe destacar o disposto no artigo 13, da Lei nº 8.023/90, que enuncia: “Art. 13. Os arrendatários, os condôminos e os parceiros na exploração da atividade rural, comprovada a situação documentalmente, pagarão o imposto de conformidade com o disposto nesta lei, separadamente, na proporção dos rendimentos que couber a cada um”.

O Regulamento do Imposto sobre a Renda, em seu artigo 52, na “Subseção II – Dos arrendatários, dos condôminos e dos parceiros”, explicita:

Art. 52. Os arrendatários, os condôminos e os parceiros na exploração da atividade rural, comprovada a situação documentalmente, pagarão o imposto, separadamente, na proporção dos rendimentos que couber a cada um (Lei nº 8.023, de 1990, art. 13 ).Parágrafo único. Na hipótese de parceria rural, o disposto neste artigo aplica-se somente em relação aos rendimentos para cuja obtenção o parceiro houver assumido os riscos inerentes à exploração da atividade.”

A Lei nº 8.023/90 estabelece que a tributação da renda para os parceiros se dará nos termos de referida legislação, o que implica em dizer que as receitas decorrentes de referido contrato de parceria seguirão, na proporção da divisão estabelecida no instrumento jurídico, a forma de tributação mediante dedutibilidade das despesas e custos, por meio do livro caixa, ou, via arbitramento em 20%.

2. Recente precedente do Carf a respeito do contrato de parceria

Analisando aspectos tributários quanto o imposto sobre a renda, tivemos recente decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), onde se afirmou:

“CONTRATO DE PARCERIA RURAL. SIMULAÇÃO.

O Contrato de Parceria Rural possui características próprias, sendo indispensável que ambas as partes contratantes realizem a atividade rural e arquem com os riscos inerentes da atividade para que possam dividir, da forma como foi acordado, os rendimentos decorrentes do exercício da atividade.
Resta caracterizada a simulação do Contrato de Parceria Rural, pois, além de ter sido formalizado por pessoas físicas que são também sócias indiretas da pessoa jurídica contratante, o resultado positivo da atividade rural é transportado à empresa, onde a tributação é bem menor e as despesas são concentradas nas pessoas físicas, por meio de manobras contábeis acordadas de acordo com a conveniência das partes, de forma que nunca se dê pagamento de tributos pelas pessoas físicas”
[2].

Referida decisão traz pontos, em sua ementa, que cabe destacar: (1) – indispensável que ambas as partes contratantes realizem a atividade rural; (2) – que arquem com os riscos inerentes da atividade; (3) – para que possam dividir, da forma como foi acordado, os rendimentos decorrentes do exercício da atividade; (4) – haveria simulação, além de ter sido formalizado por pessoas físicas que são também sócias indiretas da pessoa jurídica contratante; (v) – o resultado positivo da atividade rural é transportado à empresa, onde a tributação é bem menor e as despesas são concentradas nas pessoas físicas.

3. Reflexões a partir da decisão

Valendo-se desta recente decisão do Carf e trechos da ementa, sem fazer juízo de valor do caso concreto, uma vez que não tivemos acesso a todos os elementos, convém trazer algumas reflexões.

A primeira reflexão se dá no trecho que afirma “indispensável que ambas as partes contratantes realizem a atividade rural”. É fato que, seja o parceiro outorgante, como o parceiro outorgado, conforme ET, ao estarem  diante de um contrato agrário, ambos agem em conjunto na exploração rural do imóvel rural, sobretudo, mediante a partilha de riscos.

Todavia, isto não significa dizer que o parceiro outorgante, que consiste naquele que cede o imóvel rural, deve, de fato, exercer a atividade rural, podendo o contrato naturalmente estabelecer que esta incumbência será exclusiva do parceiro outorgado. Isto é muito relevante, pois, independentemente de ceder somente o imóvel rural, sem ter atribuições relacionadas à condução do exercício da atividade rural, mesmo assim, a natureza de sua receita, dentro do contrato de parceria, há de ser decorrente desta atividade, e, por conseguinte, regida pela Lei nº 8.023/90. Sendo assim, dizer que ambas as partes devem realizar a atividade rural, não pode ser compreendido com a imposição de que, parceiro outorgante e outorgado, estejam de fato na condução em conjunto da exploração do imóvel.

De outro lado, afirma que, neste negócio jurídico, ambos devem arcar “com os riscos inerentes da atividade”, isto é, forçosamente, sendo uma característica do contrato de parceria, há de se prever, de forma cumulativa ou isolada, uma das modalidades previstas no ET, quais sejam: (1) – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural; ou (2) – os frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no ET no artigo 96, VI; ou (3) – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. Deste modo, não há dúvida da necessidade de se estipular o risco a ser partilhado.

Já, em outro trecho, esclarece “para que possam dividir, da forma como foi acordado, os rendimentos decorrentes do exercício da atividade”. Esta passagem da ementa do julgado revela que, no contrato de parceria, há necessidade de divisão de resultado, conforme previsto no instrumento jurídico. Como há de ser feita referida divisão? Naturalmente, dependerá da divisão dos riscos envolvidos e das atribuições estabelecidas entre as partes, podendo se valer frutos, produtos, lucros ou outras formas de ajustes. Sendo que, no caso de a divisão se dar dos frutos, produtos ou lucros, caberá atentar aos percentuais estabelecidos no artigo 96, VI, ET. Com isso, diante da divisão dos rendimentos, cada um dos parceiros tributará na proporção do contrato, segundo as regras estabelecidas pela Lei nº 8.023/90.

Afirma, ainda, que haveria simulação do contrato de parceria, pois, foi formalizado “por pessoas físicas que são também sócias indiretas da pessoa jurídica contratante”. Embora a ementa traga esta afirmação, naturalmente, não é possível sustentar a simulação pelo simples fato de que as partes contratantes tenham algum grau de dependência, como, por exemplo, no caso de os parceiros outorgados serem sócios da pessoa jurídica que cede o imóvel rural (parceira outorgante). Além de não existir impedimento legal, é comum e usual optar pela manutenção dos imóveis rurais no patrimônio da pessoa jurídica, o que não implica em qualquer tipo de vedação em se realizar parceria rural ou outro tipo de negócio com os sócios ou pessoas dependentes.

Por fim, entende que a simulação decorreria, principalmente, do fato de que o “resultado positivo da atividade rural é transportado à empresa, onde a tributação é bem menor e as despesas são concentradas nas pessoas físicas”.

Este trecho merece alguns apontamentos.

O primeiro deles é de que, pela própria natureza do contrato de parceria, uma parcela dos frutos, produtos ou lucros será “transportada” ou será da titularidade da pessoa jurídica como parceira outorgante, não sendo simulação esta divisão dos resultados, muito menos em virtude de existir uma economia tributária.

O mesmo há de ser dito quanto às despesas decorrentes do exercício da atividade rural. A concentração das despesas na pessoa física, ou seja, no parceiro outorgado também não seria, por si só, uma ilegalidade, muito menos conduz à simulação. Importante lembrar que, nos termos do Estatuto da Terra, é plenamente possível inexistir despesa vinculada ao parceiro outorgante quando este “concorrer apenas com a terra nua”, cabendo ao parceiro outorgado a incumbência de conduzir a exploração da atividade rural em seu nome, ficando, naturalmente, toda a despesa e investimento sobre sua responsabilidade.

O reflexo, por outro lado, de uma hipótese como esta, plenamente possível e legal, é que, na divisão dos riscos, o contrato preverá uma partilha de frutos, produtos ou lucros, respeitando a tarifação em lei de até 20%. Aliás, o ET, expressamente, utiliza a expressão “lucros” como uma das hipóteses de divisão de riscos e partilha dos frutos, onde nos leva a concluir que a parcela que será destinada (ou transferida) ao parceiro outorgante, nos percentuais estabelecidos em contrato, já seria líquida, isto é, decorrente da apuração do lucro.

De tal sorte, mais uma vez, há de se ter cautela com a afirmação no sentido de que “resultado positivo da atividade rural é transportado à empresa, onde a tributação é bem menor e as despesas são concentradas nas pessoas físicas”, na medida em que é plenamente possível, juridicamente, sem simulação, ter despesa concentrada na pessoa física como parceira outorgada, destinando ao parceiro outorgante (pessoa jurídica), o resultado líquido (lucros), mesmo que tenha economia tributária, na análise de todo o contexto da operação.

 


[1] CALCINI, Fabio Pallaretti. Efeitos fiscais para os contratos de parceria e arrendamento. Coluna Direito do Agronegócio, CONJUR, 25/08/2017: in  https://www.conjur.com.br/2017-ago-25/direito-agronegocio-efeitos-fiscais-contratos-agrarios-parceria-arrendamento/

[2] – CARF, 2ª Seção, Ac. 2101-002.929 – 2ª SEÇÃO/1ª CÂMARA/1ª TURMA ORDINÁRIA SESSÃO DE 5 de novembro de 2024.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!