Carf e Receita impedem compensação de crédito regular dos contribuintes
1 de fevereiro de 2025, 17h24
Decisões recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) têm chancelado

Os contribuintes sustentam que o indevido pagamento das contribuições se dá tanto em razão da extinção da obrigação tributária pela decadência, quanto pelo fato de a empresa, no período reclamado, estar submetida ao regime da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) e, portanto, desonerada da contribuição previdenciária patronal. Mas o Carf mantém os despachos decisórios por entender que a autoridade fiscal não teria competência para reconhecer a ilegalidade dos pagamentos, diante da coisa julgada operada entre as partes na reclamatória trabalhista (v.g. acórdãos 2201-010.130 e 2201-011.885).
O Código de Processo Civil define coisa julgada como o atributo da decisão judicial de mérito de tornar-se imutável e indiscutível após esgotadas as possibilidades recursais (artigo 502). Sob a perspectiva objetiva, a coisa julgada alcança a questão principal expressamente decidida e a questão prejudicial relacionada ao mérito da lide (artigo 503), enquanto sob a perspectiva subjetiva atinge somente as partes entre as quais é formada, sem prejudicar terceiros (artigo 506).
Essas disposições suscitam a incorreção do entendimento do Carf.
O artigo 791 da CLT prevê que são partes da reclamatória trabalhista os empregados e os empregadores. Logo, a União não compõe a lide laboral, salvo na hipótese do artigo 832, § 4º,da CLT, em que deve ser intimada acerca das decisões homologatórias de
Nessa linha, inferem-se dois pontos de relevo: (1) a condenação da reclamada ao pagamento das contribuições previdenciárias não se insere nos limites objetivos da coisa julgada, pois é situada fora dos contornos da lide; e (2) a União não é parte da reclamatória trabalhista, de forma a não se beneficiar, nem se prejudicar pela coisa julgada trabalhista.
Quanto ao primeiro ponto, não se ignora que, na prática, é praxe constar das condenações trabalhistas o comando do pagamento das contribuições previdenciárias sobre os valores reconhecidos. Com a edição da EC nº 45, o juízo trabalhista passou a deter competência para executar de ofício as contribuições sociais decorrentes das suas condenações, nos termos do artigo 114, VIII, da Constituição. Todavia,
Nos termos do artigo 203 do CPC, a sentença consiste no pronunciamento do juiz que põe fim à fase de conhecimento do procedimento comum ou que extingue a execução. Quando proferida com resolução do mérito, enfrenta-se o pedido formulado (artigo 487, CPC), decidindo-se a causa nos limites em que está proposta, sendo vedado conhecer de questões não suscitadas pelas partes, quando a lei exigir essa iniciativa (artigo 141, CPC).
Nessa linha, a partir da premissa de que o pedido da reclamatória trabalhista, tecnicamente, não comporta o pleito de condenação da parte reclamada ao pagamento das contribuições previdenciárias, em razão da ilegitimidade ativa do Reclamante, não se pode atribuir a eventual comando nesse sentido natureza jurídica de sentença – ainda que incluído do documento assim denominado.
A sentença condenatória trabalhista tem força de lei entre as partes reclamante e reclamada no que diz respeito às relações jurídicas discutidas no processo. Essas relações, uma vez reconhecidas pelo juízo, podem gerar efeitos na esfera patrimonial da União, pois implicam o reconhecimento da ocorrência da hipótese tributária das contribuições previdenciárias. Esses efeitos, porém, são estranhos ao processo. Essa repercussão do provimento judicial sobre relações jurídicas estranhas ao processo é denominada pela doutrina processualista como efeito reflexo da sentença e, com tal, não está abrangida pela coisa julgada.
A corroborar que a condenação da parte reclamada ao pagamento das contribuições previdenciárias nada mais é do que efeito reflexo da sentença trabalhista, acrescenta-se que a União sequer depende de reclamatória trabalhista para lançar as contribuições. Basta que a União identifique, em fiscalização, que houve o pagamento de rendimentos de natureza remuneratória, conforme reconhecido pelo Poder Judiciário (REsp 575.086/PR) e, inclusive, pelo próprio Carf (acórdão 2402-012.803).
Vale dizer, a obrigação tributária decorrente das relações trabalhistas discutidas na reclamatória subsiste e se mantém hígida, independentemente de qualquer condenação.
O emprego da expressão ‘por qualquer motivo’
Quanto ao segundo ponto, a legislação deixa claro que a União não é parte do processo trabalhista e, via de consequência, não é atingida pela coisa julgada. Mesmo na hipótese de vir a se pronunciar acerca dos cálculos de liquidação, a homologação do juízo possui natureza de decisão interlocutória (artigo 203, § 2º, CPC), que não faz coisa julgada. Vale dizer, que essa manifestação não impede a rediscussão do cálculo em outras searas, dentro dos âmbitos das suas competências, a teor do artigo 502 do CPC.
É importante acrescentar que essa adstrição da coisa julgada trabalhista exclusivamente às partes do processo é reconhecida pela própria administração federal. Nos termos do artigo 172 da IN INSS nº 28/2022, chancelada pelo STJ por meio do Tema 1.188 de recurso repetitivo: “A reclamatória trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só, não produz efeitos para fins previdenciários”.
Mesmo diante do expresso reconhecimento judicial da existência de vínculo laboral e do exercício do trabalho dentro de determinado período, o cômputo do tempo de serviço perante o INSS exige do segurado a comprovação, sendo insuficiente para tal fim a apresentação apenas da sentença proferida na Reclamatória.
Ainda, o artigo 73 da IN RFB nº 2110/2022 obriga a Receita a efetuar o lançamento de ofício das contribuições devidas à Seguridade Social decorrentes de sentença condenatória trabalhista caso, por qualquer motivo, não houver a execução de ofício pela Justiça do Trabalho. O emprego da expressão “por qualquer motivo” implica que a Receita não está adstrita à sentença condenatória trabalhista.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!