Opinião

Reforma da tributação sobre renda e splitting familiar: adequação à realidade brasileira?

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  • é mestre em Direito Constitucional e Processo Tributario na PUC-SP especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu MBA em Gestão Fiscal na Trevisan Escola de Negócios advogada atuante no contencioso tributário estratégico e consultivo e integrante do Grupo de Pesquisas em Processo Civil - Tradições Transformações e Perspectivas Avançadas da PUC-SP.

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28 de abril de 2025, 15h17

No último dia 23 de abril, especialistas em Direito Tributário defenderam em audiência pública na Câmara dos Deputados novo método para o cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), baseada na capacidade contributiva das famílias e não de cada membro da entidade. Tendo em vista o splitting familiar na tributação sobre a renda não ser um tema regularmente debatido e até mesmo conhecido, sem qualquer intenção de esgotar o assunto, parece oportuno o diálogo sobre alguns de seus aspectos.

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A teoria do splitting familiar sofre influência do Direito Comparado, sobretudo do modelo norte-americano de tributação conjunta entre cônjuges, apoiando-se na premissa de que a renda auferida por uma família deve ser considerada de forma unitária para fins de tributação, porém, considerando aspectos de cada um dos membros a fim de promover a composição da base de cálculo e alíquotas.

Andrei Pitten Velosso define o splitting nos seguintes termos:

“No splitting, as rendas são acumuladas, mas não são tributadas como se fossem uma unidade. Efetua-se uma “redistribuição” das rendas antes da incidência tributária: elas são acumuladas, divididas (imputadas igualmente aos membros da unidade familiar) e, por fim, sujeitas à tributação em separado. Há duas formas básicas de splitting. No splitting conjugal, a divisão da renda é restrita aos cônjuges, independentemente da existência de filhos. É o sistema adotado nos Estados Unidos, na Alemanha, na Irlanda e em Portugal. No splitting familiar ou quociente familiar, adotado na França, a renda não é dividida apenas entre os cônjuges, mas também entre os filhos dependentes. É um sistema mais elaborado que o splitting conjugal, pois considera, na própria divisão das rendas, as invariáveis despesas que os casais têm com os filhos” [1].

Tal sistemática permitiria a realização de maior equidade fiscal, ajustando a tributação à real capacidade contributiva do conjunto familiar.

Esse modelo de tributação ganhou na década de 1940, com o advento do “income splitting” nos Estados Unidos, visando corrigir distorções na carga tributária entre famílias com igual renda, mas com diferentes arranjos familiares [2].

Na França há uma combinação entre cônjuges e alíquotas progressivas consoante a situação familiar, atribuindo-se número de cotas aos membros [3].

De modo abstrato, a adoção do splitting familiar encontra respaldo no princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal.

Tributação mais justa e declarações mais transparentes

Ademais, esse modelo tem potencial concretizador da isonomia material, na medida em que, ao permitir a divisão da renda familiar, evita que famílias com estruturas semelhantes sejam tratadas de forma desigual pelo sistema tributário, apenas por diferenças na titularidade formal dos rendimentos. Outrossim, especificidades dos núcleos familiares, a exemplo de cuidados médicos permanentes, também sejam considerados na formação da base tributável.

Spacca

Em termos práticos prático, a adoção do splitting familiar permitiria a aplicação de alíquotas mais justas, notadamente em regimes de imposto de renda progressivo.

Oportuno esclarecer que a progressividade, ao incidir sobre rendas elevadas com alíquotas maiores, pode gerar distorções quando aplicada sobre a renda de um único membro da família, ignorando sua finalidade de sustento de vários indivíduos.

Considerando os aspectos sociais brasileiros, nos quais famílias monoparentais representam parcela a ser considerada, bem como envelhecimento da população, ocasionando o aumento dos “dependentes de fato” nas famílias, o sistema guarda potencial para auxiliar no desenvolvimento social.

Outro aspecto potencial da adoção do sistema do splitting familiar, é a possibilidade de incentivo à formalização das relações de trabalho e a transparência nas declarações de rendimentos.

Sob a ótica econômica, o modelo favorece a eficiência distributiva do sistema tributário, pois permite que famílias com a mesma renda total contribuam com valores proporcionais à sua situação concreta. Essa adequação reduz o risco de iniquidades e desestímulos à atividade econômica formal, além de promover maior estabilidade no planejamento financeiro das famílias.

No plano jurídico, o splitting familiar encontra amparo em teorias da justa tributação, a exemplo das teoria da equivalência e da utilidade marginal decrescente da renda [4], as quais, em linhas gerais, sustentam que a incidência tributária deve respeitar o efeito marginal da renda sobre o bem-estar do contribuinte.

Também possível a afirmação de que esta sistemática se ajusta a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de direitos humanos e sociais, ao garantir que a carga tributária respeite a dignidade da pessoa humana e os direitos das famílias. Haveria o fortalecimento da função extrafiscal do imposto de renda, que, além de arrecadatória, seria indutora de justiça social e de proteção à família, como célula base da sociedade e protegida constitucionalmente.

Importante ainda asseverar que no atual regime de tributação da renda de pessoa física, o casal pode optar em declarar seus rendimentos de modo conjunto ou separado, com a acumulação de deduções [5].

Assim, é lícita a afirmação de que o Brasil reconhece uma fórmula de splitting familiar não obrigatória e genérica.

Contudo, a adoção do splitting familiar exige cautela e critérios bem definidos, para evitar abusos, evasão fiscal e outras fraudes, assegurando que o benefício seja direcionado às situações legítimas.

Em complemento e a despeito dos possíveis benefícios de sua adoção, impõe-se o debate aprofundado sobre os impactos nos orçamentos públicos, especialmente reduções a curto prazo.

A modernização da legislação do imposto de renda com a incorporação de novos mecanismos, tal como o splitting familiar, pode representar um avanço significativo na promoção de um sistema tributário mais justo, eficiente e alinhado aos princípios constitucionais, haja vista considerar juridicamente variadas dinâmicas familiares e econômicas.

Todavia, sua efetiva aplicabilidade demanda o aprofundamento do debate e real adequação à realidade nacional, a fim de viabilizar uma crível reforma da tributação sobre a renda, a qual possa de fato simplificar obrigações, manter a necessária arrecadação e construir justiça social.

 


[1] Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/tributacao-da-familia/9007

[2] Income Splitting Under The Individual Income Tax. Prepared By The Staffs Of the Treasury and the Joint Committee on Internal Revenue Taxation – April 1951 – chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.jct.gov/getattachment/aa1b6a63-a3f4-4d18-8950-cdd8dbdf3c18/jct-6-06-4298.pdf

[3] https://taxsummaries.pwc.com/france/individual/taxes-on-personal-income

[4] https://corporatefinanceinstitute.com/resources/economics/law-of-diminishing-marginal-utility/

[5] PAULSEN, Amalia da Silveira Gewehr. A Tributação da Família no Imposto de Renda. São Paulo: Noeses, 2022.

Autores

  • é mestre em Direito Constitucional e Processo Tributario na PUC-SP, especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu, MBA em Gestão Fiscal na Trevisan Escola de Negócios, advogada atuante no contencioso tributário estratégico e consultivo e integrante do Grupo de Pesquisas em Processo Civil - Tradições, Transformações e Perspectivas Avançadas da PUC-SP.

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