Dos lucros de controladas em países com tratados: necessidade de evitar equívocos conceituais
26 de abril de 2025, 6h02
Em andamento no Supremo Tribunal Federal o julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.214/DF, referente à incidência do imposto de renda (IRPJ) e da contribuição sobre o lucro (CSL) relativamente a lucros de controladas de pessoas jurídicas sediadas no Brasil, quando aquelas estejam situadas em jurisdições com as quais o Brasil mantenha convenção para evitar a dupla tributação.
Neste artigo não há espaço para completa e profunda análise de todos os aspectos jurídicos da questão, mas alguns deles não podem ser deixados de lado.
Neste sentido, é importante que o STF não incorra no equívoco que foi manifestado em alguns votos proferidos na ADI 2.588-DF (relator ministro Joaquim Barbosa), cujo equívoco foi acolher um sofisma defendido pela Fazenda Nacional desde sempre.
Sofisma, ensina a ciência da lógica, consiste num vício de raciocínio que constrói um silogismo que conduz a uma conclusão equivocada porque tem base em uma premissa não verdadeira. Assim, por exemplo, matar alguém é crime punido (premissa maior), Fulano matou alguém (premissa menor), logo, “Fulano” deve ser punido (conclusão). Como a premissa maior é verdadeira, a conclusão somente será correta se a premissa menor também for verdadeira, isto é, se “Fulano” não tiver comprovadamente matado alguém, a conclusão é errada.
No caso das controladas no exterior, o sofisma decorre de que a premissa menor não é verdadeira, pois o argumento é o seguinte: lucros da pessoa jurídica do Brasil são tributáveis, e lucro da controlada no exterior não (premissa maior), lucro da sua controlada no exterior é lucro da pessoa jurídica do Brasil porque está aqui refletido pelo método da equivalência patrimonial (premissa menor), logo, o lucro da controlada no exterior pode ser tributado porque é lucro da controladora no Brasil.
A premissa menor dessa argumentação tenta afirmar uma inverdade, ou passar como verdade o que não é verdade, logo, a conclusão é incorreta, a despeito de ser verdadeira a premissa maior.
Por que o lucro da controlada não é lucro da controladora, mesmo que refletido na contabilidade desta através da equivalência patrimonial? Por inúmeras razões, bastando dizer o seguinte:
– o método da equivalência patrimonial (MEP) não produz efeito jurídico de transferir o lucro da controlada para a controladora (esta não tem disponibilidade sobre o lucro da controlada em decorrência do simples lançamento contábil);
– pelo contrário, o MEP reflete contabilmente, no patrimônio da controladora, os lucros da controlada exatamente enquanto, e só enquanto, estiverem no patrimônio desta, por ainda não terem sido transferidos para a controladora;
– por esta razão, quando a controlada entrega seus lucros à controladora, o respectivo valor é deduzido da conta do ativo que reflete o MEP, e que fora aumentado antes para refletir o resultado da controlada, com critério de avaliação;
– o MEP destina-se tão-somente a refletir contabilmente no patrimônio da controladora a possibilidade de futuramente receber o lucro da controlada, dentro da visão prospectiva da contabilidade, através da qual ela antecipa resultados futuros que se espera obter, com vistas a avaliar o valor da empresa;
– pela mesma razão outros ativos são aumentados ou diminuídos a valores de mercado ou de possível realização, sem que tenha havido efetivo acréscimo ou decréscimo patrimonial;
– os registros do MEP são meros ajustes contábeis com finalidade própria à contabilidade, os quais não atribuem direitos ou obrigações à pessoa jurídica titular da contabilidade (1º Conselho de Contribuintes, Acórdão nº 103-10.391), sendo que o fato gerador tributário é aumento no patrimônio, o qual somente pode ocorrer através da aquisição de novos direitos ou da extinção de obrigações;
– de fato, o fato gerador é a obtenção de riqueza nova, como foi dito recentemente pelo STF (ADI 5.422, ministro Dias Toffoli, o que não ocorre com o simples lançamento contábil);
– não por outra razão, a própria lei societária (Lei nº 6.404), desde a instituição do MEP em 1976, previu a possibilidade de a contrapartida do aumento do ativo em virtude do MEP ser contabilizada em reserva de lucro a realizar até ocorrer a sua efetiva realização;
– e, paralelamente, a própria lei tributária, atenta à realidade de que o MEP não significa renda adquirida, sempre declarou expressamente que os ajustes feitos por ele são neutros na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSL (Decreto-lei nº 1.598 e Lei nº 7.689);
– mais ainda, as sucessivas leis que trataram da tributação dos resultados de controladas no exterior, igualmente declararam e declaram a neutralidade dos ajustes derivados do MEP na apuração o IRPJ e da CSL (Leis nº 9.249 e 12.973, passando pela Lei nº 9.532);
– cabe observar que todas essas normas legais refletem a definição de fato gerador do imposto de renda, contida no artigo 43 do CTN, o qual, por sua vez, é expressão, quanto a esse imposto, do princípio constitucional da capacidade contributiva;
– de qualquer modo, os meros lançamentos contábeis não são suficientes para gerar incidências tributárias (STF, RE 606.107-RS, ministra Rosa Weber; STJ, REsp 320.244-RJ, ministro Garcia Vieira), mas registre-se que a própria ciência da contabilidade reconhece que o MEP não representa a existência de resultados realizados, por ser simples mecanismo de avaliação de investimentos.
Qualquer conclusão da matéria em julgamento no STF não pode se fundar no argumento do MEP

Na verdade, é de se ver que a matéria sequer é da competência da Suprema Corte, por envolver exclusivamente questões infraconstitucionais. Inclusive cabe notar que a discussão atual em torno dos tratados não envolve a decisão proferida na referida ADI 2.588-DF, mesmo admitida a possibilidade de incidência nas hipóteses deferidas naquele julgamento, ou melhor, é por ser possível a tributação, conforme a ADI 2.588-DF, que se precisa decidir a impossibilidade no caso dos tratados, porém, exclusivamente por força do que estes dispõem.
Não obstante, se houver o julgamento de mérito, também não se pode olvidar outras barreiras intransponíveis para modificação do que foi decidido no STJ, tais como:
– os tratados firmados pelo Brasil e diversas nações são claríssimos ao prescrever que cada Estado somente pode tributar os lucros produzidos por estabelecimentos permanentes situados em seus territórios;
– por consequência, também são expressos quanto a que os lucros produzidos em seus territórios somente podem ser tributados pelo outro Estado quando efetivamente distribuídos a título de dividendos, havendo, neste momento, regras para evitar a dupla incidência, geralmente através da dedução do imposto pago no Estado de origem;
– a tributação no Brasil, pretendida sobre lucros da controlada antes de distribuídos à controladora, viola essas duas disposições conveniais;
– além disso, a tributação, ao argumento visivelmente sofismático de que tributação é do lucro da controladora no Brasil, fere outro pacto internacional assumido pelo Brasil, que é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (promulgada pelo Decreto n. 7.030), a qual consagra os princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda, vedando que disposições de tratados sejam contornadas por vias indiretas. Ademais, a mesma convenção impede uma parte de invocar disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, que é exatamente o que tenta o sofisma fazendário, ao empregar o MEP previsto na lei interna.
Igualmente quanto a isto não se vislumbra questão constitucional da competência do STF. In casu, não se discute inconstitucionalidade de lei, como ocorreu na ADI 2.588-DF a propósito do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35, mas apenas a interpretação e a aplicação de disposições sobre tratados, em que sequer há conflito com Estado estrangeiro, porque os países envolvidos dividiram suas competências tributárias através de mútua convenção, e está em pauta apenas a interpretação destas frente a normas brasileiras infraconstitucionais, mesmo porque a decisão do STJ não contrariou a Constituição.
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