Licitações e Contratos

Inexigibilidade, pregão e a inexequibilidade da proposta

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  • é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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25 de abril de 2025, 14h19

Concretamente, o pregão, como modalidade de licitação para aquisição de bens ou serviços comuns e por adotar como critério de julgamento o menor preço ou maior desconto, tende a ser mais atrativo e menos problemático para a Administração licitante, evitando uma série de impasses quanto ao trâmite do processo licitatório.

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Porém, considerando que o processo licitatório não encerra a contratação pública, porque dele emerge o contrato administrativo, boa parte do que, possivelmente, seriam soluções transparentes e mais objetivas tem o condão de, num futuro — quando já existente o contrato —, tornar-se grandes embaraços.

Portanto, numa linha de interpretação reducionista e unidimensional, a aprovação, pela Administração, de um determinado serviço como “comum” atrai, por consequência lógica, a adoção da modalidade Pregão. Lado outro, como avesso da mesma moeda, se não caracterizado como comum/ordinário, e respeitadas as singularidades, inviabilidade de competição, notória especialização (…), deve ser seguida a contratação direta por inexigibilidade.

Tudo leva a crer que se trata de uma regra quase matemática, cuja validação discricionária é reduzida ou mitigada, porque a interpretação (sobre o contexto do objeto) foge da subjetividade. Contudo, o esforço empreendido pelo órgão licitante para que não seja iniciado um processo de contratação direta, sobretudo por inexigibilidade de licitação, indica que o Pregão não é apenas uma salvação, mas a prevenção para um futuro e rigoroso controle externo. Em algumas situações práticas, o Pregão tende a ser um quase “apagão das canetas”, por quê?

Porque, se se tratar de serviços de prestação continuada, os quais, embora abstratamente, podem ser objeto de Pregão, algumas adversidades podem surgir em momento futuro, justamente porque o critério monetário (preço ou maior desconto) foi o bastante pra imprimir a escolha do gestor.

Daí que, muitas vezes, o que seria a solução mais transparente, competitiva e imparcial, deságua numa complexa adversidade no curso da execução do contrato, considerando que a técnica não foi devidamente levada em consideração. O fetiche pelo preço é uma atração quase que romântica pelos órgãos de controle externo.

Inexequibilidade

Paralelamente ao desafio de controlar a técnica (amiúde nem sempre rigorosa quando da adoção do Pregão), há uma tendência para o surgimento de um mais grave problema: a inexequibilidade da proposta.

Um bom exemplo, que retrata fielmente esse embate existente entre pregão e inexigibilidade, tem lugar na contratação de serviços advocatícios. Nada obstante haver presunção legal de que os serviços de natureza advocatícia sejam, por diversas justificativas, inexigíveis (artigo 74, III, “e”, da Lei nº 14.133/2021; artigo 3º-A, da Lei nº 8.906/1994), os órgãos de controle tendem a acatar com melhores olhos a ampla competitividade que decorre do Pregão.

Pragmaticamente, pouco ou nada importa a presunção legal, o posicionamento jurisprudencial (inclusive, o recentíssimo esgotamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal cristalizado no Tema 309), uma vez que, ao final — e de modo quase que consequentemente inelutável —, o preço tende a ser o maior vilão, sobretudo para a contratação direta por inexigibilidade. Quanto ao Pregão, o desafio do preço é mais fácil de ser superado.

E aqui reside o mais drástico enfrentamento: quem compra, adquire ou contrata apenas se dirigindo para o preço ou soluciona ou adquire dificuldades. Diante desta premissa, qual é o desenlace que o legislador proporciona?

A Lei nº 14.133/2021 estima que um dos objetivos do processo licitatório (artigo 11, III) consiste em “evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos”. Ocorre que o legislador apenas confere parciais saídas, na medida em que, conquanto conceitue sobrepreço (artigo 6º, LVI) e superfaturamento (artigo 6º, LVII e alíneas), não faz qualquer menção à inexequibilidade.

Entretanto, o Tribunal de Contas da União (TCU), já sob a égide da Lei nº 14.133/2021, vem enfrentando a matéria e criando diretrizes para a formação da significação sobre inexequibilidade.

No Acórdão 2378/2024-Plenário (Relator Benjamin Zymler), ficou assentado que “o critério definido no artigo 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração, nos termos do artigo 59, § 2º, da referida lei, dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta” [1].

Em outro recentíssimo julgado, Acórdão 214/2025-Plenário (Relator Jhonatan de Jesus), o Tribunal decidiu em igual sentido: “o critério definido no artigo 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração, nos termos do artigo 59, § 2º, da referida lei, dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta” [2].

De tal modo, inobstante o vazio do legislador em acentuar, precisamente, o conceito de inexequibilidade, certo é que o TCU já possui jurisprudência formada, preponderando a tese de que o desafio quanto ao preço não está restringido apenas ao sobrepreço e ao superfaturamento.

Ao longo do que foi exposto, o pregão, para determinados tipos de serviços (em que se destaca como um bom exemplo a prestação de serviços advocatícios), a inexequibilidade, aliada à ausência de qualificação técnica, pode apontar para um insolvente embaraço para a Administração, causando maiores prejuízos aos cofres públicos decorrentes da ausência de técnica suficiente, usualmente não tão exigida no Pregão, porquanto a finalidade está focada no preço.

Em parciais conclusões, é preciso que os órgãos de controle tenham maior cautela quanto à exigência da adoção do pregão de forma desmedida, como se a perfeição do contrato dependesse apenas da modalidade licitatória e o preço fosse, por si só, o único elemento que importa.

Contratações que privilegiem a técnica — ainda que diretas, adotando a inexigibilidade — não devem ser, primariamente, refutadas e, na mesma ordem, é preciso, considerando os mais variados cenários, privilegiar mais a técnica que o preço, possivelmente atingindo uma solução mais equânime, a melhor ou a mais aceita em determinado contexto ou problema.

Evitar a inexequibilidade, para a Administração contratante, constitui igual objetivo quanto ao enfrentamento do sobrepreço ou do superfaturamento. À vista disso, o pregão pode ser uma silenciosa armadilha.

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[1] Enunciado de Jurisprudência extraído do Acórdão 2378/2024-Plenário (Relator Benjamin Zymler), publicado no Boletim de Jurisprudência nº 519, de 25/11/2024.

[2] Enunciado de Jurisprudência extraído do Acórdão 214/2025-Plenário (Relator Jhonatan de Jesus), publicado no Boletim de Jurisprudência nº 527, de 24/02/2025.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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