Opinião

A natureza jurídica do inciso III do artigo 14 do Código Tributário Nacional

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  • é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras. É sócio do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados.

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21 de abril de 2025, 13h14

A Constituição de 1988 impôs certos limites à competência tributária dos entes federados, dentre os quais a vedação de instituição de impostos sobre patrimônio, renda e serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos da lei. Essa limitação constitucional é denominada de imunidade tributária.

Para que referidas entidades possam usufruir da imunidade tributária, deverão comprovar perante o órgão administrativo do ente tributante o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 14 e incisos do Código Tributário Nacional (CTN):

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nêle referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”

Especificamente em relação ao inciso III, do artigo 14 do CTN, notáveis juristas afirmam que se trata de uma obrigação acessória (ou dever instrumental) e que o seu descumprimento impede a concessão da imunidade tributária prevista na Constituição. Dentre os quais, Roque Antonio Carrazza (Carrazza, 2021, p. 677) e José Eduardo Soares de Melo (Melo, 2008, p. 172).

Contudo, não me parece que o inciso III, do artigo 14 do CTN seja uma obrigação acessória, tendo em vista a consequência que o seu descumprimento gera.

Obrigação acessória

Conforme preceitua o artigo 113, § 2º do CTN, a obrigação acessória tem como objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. O seu descumprimento é passível de aplicação de penalidade pecuniária (§ 3º do mesmo dispositivo legal).

Luciano Amaro ensina que as obrigações tributárias acessórias (ou formais ou, ainda, instrumentais) objetivam dar meios à fiscalização tributária para que esta investigue e controle o recolhimento de tributos (Amaro, 1999, p. 235).

Spacca

O Supremo Tribunal Federal tem pacificado entendimento de que as obrigações acessórias ostentam caráter autônomo em relação à regra matriz de incidência do tributo, pois possuem “finalidades próprias e independentes da apuração de certa e determinada exação devida pelo próprio sujeito passivo da obrigação acessória” (RE nº 250.844).

Como podemos verificar, a obrigação acessória ostenta caráter autônomo e tem como finalidade o interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos.

Já o inciso III, do artigo 14 do CTN tem como finalidade verificar se a entidade preenche os requisitos previstos nos incisos I e II, do artigo 14 do CTN, a fim de conferir o controle fiscal das receitas e das despesas da entidade para fins de obtenção da imunidade tributária.

Nesse caso, o interesse do órgão administrativo não está voltado, precipuamente, à arrecadação ou à fiscalização de impostos, mas sim de verificar o atendimento dos requisitos previstos em lei para deferir o pedido de imunidade tributária.

Pagamento de impostos gerado

Ainda que o indeferimento do pedido de imunidade possa gerar o pagamento de impostos, não se poderia denominar o inciso III, do artigo 14 do CTN de obrigação acessória.

Na verdade, o inciso III, do artigo 14 do CTN é um ônus para que a entidade possa obter a imunidade tributária. As entidades que não cumprirem esse dispositivo não serão punidas com penalidade pecuniária, tal como ocorre no descumprimento de uma obrigação acessória.

Frisa-se que, no caso analisado, o descumprimento gerará o indeferimento do pedido de imunidade e não o pagamento de penalidade pecuniária.

Eros Roberto Grau explica a distinção entre obrigação e ônus, bem como as consequências geradas pelo descumprimento de cada um deles:

“O ônus, dest´arte, é um vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse. Nisto se distingue do dever — e da obrigação — que consubstancia vínculo imposto àquela mesma vontade, porém no interesse de outrem. Por isso que o não-cumprimento do ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente uma certa desvantagem econômica: a não obtenção da vantagem, a não satisfação do interesse ou a não realização do direito pretendido. Já o não-cumprimento do dever — ou da obrigação — acarreta sanção jurídica para o sujeito. Neste último caso, o interesse a cuja tutela aproveita o cumprimento do dever é alheio à pessoa do sujeito a ele vinculado; no primeiro caso, o interesse a que respeita a vinculação pelo ônus é do próprio sujeito vinculado.” (2022, p. 181)

Desvantagem econômica

Como bem apontado pelo jurista supracitado, o não-cumprimento do ônus não acarreta uma sanção jurídica, mas unicamente uma certa desvantagem econômica, o que fica mais evidente no caso de imunidade tributária.

Alcides Jorge Costa pontua que no ônus a sanção pelo descumprimento gera a perda do direito (Costa, 2003, p. 49).

Infere-se que o inciso III, do artigo 14 do CTN é um ônus, na medida que o seu descumprimento impede o reconhecimento do direito à imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, ‘c’ da Constituição.

Reforça esse entendimento o fato do § 1º, do artigo 14 do CTN obstar o reconhecimento da imunidade tributária, enquanto não cumprido os requisitos previstos nos incisos do mesmo dispositivo legal.

Destarte, se o inciso III, do artigo 14 do CTN fosse uma obrigação acessória, o seu descumprimento deveria gerar apenas uma penalidade pecuniária, conforme disposto no § 3º, do artigo 113 do CTN, e não o indeferimento da imunidade tributária.

Ainda que haja semelhança entre o ônus e obrigação acessória no que diz respeito à prática de uma prestação positiva, as consequências geradas pelo descumprimento de cada uma são completamente diferentes.

Portanto, ousamos em dizer que o inciso III, do artigo 14 do CTN não é uma obrigação acessória, mas sim um ônus para a concessão da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, ‘c’ da Constituição, pois o seu descumprimento não gera o pagamento de penalidade pecuniária, mas sim o indeferimento do pedido de imunidade tributária.

Referências

AMARO, Luciano. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1999.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 250.844, Relator Ministro Marco Aurélio de Mello, j. 29-5-2012, 1ª T, DJE de 19-10-2012.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 33ª edição, revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 109/2021. – São Paulo: Malheiros, 2021.

COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, 2003.

GRAU, Eros Roberto. Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e Ônus. Disponível em <https://pdfs.semanticscholar.org/853c/fc46e3011a3d45a17b3142f5e120a6ea8b89.pdf> Acessado em 26/10/2022.

MELO, Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 8. ed. – São Paulo : Dialética, 2008.

Autores

  • é especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras. É advogado no escritório Rubens Naves, Santos Júnior Advogados.

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