A localização de devedores por meio do Uber e do iFood
21 de abril de 2025, 6h30
A efetividade do processo judicial, especialmente na fase de execução, encontra desafios históricos na localização de devedores e na constrição de seu patrimônio. A citação do devedor constitui etapa essencial para a validade do processo, sendo requisito indispensável para que este produza seus efeitos.
O Banco Mundial aponta que a taxa de recuperação de crédito brasileira é de 18,20 centavos de 1 dólar, performando em menos da metade da média mundial, que é de 36,90 centavos de 1 dólar.
Com o avanço da tecnologia, tornou-se cada vez mais comum que devedores utilizem estratégias digitais para dificultar sua localização e ocultar seus bens. Por vezes, utilizam aplicativos de mobilidade e serviços de entrega sem manter endereços fixos ou registros bancários tradicionais, optando por pagamentos em carteiras digitais ou criptomoedas, movimentações financeiras por meio de fintechs, o que torna o rastreamento dessas transações ainda mais desafiador.
Nesse contexto, é fundamental a inovação na busca por mecanismos eficazes que garantam a concretização do direito do credor.
Sabe-se que é ônus do exequente diligenciar para localizar o endereço e/ou patrimônio do devedor. No entanto, verifica-se que os meios ordinários disponíveis e acessíveis às partes frequentemente se mostram infrutíferos para o cumprimento dessa obrigação.
Ferramentas para buscas de bens e dados financeiros
O Poder Judiciário, a Polícia Judiciária e os órgãos de inteligência, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), dispõem de aproximadamente 19 sistemas de busca de bens e dados financeiros inacessíveis à maioria dos credores. Dentre as principais ferramentas utilizadas destacam-se o Infojud, Renajud, Sisbajud, CNIB (Central Nacional de Indisponibilidade de Bens) e o Sniper, que permitem rastrear endereços, vínculos empresariais, ativos financeiros, bens móveis e imóveis.
Apesar do avanço dessas ferramentas, devedores têm adotado estratégias cada vez mais sofisticadas para ocultar seu paradeiro e seus bens.

Em resposta a esse cenário, o Judiciário tem ampliado a admissibilidade de medidas atípicas para localização do devedor, incluindo a expedição de ofícios às empresas de tecnologia e serviços, como Uber, iFood, Mercado Livre, Amazon e outras plataformas digitais.
A prática tem revelado que acionar empresas de tecnologia pode ser um meio eficiente para a localização de devedores e identificação de fontes de renda passíveis de penhora. Plataformas de transporte e entrega geralmente mantêm registros atualizados de endereço de seus usuários, histórico de ganhos e métodos de pagamento, dados valiosos para a efetividade das execuções.
Meios atípicos para citação de devedor
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 1.137, consolidou a possibilidade de utilização de meios atípicos para a citação do devedor quando frustradas as tentativas convencionais de cumprimento da obrigação.
Nesse sentido, tribunais estaduais têm reconhecido a legitimidade da colaboração de empresas de tecnologia na obtenção de informações relevantes para a execução.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios reconhece a possibilidade de acesso aos dados das empresas de tecnologia que atuam no mercado financeiro, as Fintechs, como uma fonte de localização de patrimônio, em observância aos princípios da cooperação e efetividade da execução, atendendo ainda, ao disposto no artigo 139, inciso IV, do CPC, desde que constatado o esgotamento dos meios ordinários de busca de ativos financeiros. Tal entendimento foi firmado no julgamento do Agravo de Instrumento nº. 0721813-75.2020.8.07.0000 – Acórdão 1320298), prolatado pela 5ª Turma Cível, sob o voto vencedor do relator designado desembargador Angelo Passareli.
Em decisão recente, proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 2044569-18.2024.8.26.0000, a 23ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob relatoria do desembargador Tavares de Almeida, reconheceu que cabe ao Judiciário assegurar a efetividade do processo, sobretudo quando envolve dados sigilosos protegidos pela Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD). O relator enfatizou que a intervenção judicial é necessária para resguardar o direito do credor, prevenindo a prescrição prevista no artigo 921, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil.
A 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do desembargador Afonso Bráz, também decidiu recentemente sobre a viabilidade do pedido de pesquisa de endereços através das plataformas digitais no Agravo de Instrumento nº 2328641-51.2024.8.26.0000. Conforme afirmaram, “ainda que as pesquisas pleiteadas não sejam típicas, no mundo atual, é certo que as pessoas cada vez mais consomem produtos mediante compras on-line e são cada vez mais dependentes de serviços fornecidos pela internet, como streaming, serviços de transporte por aplicativo, comida, compras em geral, etc”.
Outro exemplo de medida atípica praticado ocorreu no processo nº 5270528-54.2024.8.09.0088. O titular do 2º Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Itumbiara (GO), juiz Alessandro Luiz de Souza, determinou, como medida executiva atípica, a suspensão da conta no Instagram de uma loja de produtos importados, que conta atualmente com 29,5 mil seguidores, visando a compelir a empresa ao pagamento de dívida em demanda judicial em fase de cumprimento de sentença.
Alcance do Sisbajud não é tão grande
Imperioso ressaltar que, embora haja um amplo alcance de ativos financeiros, a ferramenta do Sisbajud não alcança todas as contas e movimentações bancárias, como é o caso dos consórcios ou seguros e previdência complementar, instituições em processo de recuperação judicial. Com base nas informações prestadas pelo CNPJ relacionadas ao alcance de pesquisa da plataforma, outra hipótese de não abrangência do Sisbajud são os títulos de capitalização, os quais são fiscalizados pela Susep e não pelo Banco Central.
Portanto, as empresas operadoras de título de capitalização não informam seus vínculos ao cadastro de clientes do sistema financeiro (CCS), que é o banco de dados utilizado pelo Sisbajud para envio das ordens de busca e bloqueio de valores.
Nessa conjuntura, o apoio de empresas que detêm o uso de ferramentas digitais e plataformas tecnológicas, com amplo acervo de dados dos usuários, não só facilita o cumprimento das obrigações judiciais, como também amplia o alcance e a rapidez das decisões no contexto de localização dos devedores e penhora patrimonial.
Vale dizer que o Judiciário tem demonstrado, progressivamente, sua aceitação a esses recursos, reconhecendo sua legitimidade e sua utilidade quando exaustivamente exploradas as vias ordinárias.
Dessa forma, é papel do advogado explorar tais alternativas, eis que a solicitação de informações sobre o paradeiro do devedor diretamente às empresas de tecnologia e serviços emerge como ferramenta essencial para garantir a efetividade da execução. Trata-se de um mecanismo que equilibra a relação entre credores e devedores, promovendo um processo justo e eficiente, em consonância com os princípios da cooperação processual e da efetividade jurisdicional.
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