Quinze anos da Lei nº 12.232/2010: da resposta ao mensalão aos desafios da era digital
19 de abril de 2025, 6h30
O célebre ensinamento de que os preceitos enunciados no Direito positivo sob a forma de ideias gerais quase sempre têm supedâneo em abusos pretéritos – e determinados – capazes de articular a opinião pública [1] encontra na Lei nº 12.232/2010, prestes a completar 15 anos de vigência no próximo dia 29 de abril, exemplo ilustrativo.
É consabido que o tema das contratações de serviços de publicidade conquistou os holofotes no curso da Ação Penal nº 470-MG, mais conhecida como mensalão, que levou diversas autoridades da República ao banco dos réus do Supremo Tribunal Federal (STF) devido a controvérsias em torno de contratos celebrados pela Câmara dos Deputados e pelo Banco do Brasil.
A propósito, o Tribunal de Contas da União (TCU), cuja jurisprudência identifica a contratação de serviços de publicidade como a mais embaraçosa das contratações públicas [2], já havia assinalado a relação causal entre a insuficiência da legislação – leia-se da Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993) – e as irregularidades apuradas em contratos de publicidade do Ministério do Trabalho e Emprego executados entre as décadas de 1990 e 2000 [3].
Daí se seguiu a elaboração da Lei nº 12.232/2010. Inserida no sistema jurídico a título de resposta legislativa ao histórico de utilização de contratos administrativos para atendimento de interesses ilegítimos, a norma em epígrafe pretendeu imprimir regramento específico às licitações e contratações de serviços de publicidade – presentemente, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 14.356/2022, o regime especial se estende aos serviços de comunicação institucional e digital.
Inovações legais e a moralização das contratações
Nesse desiderato: I) afirmou a primazia da capacidade de execução ao restringir o julgamento aos critérios melhor técnica ou técnica e preço (artigo 5º); II) encampou a subcomissão técnica (artigo 10, § 1º), figura originalmente prevista no Decreto nº 6.555/2008 para licitações do Poder Executivo federal, prescrevendo a realização de sorteio para escolha dos membros (artigo 10, § 2º); e III) vedou a identificação de autoria do plano de comunicação publicitária endereçado ao colegiado técnico, sob pena de desclassificação da agência (artigo 6º, inciso XIV) ou, em caso de violação do sigilo provisório por agente do órgão licitante, de anulação do certame (artigo 12).
Com efeito, a Lei nº 12.232/2010 erigiu, no domínio do Direito positivo, uma alternativa à incompatibilidade entre os serviços de publicidade e a objetividade estrita [4] idealizada pela Lei Geral de Licitações – razão pela qual parcela da doutrina afirmava se tratar de objeto ilicitável [5].
Embora o cotejo entre as idiossincrasias do julgador especializado e a realidade exteriorizada nas propostas não fique indene a traços de subjetividade, o regramento impede o condicionamento em favor de qualquer licitante em si considerado. É dizer, assegura tratamento isonômico aos concorrentes, realizando o mandamento constitucional.
Além do processo de avaliação, a norma inovou ao inverter as fases da licitação em relação ao paradigma da então vigente Lei nº 8.666/1993, pelo que o julgamento das propostas técnicas e de preço antecede a análise dos documentos pertinentes à habilitação das licitantes classificadas (artigo 11, § 4º, inciso XI), e ao exigir certificado de qualificação técnica de funcionamento às agências de propaganda (artigo 4º).
Aliás, cumpre recordar que, nos antecedentes da Lei nº 12.232/2010, a exigência de certificações de qualificação encontrava óbice, quer na jurisprudência, quer em sede doutrinária, exatamente na ausência de previsão específica na legislação [6].
Tendo em vista o pretérito aproveitamento da rubrica serviços de publicidade para contratação de atividades estranhas à matéria, o legislador dedicou atenção especial à delimitação do objeto principal (artigo 2º) e dos serviços havidos como complementares (incisos I a III do § 1º do artigo 2º). Ipso facto, a integração das atividades constitui vetor de interpretação da lei.
Ainda, no que tange à execução contratual, destacam-se a necessidade de prévio cadastro dos fornecedores de atividades complementares junto à administração (artigo 14), de modo a propiciar a verificação ex-ante das condições dos potenciais prestadores [7], e a determinação de divulgação, em site específico, de informações sobre os contratos, contemplando a indicação nominal de fornecedores e veículos de divulgação (artigo 16).
Em síntese, verifica-se que a Lei nº 12.232/2010 concretizou o intento moralizador evidenciado na proposição legislativa [8] que a originou.
Estado-anunciante e os desafios da era digital
Se a norma teve, no contexto de sua entrada em vigor, o mérito de enfrentar a problemática dos contratos guarda-chuva, a partir dos quais desvirtuavam-se os princípios constitucionais da administração pública, presentemente põe-se em discussão a hipertrofia do Estado-anunciante. O fenômeno é agravado, na era digital, por uma proliferação sem precedentes de veículos de comunicação – e de iniciativas que reclamam para si tal estatuto.

Situando o debate em dados, os investimentos em publicidade digital por parte da administração pública registraram, em 2023, crescimento de 9% em comparação com o ano anterior – no recorte setorial, correspondeu ao quinto maior crescimento percentual [9]. A administração respondeu por 1,75% do share de investimentos publicitários realizados em todo o país, superando segmentos de inequívoco apelo comercial, como o de saúde e o imobiliário.
Rigorosamente, a hipertrofia do assim denominado Estado-anunciante tem nuance antidemocrática, porquanto capaz de impor, a pretexto da diversificação dos investimentos públicos em publicidade, uma atmosfera clientelista ao relacionamento com os veículos de comunicação [10].
O problema se situa além do domínio da legalidade. In abstracto, a atividade de distribuição de publicidade – intermediada por agência de propaganda – aos veículos encontra previsão expressa no artigo 2º da Lei n.º 12.232/2010. Sob as lentes da juridicidade, entendida como legalidade em perspectiva ampliada, no entanto, não raro cogita-se da ausência de interesse público e de critérios técnicos na escolha dos veículos contemplados.
Nesse sentido, recente decisão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reputou irregular a conversão de contrato de serviços de publicidade firmado entre município e agência em mero contrato de intermediação de veiculações [11].
In casu, verificou-se que tanto os veículos a serem contemplados quanto os respectivos valores eram definidos ao talante do administrador, em prejuízo dos princípios da impessoalidade e da moralidade, pelo que se impôs multa ao servidor designado fiscal de contrato e ao gestor municipal.
O precedente é elucidativo. Toda e qualquer espécie de afronta ao interesse público, ainda que sob o pretexto da realização de princípios constitucionais, entre eles o da publicidade, deve ser severamente repelida. A reafirmação da impessoalidade é o caminho para que a Lei nº 12.232/2010 complete outros 15 anos de vigência e tenha sua eficácia preservada.
[1] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
[2] Tribunal de Contas da União (Plenário). Acórdão n.º 3.233/2010. Relator: Min. Marcos Vinícios Vilaça, 1 dez. 2010.
[3] Tribunal de Contas da União (Plenário). Acórdão n.º 262/2006. Relator: Marcos Bemquerer Costa, 8 mar. 2006.
[4] REISDORFER, Guilherme F. Dias. Licitação e contratação de serviços de publicidade: reflexões sobre a Lei nº 12.232/2010 em face do Direito das licitações e alguns aspectos práticos. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, v. 12, n. 44, p. 57-76, jan./mar. 2014.
[5] CORRÊA, Antonio Celso Di Munno. Licitação: inexigibilidade na contratação de serviços de publicidade. Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. p. 359-376.
[6] SCHWIND, Rafael Wallbach. Considerações acerca da nova lei de licitações e contratos administrativos de serviços de publicidade (Lei nº 12.232/2010). Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, v. 9, n. 106, p. 30-44, out. 2010.
[7] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Divulgação institucional e contratação de serviços de publicidade: legislação comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
[8] Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 3.305/2008.
[9] IAB BRASIL; KANTAR IBOPE MEDIA. Digital AdSpend 2023.
[10] BUCCI, Eugênio. O Estado de Narciso: a comunicação pública a serviço da vaidade particular. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
[11] Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Plenário). Acórdão n.º 2.915/2024. Relator: Cons. Fábio de Souza Camargo, 12 set. 2024.
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