Opinião

Impactos da Portaria PGFN 2.044/2025 no contencioso tributário

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15 de abril de 2025, 15h17

Em março de 2025 entrou em vigência a Portaria PGFN nº 2.044/2025, que regulamenta o oferecimento e aceitação do seguro garantia no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Além de inovações, a nova portaria consolida alguns critérios que eram exigidos no âmbito do contencioso judicial e não possuíam respaldo na agora revogada Portaria PGFN nº 164/2014. O objetivo desse artigo é apontar as principais mudanças e os impactos que a nova regulamentação trará no dia a dia da garantia de débitos tributários.

A principal inovação da portaria é a possibilidade de oferecimento da garantia antecipada para débitos após o encerramento do contencioso administrativo e que ainda não foram inscritos em dívida ativa, através do sistema regularize, desde que o contribuinte pretenda discutir a sua exigibilidade no âmbito judicial.

Com essa alteração, as chamadas ações antecipatórias de garantia não serão mais necessárias, justamente considerando que agora há um meio para garantia de débitos que não requer a intervenção do Poder Judiciário para afastar pendências que impeçam a renovação de certidão de regularidade fiscal dos contribuintes e possíveis inscrições em cadastros de inadimplência antes do ajuizamento da competente execução fiscal.

Apenas para lembrar, na vigência da Portaria PGFN nº 164/2014, o contribuinte se encontrava impossibilitado de oferecer, em âmbito administrativo, garantia do débito pendente de inscrição em dívida ativa para viabilizar a expedição da sua certidão, nos termos do artigo 206 do Código Tributário Nacional [1], de forma que, para não sofrer eventuais prejuízos, se via obrigado a ajuizar ação unicamente para oferecer apólice de seguro garantia.

Havia, na prática, um paradoxo intransponível, pois o contribuinte sob execução fiscal garantida conseguiria emitir a sua certidão de regularidade fiscal e exerceria seus direitos fundamentais da livre iniciativa e do trabalho, ao passo que o contribuinte sujeito a débitos vencidos e ainda não executados teria esses mesmos direitos violados até que a União ajuizasse a competente Execução Fiscal para que só então pudesse apresentar a garantia.

Assim, e com base no artigo 206 do CTN, construiu-se o entendimento jurisprudencial de que o contribuinte poderia, após o vencimento da sua obrigação e antes do ajuizamento da respectiva execução fiscal, garantir o juízo de forma antecipada para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa. Essa questão foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos recursos repetitivos (REsp nº 1.123.669/RS).

Contudo, o desafio não se encerrava com o ajuizamento da ação antecipatória de garantia. Após a distribuição da ação, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na condição de representante da União, era intimada para se manifestar sobre a regularidade da apólice de seguro garantia e muitas vezes condicionava o aceite da garantia a inclusões e exclusões de cláusulas sem qualquer amparo na Portaria PGFN nº 164/2014 e que variavam de acordo com o estado em que a ação era ajuizada.

Em outras palavras, o aceite de garantia pela PGFN dependia não só do atendimento aos requisitos da Portaria PGFN nº 164/2014, mas dependia também da subjetividade do responsável pela análise, visto que não eram raras exigências sem qualquer previsão normativa.

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O tempo necessário à intimação e resposta da PGFN, bem como para acionar as seguradoras a fim de verificar a possibilidade de seguir com as alterações solicitadas, demandava por vezes um desgaste do contribuinte que tinha urgência na baixa das pendências de débitos não inscritos em dívida ativa de seu Relatório de Situação Fiscal, justamente considerando a necessidade de emissão de certidão. Os impactos negativos dessa espera frequentemente iam do comprometimento no recebimento de valores de fornecedores até a impossibilidade de participação em processos licitatórios.

Nesse ponto, outro grande destaque da Portaria PGFN nº 2.044/2025 é não só o estabelecimento de critérios específicos para que o seguro seja aceito, mas principalmente os Anexos I e II que trazem modelos de apólice padrão já definidos para seguro garantia em execução fiscal e em negociação administrativa. Fica assim, mitigado o risco de não aceitação de uma apólice de seguro garantia por eventuais alterações exigidas pela PGFN, justamente considerando a existência de um padrão a ser observado por todos os contribuintes, independentemente do estado da federação.

Portaria é importante e positiva

Por fim, importante chamar a atenção para a vedação trazida pelo artigo 7º, §1º da nova Portaria [2], segundo o qual não será permitida a substituição de garantia já existente por seguro garantia para execução fiscal quando já houver depósito judicial ou efetivação de constrição de ativos financeiros. Contudo, tal vedação não possui respaldo legal, de forma que não cabe à PGFN limitar as possibilidades de substituição de uma garantia por outra em processo judicial, sendo certo que essa decisão é de competência do juízo responsável.

Ainda que a jurisprudência não seja pacífica nessas situações, destacamos recente decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos da Tutela Cautelar Antecedente nº 672, de relatoria do ministro Raul Araújo, que entendeu pela possibilidade de substituição de penhora de ativos financeiros por seguro garantia a fim de que o contribuinte não seja permanentemente prejudicado em termos de caixa em razão de uma discussão que segue ativa. Tal substituição foi deferida considerando a previsão em lei de que o seguro garantia produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, o que levou o ministro a concluir que a apólice apenas poderia ser rejeitada caso houvesse insuficiência, defeito formal ou idoneidade.

Ainda que o processo em questão trate de discussão relacionada à indenização por danos morais, verifica-se uma importante decisão que pode e deve ser aplicada em casos de débitos tributários e previdenciários sempre que comprovado grave prejuízo que a manutenção de um bloqueio de ativos financeiros pode acarretar ao exercício das atividades empresariais.

Apesar disso, é certo que a vedação prevista no mencionado artigo 7º, §1º da nova portaria será mais um obstáculo às substituições de penhora de ativos financeiros por seguro garantia.

Dessa forma, a Portaria PGFN nº 2.044/2025 é principalmente positiva e deve trazer impactos relevantes para a redução do contencioso tributário sobre garantias, além da agilidade no aceite de apólices pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Contudo, é necessário ter cuidado com algumas vedações impostas por esse instrumento normativo que são, em verdade, de alçada apenas do Poder Judiciário.

 


[1] Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

[2] Art. 7º O seguro garantia para a execução fiscal somente poderá ser aceito se sua apresentação ocorrer antes do depósito ou da efetivação da constrição em dinheiro decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial.

§1º É permitida a substituição da garantia por seguro garantia para execução fiscal, exceto se já houver depósito ou efetivação da constrição em dinheiro decorrente de penhora, arresto ou outra medida judicial, e desde que atendidos os requisitos desta Portaria.

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