Advogados dependem da democracia para exercer suas funções, diz presidente do IAB
15 de abril de 2025, 17h59
Assim como a sociedade brasileira, a advocacia está polarizada. Para não naufragar, a classe deve entender que precisa do Estado Democrático de Direito para exercer as suas funções. É o que afirma o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Sanches, que encerra o seu mandato de três anos nesta terça-feira (15/4).

O presidente do IAB, Sydney Sanches
Na gestão de Sanches, o IAB — que tem 182 anos de existência — foi ativo na defesa da democracia em face da tentativa de golpe de Estado por parte de bolsonaristas. O instituto também expandiu sua atividade acadêmica e dobrou suas reservas financeiras.
A advogada Rita Cortez foi eleita presidente do IAB para o seu terceiro mandato, derrotando Carlos Eduardo Machado em uma disputa acirrada. Foi uma “eleição dura”, muito polarizada, ressalta Sanches. Mas ele diz que agora é hora de os membros do IAB se unirem e darem continuidade ao trabalho do órgão.
Para Sanches, é preciso pensar na inclusão de advogados excluídos pela tecnologia e impedir que a inteligência artificial faça com que os profissionais fiquem preguiçosos.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual o balanço da sua gestão à frente do IAB? Quais foram as principais conquistas e avanços?
Sydney Sanches — Nós iniciamos o mandato em um momento muito difícil do país, em que estavam latentes na sociedade brasileira todas as formas de afronta à democracia, havia grandes questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral, a imprensa estava sendo muito atacada. O nosso desafio era manter o IAB, que tem 181 anos, com a obrigação de vocalizar a resistência a esses movimentos. Naquele cenário, muitas instituições precisavam ser protagonistas em vocalizar o respeito aos princípios constitucionais e democráticos. Nessa perspectiva, nós estivemos presentes em todos os atos mais importantes de defesa da democracia — inclusive no ato que houve na Universidade de São Paulo que repetiu o mesmo ato da década de 1970 —, como forma de simbolicamente reafirmar que o Brasil não admitiria qualquer tipo de ruptura.
Logo no início, eu me ocupei de criar uma comissão denominada Comissão de Defesa da Democracia, das Eleições e da Liberdade de Imprensa. Tive o privilégio de contar, na presidência da comissão, com Bernardo Cabral, coautor da Constituição de 1988 e um associado antigo do IAB. A vice-presidente foi Margarida Pressburger, com um histórico de vida voltado à defesa da democracia e dos direitos humanos. Cabral e Margarida deram uma roupagem muito simbólica para o trabalho da comissão, que foi muito vocal durante o processo eleitoral e depois, com as subsequentes contestações. A sociedade brasileira estava e segue muito dividida. O mesmo ocorre com a advocacia, que é o reflexo da sociedade brasileira. Há uma apropriação dos princípios democráticos por meio das vias democráticas, como as redes sociais.
O IAB trabalhou diretamente com o Tribunal Superior Eleitoral para assegurar a legitimidade das urnas eletrônicas e do processo eleitoral. No 8 de janeiro, o IAB defendeu o Supremo Tribunal Federal e a independência dos Poderes da República, da Constituição e da democracia brasileira. O instituto cumpriu o seu papel, a sua obrigação perante a sociedade brasileira. O IAB foi criado há 180 anos para ser um defensor das liberdades e dos direitos fundamentais. A causa abolicionista passou pelo IAB, depois as questões republicanas. O instituto sempre defendeu a democracia quando ela foi atacada, nos diversos períodos de ruptura institucional pelos quais o Brasil passou. E foi isso que o IAB fez novamente durante esse período.
ConJur — Como avalia a condução, pelo STF, do processo contra a tentativa de golpe de estado por parte de bolsonaristas?
Sydney Sanches — Em primeiro lugar, o modelo de dosimetria adotado pelo Supremo Tribunal Federal não mudou. Ou seja, a forma pela qual as penalidades estão sendo fixadas é consonante com a forma pela qual o Supremo vem enfrentando as questões na área criminal. E é importante ressaltar que a aparente gravidade das penas tem que ser entendida dentro do contexto do que representa o 8 de janeiro para o país em uma perspectiva histórica. Havia um grupo de pessoas agindo para uma ruptura institucional. Não aconteceu porque os poderes institucionais brasileiros funcionaram. Se tivesse acontecido, não estaríamos discutindo isso.
É importante o Judiciário brasileiro sinalizar nesse sentido, da gravidade do que efetivamente aconteceu, para que isso não se repita. Não podemos viver de aventuras. A verdade é que temos uma tradição de esquecer o passado para pensar em futuro melhor, como ocorreu no fim da ditadura militar. Mas nesse momento é importante revisar esse costume, porque a sociedade continua deflagrada, e as forças retrógradas, muito ativas. Ao passar o recado de que o que ocorreu foi muito grave, o Judiciário e os demais Poderes reafirmam que a democracia brasileira é intransigível.
ConJur — O que o IAB representa hoje para a advocacia e para a comunidade jurídica?
Sydney Sanches — O IAB foi constituído para ajudar a criar um ordenamento jurídico brasileiro e ser uma instituição da advocacia nacional. Quanto à primeira função, o instituto segue promovendo debates em defesa de um ordenamento jurídico que gere segurança política, respeite os direitos fundamentais e assegure o desenvolvimento econômico, sem prejuízo da perspectiva de democracia social que foi estabelecida na Constituição de 1988. O IAB permanece sendo órgão consultivo do Congresso Nacional sobre projetos de lei.
Com a reforma do Estatuto da Advocacia na década de 1990, o instituto passou a ser parte integrante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com direito a assento e voz consultiva. Então o papel do IAB é muito relevante para a advocacia porque tem uma independência por ser uma instituição muito voltada para a área acadêmica. E não é uma instituição só de advogados, é uma instituição de juristas, com membros do Ministério Público, da magistratura, da advocacia pública, professores nacionais e internacionais. Por conta dessa característica plural, o IAB tem um olhar independente que há muito contribui para as atividades da OAB, inclusive sendo às vezes posição contramajoritária da própria advocacia.
ConJur — O que espera da próxima gestão do IAB?
Sydney Sanches — A próxima gestão vai manter a tradição da instituição e defender os valores estabelecidos em nosso estatuto: Estado de Direito, democracia, direitos fundamentais e direitos humanos.
Em nossa gestão, o IAB ampliou o seu espectro de influência em participação, porque além do Brasil, nós atuamos muito internacionalmente. O IAB transmitiu a experiência e as dificuldades da sociedade brasileira, da advocacia brasileira, do sistema de Justiça brasileiro, para pessoas de outros países. O IAB participou de grandes instituições internacionais, como a União Internacional dos Advogados, o Senado de Instituições dessa organização, que é a Ordem Mundial, onde dividimos todas as dificuldades hoje de defender o Estado de Direito no mundo inteiro. O IAB esteve na Organização dos Estados Americanos (OEA), na Corte Internacional de Justiça.
Espero que a próxima gestão dê continuidade às oportunidades que foram oferecidas diante das dificuldades que as instituições hoje sofrem. Primeiro manter nossa qualidade acadêmica. É algo muito importante porque é uma característica do instituto. Manter o papel de independência institucional é fundamental, porque o instituto não pode estar subordinado a qualquer orientação externa. Isso significa entender esse papel como voz consultiva independente de âmbito nacional, não submetida a qualquer influência ou interesse político, seja partidário ou político-institucional. E avançar em outras áreas do conhecimento, como sociologia, história e artes, para oxigenar as discussões.
A eleição do IAB foi muito dura. É tradição do instituto esses momentos de disputa, eles ocorrem, faz parte. De certa forma, também é fruto do que a sociedade brasileira vem passando, porque o debate foi muito polarizado, duro, com um colégio eleitoral muito circunscrito, em que todos se conhecem direta ou indiretamente. E em alguns momentos, foi tóxico. Mas acabou. O colégio eleitoral do IAB escolheu a candidata de sua preferência, e Rita Cortez foi eleita. Cabe agora a pacificação e a reunião do instituto de forma solidária, coletiva e integrada ao trabalho que vem realizando.
ConJur — Como avalia o atual estado da advocacia no Brasil?
Sydney Sanches — A advocacia sofre dos mesmos males que a sociedade está vivendo. Há hoje advogados com interesses e características muito distintas. E creio que o papel da OAB é entender as diferentes demandas e as diferentes formas de advogar. E isso mantendo-se independente e afastada das questões corporativas internas. A OAB jamais pode ser apropriada por qualquer poder ou interesse particular.
A advocacia tem sido afastada do Poder Judiciário, muito em função das ferramentas de tecnologia. Isso faz com que o jurisdicionado receba um atendimento menos adequado, já que o advogado sofre restrições para o exercício pleno da defesa. Há uma parcela da advocacia que não tem acesso à tecnologia, seja porque a internet da região é precária, seja porque são pessoas mais velhas com mais dificuldades com novas ferramentas. A OAB precisa ser independente para cobrar do Judiciário ferramentas que ponham todo mundo no jogo.
Outro tema muito importante é a inteligência artificial e o que ela representará para o sistema de Justiça. A magistratura não pode ser substituída pela inteligência artificial. E o advogado não pode entender pensar que ele não precisa mais fazer nada e que uma ferramenta pode fazer por ele. É fundamental que os órgãos entendam as facilidades oferecidas pelas novas ferramentas de tecnologia como oportunidades que não substituem o papel de cada um dentro desse processo. Se hoje já existe um processo de proletarização da advocacia, isso vai se agravar ainda mais com uma incompreensão do que a tecnologia pode trazer. Ela pode ser ótima ou pode ser danosa, depende de como se usa.
Esse processo todo de preservação do sistema de Justiça também é uma preservação da democracia, porque sem a democracia não se tem Justiça. E as plataformas digitais hoje respondem por um novo espaço público, que atinge diretamente a nossa estrutura social na nossa forma de organização. Os códigos de comunicação mudaram, a forma como se entrega a informação é outra. Plataformas digitais publicam conteúdos que veículos como a ConJur, que tem responsabilidade de informação, não publicariam. A regulação das plataformas deve ser entendida como uma forma de assegurar as conquistas civilizatórias, que não permitem discurso de ódio e notícias fraudulentas.
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