Tributação disfarçada de dividendos e distribuição disfarçada de lucros
14 de abril de 2025, 8h00
Foi enviado ao Congresso em março de 2025 o projeto de lei (PLP 1.087/25) que trata de ajustes na tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, isentando quem recebe até R$ 5 mil/mês e criando normas financeiras compensatórias decorrentes dessa redução de arrecadação. Reduzir a tributação para essa faixa de renda é meritório, mas tudo seria mais simples se fosse corrigida a tabela do IR, o que não ocorreu por uma opção política inadequada.
O ponto sob análise é a verdadeira “tucanagem” que foi feita para tributar os dividendos, isto é, os lucros que as empresas distribuem aos seus sócios ou acionistas, para compensar a redução da arrecadação. O que está sendo feito é criar uma tributação disfarçada de dividendos, o que acarretará o retorno da distribuição disfarçada de lucros. De farsa em farsa, demonstremos o que está ocorrendo.

Em dezembro de 2024, quando o projeto foi aventado pela imprensa, publiquei nesta ConJur que a tributação incidiria sobre a alíquota efetiva, aquela que aparece no “último clique” da declaração de IRPF. Isso incluiria diversas receitas consideradas “isentas” ou “com tributação exclusiva”. Bingo – é o que consta do PLP.
Onde estão alguns dos problemas?
Norma isentiva anterior passará a ser desconsiderada por norma impositiva posterior, como no caso dos dividendos, derrogando o artigo 10 da Lei 9.249/95. Não seria mais simples revogar ao invés de derrogar? Ocorre que o impacto político da revogação seria muito maior, o que levou o governo a optar por essa tucanagem.
O PLP estabelece como limite para essa incidência a alíquota de 34%, que é a maior alíquota para as pessoas jurídicas. Ocorre que se busca tributar as pessoas físicas, cuja maior alíquota é de 27,5%. Dentre outras, essa pertinente crítica foi feita por Misabel Derzi e Fernando Moura nesta ConJur. Elidie Bifano, também na ConJur, aponta para a injustiça que se cometerá para com as empresas integrantes do Simples, que terão seus dividendos sobre onerados com essa alíquota de 34%.
No fundo, constata-se que o PLP é pleno de boas intenções, mas está tecnicamente incorreto, em face das diversas análises efetuadas nos comentários aqui relacionados.
Uma solução para sua adequação é distinguir as sociedade de pessoas das sociedades de capital, conforme exposto anteriormente nesta ConJur em novembro de 2022 e em novembro de 2024, este com severas críticas à análise efetuada pelo economista Samuel Gobetti, que dá amparo teórico ao PLP, e que foi louvada por Samuel Pessoa.
O ponto central é que existe uma diferença entre as sociedades de capital, usualmente sociedades anônimas que apuram o IRPJ pelo lucro real e são auditadas, distribuindo dividendos pelos seus acionistas; e as empresas de pessoas, usualmente sociedades limitadas que congregam sócios que apuram o IRPJ pelo sistema de lucro presumido, muitas delas sob o manto do Simples. Colocar essas diferentes situações fáticas e concretas dentro do mesmo balaio tributário será uma enorme injustiça fiscal e gerará muitos debates judiciais.
Na prática, o PLP adota o nominalismo, carretando que os rendimentos do trabalho serão tributados como se fossem lucros, pois, nas sociedades de pessoas, o trabalho dos sócios é remunerado utilizando-se o nomen juris de dividendos. A incidência tributária deve distinguir o que é remuneração de capital do que é remuneração do trabalho, embora, nos dois casos, sejam batizados de dividendos. O idêntico nomen juris não muda a natureza jurídica daquele rendimento. Um acionista da Petrobras investiu capital e recebe dividendos, embora jamais tenha trabalhado naquela empresa; um sócio da uma empresa do Simples também recebe dividendos, que decorre de seu trabalho, e não de capital investido sem trabalho. Salta aos olhos a diferença fática nas duas situações, que está no valor do trabalho para a apuração dos lucros distribuídos.
Mantida a situação prevista no PLP, a consequência será a redução dos lucros das sociedades de pessoas, pois os sócios retornarão ao sistema pré-1995, quando os dividendos eram tributados, e ocorria a distribuição disfarçada de lucros, com indevida majoração das despesas dos sócios bancadas pela pessoa jurídica. Isso acarretará o retorno da fiscalização para dentro das empresas, com enormes dificuldades para todos os envolvidos.
É possível que haja alguma complexidade para implementar a solução proposta, mas estou seguro de que os sistemas de inteligência da Receita Federal podem muito bem desenhar um PLP mais condizente com a realidade e a nossa Constituição.
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