Novo contencioso administrativo do IBS: pontos, no mínimo, controvertidos
5 de abril de 2025, 6h01
Passaremos em revista a alguns dispositivos do PLP 108, que traz a regulação do novo processo administrativo de exigência dos créditos tributários do IBS.

O primeiro que se nos apresenta controverso e quiçá surpreendente é o artigo 116 do referido projeto de lei, de acordo com o qual o julgador poderá ser punido nos casos em que praticar “excesso de linguagem”, estando, por outro lado, resguardado na hipótese de manifestar sua “opinião”. A primeira crítica que se faz é a dificuldade de se qualificar o que deva ser considerado como “excesso de linguagem”, expressão vaga que só dará margem a controles indevidos e até arbitrariedades sobre o julgador, na medida em que se indaga a quem caberá e qual será o critério para estabelecer este limite.
Outrossim, não nos parece correto tratar de opiniões dentro das regras processuais, porquanto o julgador não manifesta opinião, mas apenas e tão somente aplica ao caso concreto as regras invocadas pelas partes litigantes. Juiz não opina no processo, não obstante sua opinião extra autos nos parece resguardada como já disse o STF nos autos da ADPF 130, como a qualquer cidadão. Sigamos.
Excesso de princípios ao processo administrativo
O projeto de lei peca pelo excesso de princípios aplicáveis ao processo administrativo (16), dando sinal de que o legislador na verdade desconhece que apenas um já seria suficiente, o do “substantive due process of law” como sistematicamente reconhece o STF (MS nº 26.358/MC). Exemplo disto está na previsão de que o processo administrativo deverá observar o princípio do formalismo moderado, não dando qualquer pista do que deva ser entendido como tal.
Ora, parece-nos muito difícil pensar num formalismo moderado num âmbito litigioso. De qualquer forma, cogitamos o seguinte exemplo: com base neste princípio e na regra da justa causa de que trata o parágrafo único do artigo 72, o contribuinte poderá requerer dilação de prazo para apresentar suas provas na defesa, no caso eventualmente serem muito extensas para serem apresentadas no prazo de 20 dias ou mesmo depender de documentos que estejam em estabelecimentos de terceiros? Poderá o fisco aplicar a regra de preclusão diante deste cenário? Matéria certamente belicosa e que deverá chegar ao Judiciário…
Causas de nulidade
Outro ponto bastante controverso é o da previsão das causas de nulidade contidas no artigo 78 do PLP 108. Seriam elas taxativas? Como devemos, por exemplo, interpretar a causa de nulidade prevista no respectivo inciso III quando trata das “decisões não fundamentadas”? Deveremos considerar as hipóteses previstas no artigo 489 do Diploma Processual de 2015?

Embora o histórico jurisprudencial dos tribunais administrativos federais e estaduais aponte para a não aceitação da interpretação conjunta de ambos os diplomas, parece-nos não haver justificativa plausível desta segmentação, haja vista que o PLP em questão incorpora em seu texto os princípios do formalismo moderado e o do devido processo legal (substantivo) que, encarado pelo seu prisma da proporcionalidade, impõe o despropósito de não se acolher a interpretação sistemática de tais regras, ainda mais quando há dispositivo específico no CPC de 2015 pregando que suas normas devam ser aplicadas supletivamente (artigo 15) a qualquer processo administrativo.
Ainda sobre o tema das nulidades é de se notar a redação do §8º do artigo 78 deste PLP ao prever a preclusão processual se não arguida a seu tempo ou mesmo reconhecida de ofício pela autoridade julgadora. Parece-nos que tal regra padece de vício insanável, pois a eventual intempestividade da arguição da nulidade não a convalida. Lembremos que o caput do artigo 78 trata das nulidades e não das anulabilidades do processo administrativo. Logo, deve ser qualificada a qualquer tempo e em qualquer instância do processo administrativo do IBS, aplicando-se-lhe, por exemplo, no caso do Estado de São Paulo, o artigo 10 da Lei Ordinária Estadual nº 10.177/98, com suas alterações.
Lista de pessoas e empresas com relação pessoal e profissional
Não menos importante temos a previsão do §10 do artigo 78 impondo a regra de que os julgadores administrativos deverão apresentar e o tribunal publicizar no início de cada mandato e renová-la periodicamente, lista de empresas e pessoas com as quais tenham mantido qualquer tipo de relação pessoal ou profissional indicada no §9º. Pois bem, considerando que a letra ‘c’ do inciso III do artigo 11 da LCP 98/95 diz que a função do parágrafo normativo é indicar aspectos complementares da norma tratada no caput e que, no caso em tela, estamos versando sobre as hipóteses de nulidade do processo e o impedimento é um delas (inciso I), isto permite-nos concluir que esta lista de cenários impedientes deverá ser ampla e atual o suficiente para resguardar o julgamento de qualquer vício, em estrita obediência aos princípios da publicidade e da transparência incorporados no artigo 66 do PLP 108.
Cota de gênero
Ainda em linha com as questões de nulidades ocorridas no processo administrativo temos a previsão contida no §3º do artigo 101 do projeto, que estabelece o percentual mínimo de 30% dos julgadores ser do gênero feminino. A par de se pretender a legítima igualdade de gênero na composição das câmaras e turmas julgadoras, a proposta em si estabelece critério que já se mostra discriminatório na origem e, portanto, nulo, haja vista que se se deseja tal igualdade, então há se determinar a metade (50%). Além disto, se a regra é de que a composição se faça com tais percentuais, então é de se concluir que à falta de tal mínimo necessário a sessão de julgamento não poderá ser estabelecida, sob pena de nulidade.
Por fim, não podemos deixar da destacar a regra do §3º do artigo 84 do projeto que estabelece a possibilidade de alteração, total ou parcial, do lançamento realizado, sem, contudo, prever a possibilidade de apresentação de nova defesa, total ou parcial, pelo contribuinte. Novamente aqui se vê que, embora o projeto contemple o respeito ao devido processo legal e ao contraditório, quando se deva realmente fazer valer tais princípios é o próprio legislador que deixa de considerá-lo.
São muitos os pontos a serem debatidos neste projeto de lei que, conquanto traga avanços neste novo período de litígios que teremos com a vigência do IBS, ainda assim comete equívocos que só incentivarão o litígio judicial para que as correções sejam devidamente realizadas.
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