STF valida corte de serviço e remuneração de peritos médicos em greve
4 de abril de 2025, 14h56
O direito de greve é legítimo, mas não é absoluto, e não pode ser exercido de forma irrestrita ou por tempo indeterminado, comprometendo os serviços públicos, pois não se sobrepõe ao interesse da população — especialmente da parcela mais vulnerável.

Decisão valida ofício do MPS que deixou de designar perícias aos grevistas, com desconto integral da remuneração
Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, validou nesta quinta-feira (3/4) um ofício por meio do qual o Ministério da Previdência Social (MPS) deixou de designar perícias médicas para servidores que aderiram à greve da categoria, com desconto integral da remuneração.
O magistrado também decidiu que um acordo de 2022 sobre o tema, firmado entre a União e a Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANPM), não precisa mais ser cumprido nos seus termos originais.
Devido à gravidade da situação para os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o decano do STF mandou encaminhar uma cópia da decisão ao Superior Tribunal de Justiça e à Procuradoria-Geral da República, “para que tomem ciência de possível abuso de direito de greve”.
Tais órgãos avaliarão medidas necessárias para minimizar os efeitos da paralisação. Gilmar ressaltou que há até mesmo a possibilidade de instauração de inquérito, por requisição do Ministério Público, se houver indícios da prática de crimes.
Contexto
Em 2022, os peritos médicos federais começaram uma greve por melhores condições de trabalho. Eles reclamavam de sobrecarga funcional devido ao déficit de servidores e falta de recomposição salarial.
Após diversas negociações, foi assinado o acordo com o então Ministério do Trabalho e Previdência, homologado pelo STJ. O termo previu, por exemplo, uma meta máxima de atendimentos diários para os servidores, além de compromissos adicionais de gestão e valorização da carreira. A União regulamentou o acordo por meio de portaria.
Já em 2023, o governo federal publicou novas portarias sobre o tema, sem consultar os representantes da categoria. Por isso, no final daquele ano, a ANPM organizou uma nova greve para o começo de 2024.
A União acionou o STJ e conseguiu uma liminar, que determinou a manutenção do contingente mínimo de 85% ou 70% de peritos em atividade, a depender do estado. Em seguida, a associação suspendeu as paralisações.
Após uma nova portaria que aumentou a meta diária de produtividade dos peritos, a categoria decidiu iniciar uma nova paralisação no segundo semestre de 2024. Já neste ano, o MPS publicou o ofício que proibiu os grevistas de prestarem qualquer serviço e estabeleceu o corte da remuneração.
Assim, a ANPM apresentou duas reclamações constitucionais ao STF. Uma delas contestava o ofício do MPS. Segundo a associação, ele esvaziou o direito de greve dos servidores ao bloquear as agendas dos peritos médicos federais participantes da paralisação, o que configuraria lockout.
A ANPM argumentou que a necessidade de manutenção de percentuais elevados de comparecimento tornou inviável seu direito de greve. E também alegou que a proibição imposta pelo ofício vai de encontro ao interesse público.
No último mês de março, a ministra Regina Helena Costa, do STJ, decidiu que o acordo de 2022 não precisava mais ser cumprido, devido a alterações no cenário das perícias médicas. A segunda reclamação da ANPM contestava essa decisão.
De acordo com a associação, a decisão do STJ também esvaziou seu direito de greve, com base apenas em recomendações administrativas do Tribunal de Contas da União — por exemplo, para adequação das metas previstas no acordo.
Fundamentação
Gilmar considerou que as alegações da ANPM não tinham correspondência com a realidade.
Ele citou as conclusões apresentadas pelo TCU: a redução da produtividade dos peritos causou a diminuição da oferta de perícias médicas e o aumento da fila da Previdência; a oferta mensal de perícias foi reduzida em cem mil; entre 2022 e 2023, o Departamento de Perícia Médica Federal (DPMF) poderia ter feito um milhão de perícias, não fosse o acordo de 2022; a jornada de atendimentos dos peritos foi inferior a 50% da carga horária prevista em lei após o acordo etc.
Segundo o relator, o ofício do MPS buscou justamente minimizar esses prejuízos. O intuito era apenas redirecionar as perícias para servidores que estão efetivamente trabalhando.
O governo notou, por exemplo, que um número extremamente alto de análises documentais, as quais poderiam gerar a concessão imediata de benefícios, vinham sendo redirecionadas para perícias presenciais futuras, sem justificativa. No segundo semestre de 2024, mais de 125 mil perícias médicas foram canceladas com a alegação de participação do perito na greve.
Em dezembro de 2024, a ANPM passou a orientar os peritos a faltar em dias “pontuais e aleatórios”, além de cumprir somente metade das suas metas de produtividade nos dias em que comparecessem.
Na visão de Gilmar, o não comparecimento do médico grevista em dias aleatórios descumpre o artigo 13 da Lei de Greve, que obriga os trabalhadores ou entidades sindicais a comunicar a decisão de paralisação aos empregadores e usuários com antecedência mínima de 72 horas.
Em 2007, o STF reconheceu a falta de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos e decidiu que, enquanto ela não acontecer, devem ser aplicadas a eles as mesmas regras voltadas à iniciativa privada. Por isso, a Lei de Greve é aplicável ao caso dos peritos médicos federais.
Ainda segundo o ministro, a “artimanha” adotada pela ANPM “caracteriza abuso do direito de greve e gera graves consequências aos usuários do serviço público essencial interrompido”.
Isso porque muitos segurados do INSS que precisam da perícia médica estão “em situação de vulnerabilidade, enfrentando dificuldades físicas, financeiras e emocionais”. Muitas vezes, percorrem centenas de quilômetros até um posto do INSS, mas são informados de que a perícia agendada foi cancelada, sem aviso prévio.
“Esse cenário revela não apenas um desrespeito ao cidadão, mas também violação do princípio da continuidade do serviço público, comprometendo o direito à assistência previdenciária”, assinalou Gilmar.
“Essa situação é inaceitável, abusiva, antiética e imoral”, completou o ministro. “O segurado, já fragilizado por sua condição de saúde e pela espera prolongada, não pode ser penalizado por uma paralisação que desconsidera sua dignidade e agrava ainda mais sua condição.”
Para o magistrado, ao impedir o atendimento dos segurados, a greve dos peritos se tornou “um ato de insensibilidade e injustiça”.
O relator lembrou que o STF já validou, em 2016, o desconto de dias não trabalhados na remuneração de servidores em caso de greve.
Por fim, ele afirmou que a decisão de Regina Helena Costa não contrariou qualquer precedente vinculante do Supremo. Pelo contrário: o STJ, “ao considerar a alteração da situação fática e priorizar o interesse público, agiu para garantir a continuidade da prestação de um serviço de natureza essencial”.
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Rcl 76.723
Rcl 76.724
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