O Direito é Público

Tecnologia como ferramenta de concretização dos princípios ESG

Autor

  • Marcela Bocayuva

    é advogada mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT) certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago) estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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28 de setembro de 2024, 8h00

A inteligência artificial oferece uma gama de ferramentas destinadas a coletar, armazenar, analisar e processar um expressivo fluxo de dados, filtrá-los e categorizá-los conforme os padrões e algoritmos encontrados de forma mais precisa, por meio de mecanismos como o machine learning e o data science.

Ademais, a IA pode ser uma aliada na prevenção de riscos e análise de oportunidades, na manutenção da integridade contábil da empresa, na formulação de metas eficientes, no monitoramento de dados quanto às iniciativas voltadas aos colaboradores, ao meio ambiente e demais práticas sociais promovidas pela organização, na formulação de estratégias de marketing aliadas aos novos anseios da sociedade atual, pesquisas de satisfação, entre outras.

Há também uma preocupação por parte da filosofia ESG de integrar valores que promovam a inclusão social, evitando-se algoritmos que demonstrem preconceitos de qualquer natureza contra grupos sociais que compõem as minorias em razão de raça, gênero, faixa etária, religião, orientação sexual e deficiências. A criação de novos empregos, campanhas de educação e acesso à informação, bem como o uso da tecnologia para proporcionar um ambiente de trabalho mais inclusivo, são outras opções disponíveis.

O desenvolvimento dessas modalidades tecnológicas tem por objetivo promover a digitalização das atividades industriais, com vistas a aperfeiçoar os processos e a aumentar os níveis de produtividade e de eficiência, além de propiciar a integração dos países em cadeias globais de valor.

As inovações, em atenção às regras de compliance, podem significar mecanismos impulsionadores de produtividade, de estratégia e de eficiência no setor empresarial e, simultaneamente, podem homenagear valores de sustentabilidade, questões sociais de inclusão e justiça social, além da preservação do meio ambiente. Tais conceitos, por fim, revelam-se potencializadores um do outro, sendo esta a razão de ser dos padrões estabelecidos pelo ESG.

Pesquisa e dados

Segundo a pesquisa realizada pela CXO Sustainability Report 2022 com líderes empresariais, conclui-se que as mudanças climáticas fazem parte de grande parcela das razões de preocupação dos empresários brasileiros, sendo que 48% dos impactos negativos em seus negócios se deu em virtude de problemas operacionais causados por desastres ambientais.

Ademais, de acordo com dados fornecidos pela Science Based Targets Initiative (SBTi), o compromisso com a sustentabilidade por parte das empresas resulta em melhor reputação da marca e maior confiança dos investidores.

Conforme se depreende de estudo conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor industrial é o que mais investe em ações para desenvolvimento sustentável, com vistas a melhorar a imagem da empresa.

Vantagens da adesão ao ESG

Empresas alinhadas com as práticas sustentáveis são mais valiosas e promissoras para o mercado da bolsa de valores, atraindo mais investidores por apresentarem melhores resultados socioeconômicos. O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), publicado pela Ibovespa, revela que, em 2020, a valorização do ISE foi equivalente a 29.473%, enquanto a Ibovespa tradicional apresentou valorização de 24.506%.

Marcela Bocayuva, advogada

Além disso, as ofertas de crédito são ampliadas. O campo da agricultura sustentável, por exemplo, foi contemplado em 2021 com investimentos no patamar de R$ 34 bilhões por parte da Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura.

Outro ponto relevante é a atração de consumidores. Segundo o Sistema FIEP, 87% dos brasileiros preferem consumir produtos de marcas que se demonstram diligentes quanto às questões ambientais-sustentáveis. Obter certificações de sustentabilidade é, portanto, uma garantia de credibilidade, com uma fiscalização criteriosa para evitar o greenwashing, prática de falsa adoção de práticas sustentáveis apenas de fachada.

Ainda que a adoção de tal regramento não seja obrigatória, a empresa que se comprometer a implementá-lo, submetendo-se ao processo de auditoria, além de contribuir para o meio ambiente, ostentará status competitivo muito mais elevado, equiparando-se a indicadores internacionais de competitividade, lucratividade e reconhecimento. Isso aumentará a probabilidade de perpetuação da própria existência.

A adoção dessas práticas também possibilita a emissão de greenbonds (créditos verdes), que são títulos de dívida para projetos que impactam positivamente o meio ambiente. A melhoria na imagem e reputação da marca, a atração e retenção de talentos, além da redução nos casos de corrupção e abusos nas relações trabalhistas, são outros benefícios.

No mesmo sentido, foi criado o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) oriundo do programa “JUNTOS: Pessoas + Floresta + Amazônia”, sob o apoio do Fundo JBS pela Amazônia, o qual prevê a emissão de R$ 100 milhões para abastecer 3,5 mil pequenos criados de gado, com o objetivo de escalar a pecuária regenerativa e sustentável no bioma da Amazônia.

O programa inclui a prestação de consultoria acerca de temas como o uso sustentável da terra, com vistas a aumentar a rentabilidade e a produtividade do setor pecuário, enquanto se reprime o desmatamento ilegal na área da Amazônia Legal.

Tal certificado será emitido via blended finance, com recursos oriundos de fundos concessionados, privados e centrados no projeto “JUNTOS” de agricultura regenerativa de forma integrada e funcionará por meio da melhoria do perfil de risco, retorno da operação e o aumento da atratividade do setor privado, além de contar com um comitê de risco e impacto.

Tecnologia, sustentabilidade e democracia

Como se pode perceber, as aplicações da inteligência artificial são inevitáveis formas de potencializar diversos aspectos da vida humana, especialmente em se tratando de tarefas repetitivas e em larga escala. Russell e Norvig definem a Inteligência Artificial como: “[…] como o estudo de agentes que recebem percepções do ambiente e realizam ações” (Russel e Norvig, 2010, p.VIII).

Não obstante, delegar a capacidade de decisão para as máquinas, bem como a atividade-fim dos três poderes da União, pode significar problemas relacionados à legitimidade democrática do produto dessas ações, bem como quanto às questões éticas e políticas suscitadas no âmbito da automatização das decisões.

Por estas razões, a inteligência artificial, ao mesmo tempo que pode ser uma importante aliada ao criar soluções inovadoras para problemas complexos e eliminar barreiras geográficas e intelectuais, atuando, inclusive como precursora da Agenda 2030, por outro lado, impõe riscos às premissas de um Estado democrático.

Sabendo disso, algumas das mencionadas ameaças à ordem democrática podem ser descritas como a fabricação da realidade por inteligência artificial (IA) de forma desenfreada.

Tal assunto foi retratado recentemente pelo Fórum Econômico Mundial. De acordo com o Relatório de Riscos Globais 2024, as informações falsas ou distorcidas produzidas por IA representam o “maior risco global no curto prazo”.

Analisou-se, por fim, que somente no ano de 2024, cerca de 2 bilhões de eleitores irão às urnas em diversos países, inclusive os brasileiros, que escolherão seus futuros prefeitos e vereadores em outubro. Falhas na regulamentação e no controle das informações propagadas por IA, pode colocar em risco um dos mais importantes pilares da democracia, que é a higidez das eleições, por meio do falseamento da realidade.

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Nesse sentido, o cientista político americano Larry Diamond, ao analisar o tema, reuniu três paradoxos, cujos padrões se prestam a compreensão das dificuldades de se sustentar uma democracia após sua instalação. De acordo com sua tese, os mesmos elementos que determinam a força de uns regimes podem funcionar como obstáculos à evolução de outros ou até mesmo gatilhos para recaídas autoritárias (Diamond, 1999, p. 130).

Em virtude disso, aspectos éticos e morais envolvendo a utilização da Inteligência Artificial devem ser conformados em normas nacionais, internacionais, especialmente quanto à responsabilização de condutas e limites no seu alcance.

Há que se formular, além disso, políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento econômico e social equitativo, como forma de evitar o aumento da desigualdade social em razão do acesso à tecnologia ou da falta dele, caso contrário, o uso de IA passará a representar um verdadeiro retrocesso à Agenda 2030.

Em outras palavras, é imperativo que o arcabouço normativo tradicional de direitos se adapte ao novo ambiente sustentável, postulado do mundo atual. Isso porque o cenário contemporâneo impõe que a IA atue como um complemento à produção científica e como um auxiliar da sociedade para atingir seus objetivos, sem que seja um fator a engessar o comportamento e as relações humanas.

Nesse sentido, a função do Direito, nesse contexto, não é atuar como uma ferramenta para dificultar a aplicação da IA ​​na sociedade, mas como um coordenador e coadjuvante capaz de observar e delimitar e preservar as balizas da justiça. Portanto, espera-se uma constituição humanitária das atividades envolvidas pela IA para fins de cumprimento da Agenda 2030.

Há que se promover, portanto, uma regulamentação clara e objetiva acerca do uso da inteligência artificial, para que se torne uma aliada na manutenção do Estado democrático de Direito, de modo que seus valores sejam prestigiados e potencializados. Os critérios ESG, por conseguinte, preocupam-se em reunir os valores norteadores do ideal democrático do mundo atual, alinhado com o modelo proposto pela Indústria 4.0, cuja ascensão se deu com o advento da Revolução Tecno-científica, tais como a proteção de direitos fundamentais, desenvolvimento tecnológico e sustentabilidade.

 


Diamond, Larry. Developing democracy: Toward consolidation. Baltimore: Johns Hopkins University Press, (1999).

RUSSELL, Stuart. J.; NORVIG, Peter. Inteligência Artificial: uma abordagem moderna. 3. ed. Nova Jersey: Pearson Education, 2010, p. VIII.

Autores

  • é advogada, mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard, especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago), estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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