Jovem se forma em Direito e atua em júri que absolveu sua mãe
27 de setembro de 2024, 14h30
O Tribunal do Júri da comarca baiana de Valença absolveu uma administradora de empresas acusada de matar o namorado.
Composto por quatro mulheres e três homens, o Conselho de Sentença acolheu a tese da defesa de que não houve homicídio, mas sim um disparo acidental da própria vítima ou suicídio. Os jurados também inocentaram a ré do crime de fraude processual. O episódio aconteceu em 2012.
Entre os defensores que atuaram no plenário, um deles chamou a atenção. Filha da ré, Camila Pita tinha apenas 14 anos quando o namorado da mãe morreu. A ação penal a inspirou a cursar Direito e a prestar exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para defendê-la.
Sob a presidência do juiz Diogo Souza Costa, a sessão começou às 8h30 da última terça-feira (24/9) e avançou até por volta das 2 horas do dia seguinte, após réplica e tréplica. No início dos trabalhos, a promotora Rita de Cássia Pires Bezerra Cavalcanti requereu que a filha da ré fosse retirada da bancada da defesa. O magistrado indeferiu o pedido ao verificar que Camila está inscrita no Cadastro Nacional dos Advogados (CNA) e apresenta “situação regular” perante a OAB.
Júri popular
O juiz Reinaldo Peixoto Marinho reconheceu indícios suficientes de autoria, autorizadores da submissão da ré a júri popular. O julgador amparou a sua decisão em laudo segundo o qual “a arma não foi disparada pela vítima, devido à ausência de impressões digitais do falecido”.
Além disso, o julgador assinalou que o exame residuográfico nas mãos do empresário teve resultado negativo. Essa perícia tem por objetivo detectar vestígios de chumbo resultantes de disparo de arma de fogo.
Marinho também citou a conclusão de um perito, que considerou incompatível o relato da acusada. A ré contou que o empresário estava sentado no banco do motorista de seu carro, atirou contra o peito, saiu do veículo, falou brevemente com ela e morreu na sequência. De acordo com o expert, a natureza da lesão provocada pelo disparo impossibilitaria que a vítima abandonasse o automóvel, se mantivesse em pé e verbalizasse, mesmo que por alguns instantes.
A pronúncia ainda foi embasada pela prova testemunhal, que apontou um relacionamento amoroso entre a administradora e o empresário marcado por conflitos, sem indicar qualquer predisposição do homem em atentar contra a própria vida. “A versão apresentada pela acusada de que a vítima se suicidou não pode ser reconhecida de pronto, há divergências, devendo ser objeto de julgamento por parte do juiz natural”, decidiu Marinho.
A pronúncia abrangeu também o crime de fraude processual. Segundo o Ministério Público, a ré alterou a cena do crime, pois havia vestígios de pólvora em maior intensidade do lado esquerdo do veículo, sugerindo que o disparo foi efetuado por alguém no banco do carona.
Para o órgão acusador, em tese, a acusada teria disparado contra a vítima à queima roupa e no coração, saindo em seguida do carro, trancando a porta do lado esquerdo e colocando o revólver no banco do passageiro.
Ainda na tentativa de tumultuar eventual investigação e tornar crível a tese de suicídio, a ré teria puxado o corpo da vítima para o chão, conforme o raciocínio desenvolvido pelo MP. Sobre a motivação do homicídio, que justificou a imputação da qualificadora do motivo torpe, a acusação apontou suposta “vingança” da administradora, porque o empresário desejava terminar o namoro com ela por estar se envolvendo com outra mulher.
Perícia contestada
O advogado Fabiano Pimentel juntou aos autos um vídeo de um homem que se mata com um tiro no peito, na altura do coração. A cena foi registrada pela câmera de segurança de um estabelecimento comercial, onde essa pessoa entra e para em frente ao balcão.
A gravação serviu para Pimentel demonstrar aos jurados que, ao contrário da conclusão do perito, é possível alguém atirar contra o próprio peito, na região do coração, e não perder os sentidos de imediato. O período de 25 segundos que o homem da filmagem permaneceu em pé depois de baleado é compatível, segundo a narrativa da acusada, com o tempo que o empresário levou para sair do carro e falar para a ré que havia atirado contra si, antes de morrer.
Pimentel sustentou que o exame residuográfico não é uma perícia conclusiva, devendo o seu resultado ser aceito com ressalva, se não for confirmado por outras provas.
O advogado reforçou a tese de negativa de autoria com a versão da administradora, que desde a fase do inquérito policial refutou a acusação de homicídio. Segundo a mulher, por insistência do empresário, ela foi até a casa dele na data dos fatos (13/3/2012), apesar de o casal já estar separado havia cerca de 15 dias por iniciativa dela.
A promotora afastou nos debates a qualificadora do motivo torpe e pediu a condenação da ré por homicídio simples e fraude processual. Os jurados acolheram o pleito defensivo pela absolvição dos dois crimes. Em relação ao crime conexo, para o Conselho de Sentença, sequer ficou provada a sua materialidade. Além de Fabiano Pimentel e Camila Pita, compuseram a bancada de defesa os advogados Luiz Augusto Coutinho, Everardo Lima Ramos Júnior, Catharina Fernandez, Thamires Santos e Bernardo Lins.
Pimentel destacou o trabalho de equipe da defesa. “Camila relatou o sofrimento da mãe ao se ver processada injustamente por 12 anos. Coutinho explicou o funcionamento da arma usada e o seu stopping power (poder de parada) para os jurados compreenderem a dinâmica dos fatos. Eu apontei inconsistências das perícias e a impossibilidade de a ré ter cometido o crime. Desde o início no caso, Everardo explorou minúcias dos autos. Catharina, Bernardo e Thamires inquiriram as testemunhas e prepararam o júri”.
Processo 0004743-50.2013.8.05.0271
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